Thiago não sabia como disfarçar desta vez. Havia sido pego pelo amigo com suas próprias palavras. Desfazer o mal-entendido desta vez seria difícil, porque não era um mal-entendido, era a verdade.
_ Fala. – exigiu Daniel.
_ Daniel, não é isso que
você está pensando. O que você ouviu foi...
_ Sim? O que foi que ouvi,
Thiago? – interrompeu – Eu sei muito bem o que ouvi. Não sou surdo! Gay! É isso
que você é! Um gay! Veado! E outra, você não está dormindo dessa vez!
Thiago ficou mudo de cabeça
baixa. Tudo que estava ensaiando para falar para o amigo havia sumido de sua
cabeça. Ele sabia que seria difícil, mas que com as palavras certas o amigo o
entenderia. Estava atordoado por ter sido surpreendido.
_ Diz para mim, por quê?
Desde quando? Por que escondeu isso de mim? – Daniel estava totalmente
descontrolado, tinha em si a impressão de que não sabia mais com quem estava.
_ Calma, Daniel! Não é o fim
do mundo.
_ Não é o fim do mundo para
você! Descubro que meu melhor amigo é um gay! Que só saiu do armário porque eu
escutei a conversa, aliás, saiu do armário nada! Eu que abri a porta e vi o que
tinha dentro.
Thiago deu a volta na cama e
sentou de costas para o amigo, não queria que fosse assim, estava envergonhado.
Tentou ser o mais sincero possível, era a hora da verdade.
_ Lembra quando você me
ajudou contra Tadeu, aquele valentão da escola nos últimos anos do primário...
– Daniel só escutava – não foi minha intenção, mas a partir dali comecei a te
ver diferente, sabia que podia contar com você, porque você nem me conhecia
direito e nossa amizade cresceu demais daquele dia em diante. No acampamento,
fizemos pacto de sangue, na realidade era catchup, mas valia como se fosse,
dizendo que um sempre protegeria o outro e sempre seríamos amigos e
independente do que fosse apoiaríamos ao outro. A adolescência pode nos
transtornar das mais diversas maneiras. Percebi que a cada dia gostava mais de
você e de uma maneira diferente.
_ Essa parte você pode
pular, obrigado! – se sentia constrangido.
_ Não é a verdade que você
quer? – disse virando o rosto para encarar o amigo – Vai ter.
Daniel também viajava no
passado buscando na memória traços que talvez tenha deixado passar ou fingiu
que não viu no amigo. Nunca tinha reparado nada demais que denunciasse tal
comportamento.
_ Eu lutei para deixar de
gostar de você. Já passei um monte de noite planejando alguma coisa que me
fizesse parar de sentir isso. Então comecei a sair. Ia para as baladas e ficava
com várias meninas. Fiquei vadio. Coisa que nunca gostei de ser.
_ E as suas namoradas?
Marina? Fernanda? Amanda? Foram fachadas?
_ Não! – foi incisivo – De
jeito nenhum! Nunca namorei tentando esquecer alguém. Namorei porque gostei e
achei que poderia ser bacana e ficar mais sério, mas de toda forma, me fazia
esquecer esse lado, porque sou responsável com os compromissos que faço.
_ Então você é bi?
_ Não sei... – disse
duvidoso – Nunca sai com outros homens e nem pretendo. Não me atraem. E como sair com outro se gosto
de alguém. – olhou para Daniel que desviou o olhar.
_ Pode parar com isso. Que
coisa mais gay! Meu pai eterno! O que foi que eu fiz? Acho melhor você ir para
sua casa.
_
Se eu soubesse que te chatearia tanto, você não saberia nunca.
_ Esconderia até a morte.
Belo exemplo de amigo você é.
_ A verdade está aí na sua
cara e você reage assim.
_ Não tenho culpa que você é
um boiola enrustido! Saí minha vida toda com um gay enrustido que se passava
por homem só para ficar perto de mim. O que o povo vai pensar quando souber?
Vão dizer que temos um caso, que somos um casalzinho. Isso de jeito nenhum!
_ Deixa de ser idiota! Quem
é que vai saber disso? Só se você contar, porque não tenho interesse de expor
minha vida para ninguém, afinal, ninguém paga minhas contas!
_ Vou virar alvo de piada o
resto de minha vida. – pensava alto, andava de um lado para outro.
Thiago, parado, olhava para
o amigo com pena. Reparou em algo que o amigo às vezes demonstrava, mas sempre
desconsiderava.
_ Sabe o que você é?
Preconceituoso! É isso que você é! Engraçado que antes de você ouvir minha
conversa atrás da porta você me tratava diferente. Como um amigo trata o outro.
Agora, parece que sou desconhecido de você... – dizia enquanto seus olhos
marejavam de raiva e um sentimento que não conseguiu saber qual era no momento
- Mais engraçado ainda, nem sei se sou gay ou bi de verdade. Como te disse,
apesar de gostar de você desse jeito, nunca me relacionei com homens.
_ Sei! – disse Daniel
irônico - Suas desculpas merecem o Oscar de melhor engana-trouxa. Claro que se
gosta de homem é gay, seu burro! Engraçado, digo eu, que fui enganado o tempo
todo. Imagino se você não ficou me alisando enquanto dormia perto de você!
Aliás, você dormia quando dormíamos perto um do outro?
Thiago nunca esperava essa
reação do amigo. Da pessoa por quem ele cultivava tanto carinho. Era terrível
para ele escutar cada palavra daquela.
_ Agora tudo se encaixa
perfeitamente! Por isso, você quis me ajudar tanto no plano para me separar da
Roberta. Já tinha pensado em tudo! Queria ficar comigo! O sonho purpurinado
comigo. E mentindo na cara dura que era outra coisa. A realidade é que você só
queria e quer ficar comigo. Só quero te dizer uma coisa: NÃO DÁ! Eu gosto é de
mulher, viu? M-U-L-H-E-R! Sabe do que estou falando não é? – Daniel falava
alto. - Deve até ter gostado de ter sido...
_ Cala a boca! – Thiago
perdeu a paciência – Idiota! Otário!
Quem se enganou aqui fui eu! Você
é um... um.. Arghhhh! – tão nervoso que não conseguia falar, virou-se para a
janela para não avançar sobre o amigo.
_ Não quero ser visto
andando com gays. Independente do que aconteceu, já era! Nossa amizade acaba
aqui! – os ânimos estavam exaltados, mas agora não tinham mais motivos para
gritar, Daniel disse num tom mais brando – Não vou contar para ninguém que você
é isso aí, mas me faz um favor, vai para sua casa.
_ Você está me expulsando de
sua casa? É isso mesmo, produção? – Thiago estava tão descrente da situação que
resolveu ser irônico.
_ Thiago, por favor...
_ Não sei como você consegue
ser tão cruel.
_ Thiago...
'Não pensou muito, pegou o
que era seu na casa. Era pouco. Algumas roupas de estadias passadas e objetos
pôs tudo numa bolsa plástica. Partiu para sala, foi seguido pelo anfitrião.
Olharam-se expressivamente.
A próxima vez que se olharão desse jeito, o mundo vai ter girado várias vezes.
Defendendo-se um ao outro.
Sorrindo durante trabalhos de escola. Passando cola nas provas. Aniversários.
Passeios e cinemas. Festas e brindes. Abraços. Armações. Fugas. Acidentes.
Choro e mais abraços. A amizade.
_ Adeus! - disse Daniel.
_ Catchup vagabundo aquele,
não é mesmo? – lembrando do pacto quando crianças.
Do lado de fora, Thiago pega
na maçaneta e fecha a porta sem dizer mais uma palavra. Achava desnecessário,
afinal todas foram ditas.
Continua...
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