sexta-feira, 7 de setembro de 2012

22| Erótico.



                   Thiago via o galpão sumindo atrás deles pelo retrovisor. Estava nervoso porque nunca em sua vida imaginou Daniel, seu amigo de infância, ameaçá-lo com um revólver.
                    “Está louco não tem condição, deve ser o álcool, e agora meu Deus?” – pensava enquanto dirigia.
                    _ Está quieto. Está com medo? Está com medo, sua bicha? – dizia Daniel no banco do passageiro apontando a arma para o amigo – Medo? Logo de mim? Seu amigão de verdade!
                    _ Acho que você está descontrolado, cheio de álcool e nem sabe o que está fazendo, cuidado para não se arrepender depois. – dizia Thiago tremendo.
                    _ Sei muito bem o que estou fazendo. – deu dois leves tapas na perna do Thiago que o olhou sem entender, sentia a mão de Daniel escorregar pela perna e chegar ao bolso, onde estava o celular do rapaz e o puxou.
                    _ Isso fica comigo! – sorriu. – Quer escutar uma música?
                    _ Estou sem clima para música. – Thiago apesar de ameaçado com a arma, se sentia confiante para enfrentar o amigo que fazia questão de ser sarcástico e irônico – Você vê clima para música aqui? Tenho uma arma apontada para mim. Isso não me faz rir, nem me sentir bem.
                    _ Tem certeza que não quer ouvir música? – apertou a arma sobre a perna dele.
                    _ Quero! – Thiago o olhou nos olhos por um breve momento e parecia que ele estava se divertindo diante do seu desespero, olhou para arma e voltou-se para a estrada que estava deserta – Mas antes de ouvir, eu queria uma resposta sua.
                    _ Minha resposta é não, por enquanto! Segue em frente até a próxima direita, depois segunda esquerda e reta toda vida.
                    _ Para onde você está me levando, Daniel? – Thiago não conseguia esconder a aflição.
                    _ É você quem está dirigindo, não sou eu...
                    Sabia que o diálogo com ele seria bem estressante. Decidiu ficar calado e só guiar o carro até o destino. Daniel pegou um cd e ligou o som, a voz feminina preferida de Thiago começou a cantar uma música que ele já sabia.
                    “Cruel”– ele pensou – “Cruel e sutil”.
                    No galpão ninguém reparou a ausência de Daniel, só a Patrícia que tinha ido ao banheiro três vezes para ver se ele saía de lá, mas nada. Ligou para o celular dele que dava caixa postal.
                    _ Onde esse menino está? – uma dúvida a fez tremer – Será que? Não, não! Ela e a Roberta, não mais...
                    Uma mensagem chegou pelo celular. Do Daniel. Ela se alegra.
 
“Oi tive que sair mais cedo da festa por motivos maiores. Tem um táxi te esperando assim que você quiser sair, já está pago. Depois nos vemos.”

                    Tentou ligar em cima da hora, talvez ele atendesse. Chamou, mas desligou.
                    _ Não acredito que ele me deixou aqui sozinha, sem ninguém. Idiota... Pelo menos tem o táxi para ir embora. Ele vai ter que me explicar isso.
                    Flávia chegou ofegando na área do galpão que era destinada aos alimentos, encontrando Roberta preparando alguns petiscos.
                    _ Amiga, para tudo!
                    _ O que foi Flávia, parece que veio correndo?
                    _ Eu vim correndo para te contar uma coisa que eu vi lá fora e você nunca vai acreditar. Nunca! Nunca! Nunca!
                    _ Meu Deus do céu, fala logo então! Não me deixe nervosa!
                    _ O ... O ... Thiago... estava ... beijando...       
                    _ A Mariah? – empolgou
                    _ Não! Ah se fosse ela! Ele estava beijando... Um carinha de dreads.
_ Como é que é?
_ Isso mesmo que você ouviu. Ele está ficando com um carinha. Ele é gay! Gay!
                    _ Não acredito, um partidão daquele desperdiçado. Não acredito mesmo, só vendo!
                    _ Então vamos! Eles estão se agarrando lá no fundo.
                    Quando chegaram aos fundos, nada viram. Não havia ninguém.
                    _ Então, cadê o povo se atracando?
                    _ Não sei, eles estavam aqui com certeza, não sou doida! Devem ter mudado de lugar, para melhor se acomodarem. – disse rindo.
                    _ Vamos ligar para ele se ele não atender, é porque deve estar agarrado com alguém que provavelmente será o carinha que você falou.
                    Roberta pegou o celular e discou, ao terceiro toque, viu uma moça se aproximando, era a Mariah. Roberta desligou o celular.
                    _ Vocês viram o Thiago aí?
                    _ Não, estamos procurando por ele. Estamos ligando para ele, mas ele não atende. – olhou para Flávia que só faltou dizer “Não disse!”.
                    _ Está bem, quando encontrá-lo, me avisem e digam a ele que estou procurando-o.
                    _ Você não está acreditando no que te falei? – depois que Mariah saiu, Flávia disse vendo Roberta pensativa – Porque eu mentiria sobre isso?
                    _ Eu acredito em você, estou pensando que se o Thiago é gay... Ele só pode ter me beijado aquele dia, porque o Daniel pediu... – refletia. – Então ele armou tudo.
                    Thiago continuava seguindo pelo caminho que Daniel indicara. Algumas vezes olhava de relance e podia jurar que apesar do cheiro de bebida, o amigo estava lúcido, mas não tinha como ter certeza. Estavam numa estrada de terra, parecia que Thiago estava voltando à infância.
                    “Não acredito que ele me trouxe aqui”. – Thiago ia reconhecendo a estrada e algumas placas que via, Daniel só o observava, viu no rosto do amigo um pequeno sorriso apesar de tudo, por ter reconhecido o local.
                    _ Reconheceu? Que bom! É para lá mesmo que vamos.
                    _ Fazer o que lá?
                    _ Conversar...
                    _ “Ah, Cláudia, senta lá, né!”.  Você me tirou da festa, do bem bom para conversar comigo? Você já foi mais prático!
                    _ Bem bom? E ficar agarrando outro homem é bom, é? Você me disse que nunca tinha ficado com homem nenhum. E a primeira coisa que vejo é você pendurado no pescoço de um canalha que só queria se aproveitar de você.
                    Thiago, mesmo tendo pouca experiência, percebeu que o amigo demonstrava ciúmes.
                    _ Espera aí! Você está com ciúmes? É isso mesmo?
                    _ Vontade você tem que eu morra de ciúmes de você – disse afetado – É cuidado! Não gosto que se aproveitem dos meus amigos.
                    Thiago não agüentou e soltou uma bela risada.
                    _ Está rindo de quê?
                    _ De como as pessoas mudam tão rapidamente. Você está apontando uma arma para mim e vem falar de cuidado de amigo...
                    Depois de passar por um mata-burro, avistaram uma casa grande no alto do morro, seguiram para lá, e quando Thiago a viu sorriu porque havia muito tempo que não ia nesta casa que trazia tantas lembranças boas.
                    A varanda, as portinholas, os azulejos com detalhes azuis, havia uma janela com vidros coloridos, mas faltava um.
                    _ Nossa! Está tudo igual do jeito que a gente deixou. Até o vidro da janela que quebramos jogando bola, sua mãe ficou uma fera. – analisava tudo. – Deve ter uns dez anos que não venho aqui.
                    _ Vamos entrando! – Daniel o tirou do transe de contemplação cutucando-o com a arma.
                    Saíram do carro, Daniel pegou o cd que tocava, e as chaves que estavam com Tiago. A casa grande realmente estava do jeito que deixaram, parecia que ninguém tinha ido lá há muito tempo, mas estava limpa. Alguns móveis estavam cobertos com panos e lonas. Daniel fez Thiago entrar num quarto, fica aí que eu já volto. Daniel saiu ligando algumas luzes, Thiago ia seguí-lo, mas estava cansado, sentou-se na cama que estava recém-trocada. Não cheirava a mofo nem poeira. Resolveu deitar.
                    _ Fiquei sabendo por terceiros que você vai viajar. – Daniel retornava, Thiago se levantou rapidamente.
                    _ Quem te contou?
                    _ Não interessa. Não iria me contar. – pegou uma cadeira e sentou-se em frente a ele.
                    _ Depois da nossa última conversa, pensei que nada mais da minha vida, digo nada da vida de um gay enrustido te interessasse. Sinceramente, acho que você está louco! – Daniel se assustou com a declaração – Sim! Louco! Não te entendo mais Daniel. Você era todo amor com Roberta, desistiu dela, depois ficou obcecado para voltar, era meu amigo, descobriu que eu gostava de você, me repudiou como seu eu fosse o mais imundo do planeta, agora me traz para cá para conversar, num lugar tão significativo, onde a gente cresceu.
                    Daniel iria falar, mas foi interrompido.
                    _ Sem contar que namora uma moça que você nunca olhou, e nem dá valor, mesmo sendo sua namorada agora, você a trata como um lixo. Posso considerar isso como características de alguém que não está em sua consciência normal.
                    _ Você quem está perdido! Está em um quarto como um louco que tem um revólver, mas fique tranqüilo, não pretendo te maltratar, por enquanto. – pôs o cd para tocar. – Ainda quer ouvir música?
                    _ Inconveniente. Talvez você me ajude a acabar logo com isso. – disse fazendo uma cara de cansado e marejando os olhos – não agüento mais.  Sua inconstância é terrivelmente cansativa. O fim é o descanso que preciso, já que não vou ter o que quero.
                    _ Tão dramático... Não me peça isso, tenho costume de ajudar meus amigos no que precisam.
                    _ Me considera amigo agora! Você é muito complicado!
                    A voz da cigana soou na cabeça de Daniel como uma confirmação do que dissera.
                    _ Complicado e difícil. Não sei porquê você é assim, mas não sou um amigo perfeito. Eu sou homem e canso. Quer saber mais cansei desse seu joguinho idiota de pensar que pode ter tudo quando quer e largar quando enjoar e tornar pegar. Eu e nem os outros somos brinquedos. E...
                    _ Vai-me deixar falar o que descobri?
                    _ Você pode falar se quiser, mas não me interessa. – abaixou a cabeça para não olhar para o amigo como se não lhe interessasse mesmo.
                    Daniel abaixou a cabeça tentando criar coragem para falar. Era difícil para ele. Tudo também era muito novo. O Daniel ameaçador do carro tinha sumido. Aquele ali era o que o Thiago conhecia.
                    _ Descobri que você é meu único amigo verdadeiro. Todos os outros que eu considerava, eram apenas interesseiros e aproveitadores.
                    Thiago continuava, de cabeça baixa, como se não tivesse ouvido nada.
                    _ Me certifiquei na festa! Quando eles vinham até mim, eu dava um jeito de mostrar que não tinha dinheiro ou não queria pagar para eles, depois disso não os via mais. Nem me ofereceram nada, como muitas vezes já paguei. Nem sequer ficaram comigo.
                    Thiago não via que Daniel chorava. Estava vulnerável.
                    _ Não te interessa saber... Que... Tudo aquilo que te disse... Quando descobri sobre você... Foi impensado e da boca para fora? - Thiago levantou a cabeça e percebeu as lágrimas do amigo, se comoveu. – A Patrícia não é nada. A Roberta deixou de ser. Quando descobri que só podia contar com você!
                    Um clarão iluminou o quarto rapidamente, seguido de um som de trovoada. Começou a chover torrencialmente lá fora. Daniel não se mexeu. Thiago se assustou, mas voltou a observar o amigo.
                    _ Por que as pessoas me olham com interesse pelo que tenho? Só me procuram quando precisam de algo. – Era triste perceber que amigos eram parasitas. – “Véi!” Ninguém gosta de mim pelo que sou. Nem mesmo você! – olhou para Thiago - Não mais. Vai embora, ia até sem falar se eu não descobrisse.
                    Daniel fez menção em sair do quarto, mas foi até a porta. Thiago se levantou da cama e parou.
                    _ Não vá embora. Por favor, não vá! – chorava. Tiago, não sabia como reagir, ficou com medo porque o amigo chorava como se fosse o fim do mundo. Era o álcool. Daniel baixou os ombros e voltou de repente e deu-lhe um abraço. A princípio, Thiago não respondeu, mas em seguida, o abraçou. A arma havia ficado sobre a escrivaninha que estava ao lado da porta.
                    _ Calma moço! Não é o fim do mundo! Calma! Estou aqui com você. – sabia que Daniel era fraco para bebida alcoólica e num porre sempre ficava chorão.
                    _ Sabe... – dizia ente os soluços – quando fizemos o pacto de catchup?
                    Estavam dentro da barraca no acampamento quando Daniel veio até ele, com o dedo sujo, pensou que tinha se machucado por causa da cara de dor que ele fazia e pelo dedo que pingava, mas ele logo disse que era catchup. Queria fazer um pacto de amizade. Então, entregou o pote do molho para ele que o pediu para esperar, virou-se de costas para o amigo, e furou o dedo com um anzol e cobriu com o catchup. Desejava algo verdadeiro. Encostaram um dedo no outro e prometeram amizade verdadeira para sempre. Estava selado.
                    _ Sei. – Thiago lembrou.
                    _ Então... Eu furei meu dedo de verdade naquela noite. Furei com o estilete. Pensei que tudo valeria pelo menos com o meu sangue.
                    _ Eu furei o meu com um anzol. – disse Thiago sorrindo, quando o amigo se afastou surpreso com a confissão. – Então foi um pacto de verdade. Valeu.

                                                           “Quando a chuva está soprando no seu rosto,
                                                           e o mundo todo depende de você,
                                                           Eu poderia te oferecer um abraço caloroso
                                                           Para fazer você sentir o meu amor...”.

A música Make you feel my love caia como uma luva na situação. Se fosse ensaiado não daria tão certo. “Vou aproveitar!” – foi a ideia maluca que passou pela cabeça de Thiago que sem pensar no que poderia acontecer, roubou um beijo do amigo. Daniel não respondeu ao beijo, estava estático.

“Quando as sombras da noite e as estrelas aparecerem,
                                                           E então não tiver ninguém lá para secar suas lágrimas,
                                                           Eu poderia segurar você por um milhão de anos,
                                                           Para fazer você sentir o meu amor...”.
           
                        _ Eu te amo, meu amigo! – Thiago disse olhando nos olhos de Daniel que tomou a iniciativa e retribuiu o beijo roubando o fôlego de Thiago. Afastou-se de súbito.
                        _ Juro que estou me sentindo esquisito, e sei que isso é muito gay, me faz um gay, nossa que confusão!
                        _ Esquece isso, moço! – beijando-o novamente.
                        Daniel não resistiu, afinal não poderia negar para ele mesmo o que sentia. E Thiago era um amigo, aliás, o amigo. Acontecia o que ele mais temia, os pensamentos giravam em torno de tudo que poderia perder por causa do que estava acontecendo, mas estava seguindo o conselho de escolher o caminho da felicidade.
                        Thiago não acreditava em tudo aquilo. Estava no céu. Um amigo tão querido como Daniel. Sua cabeça também se enchia de pensamentos sobre aquele momento e tudo o que passara para chegar até ele. E depois, se viajasse?

“Eu sei que você não se decidiu ainda,
                                                           Mas eu nunca te faria nada de errado,
                                                           Eu já sei que desde o momento que nos conhecemos,
                                                           Não há dúvida na minha mente
                                                           De onde você pertence...”.

                        Eram tantas perguntas sem respostas, tantos questionamentos que se passaram na cabeça deles. O medo de serem descobertos, julgados por quem nunca teria competência suficiente para fazê-lo. Condená-los por nada, porém não queriam saber de nada. Estavam felizes, pensassem o que fosse. Queriam apenas amar e serem amados. Quem os condenaria por isso? O que escolheriam?
                        Os carinhos se intensificaram e caíram sobre a cama. Escolheram esquecer as perguntas, elas seriam respondidas assim que tivessem tempo. Nenhum dos dois esperava que aquilo acontecesse. Agora, estavam viajando numa nova experiência, viajavam um no outro. A chuva caia. A música dizia tudo o que um queria dizer para o outro.

“Eu poderia fazer você feliz,
                                                           Fazer os seus sonhos se tornarem reais,
                                                           Nada que eu não faria,
                                                           Vou ao fim da Terra por você
                                                           Para fazer você sentir o meu amor...”.

                                                                                  Continua...

© Copyright Mailan Silveira 2011.Todos os direitos reservados.

Nenhum comentário: