_ Como assim namorando? –
perguntou Thiago incrédulo – Ele nunca gostou dela.
_ Que pergunta Thiago!
Namorando igual todo mundo namora, beijando na boca, andando de mãos dadas,
e... Enfim... Namorando!
_ Foi uma pergunta retórica,
mas tudo bem!
_ Eu sabia que um dia ela ia
conseguir pegá-lo, ela não sossegava nunca, sempre em cima dele. Faça bom
proveito. – disse Roberta como quem não quisesse nada.
_ Pois é! E dizem por aí que
ele não gosta dela.
_ Nunca gostou, sei disso! –
confirmou Thiago
_ E até a trata mal de vez
enquando. – Continuou Flávia.
_ Nossa! Que horror! E ela
não faz nada não? – perguntou Roberta
_ Ai, ai! Mula manca é
acostumada a apanhar, minha filha! Apanha, apanha, apanha, mas não reclama. É
assim!
Thiago imaginou que Daniel
estava se prevenindo com relação a conversa deles. Era uma medida para que não
fosse afetado caso soubessem sobre ele. Não pôde evitar a tristeza que veio em
perceber que Daniel se mostrava pior que ele imaginava. Pensou em conversar com
ele sobre isso. Apesar de saber que Patrícia merecia um pouco do que passava,
achava injusto o que Daniel fazia com ela.
“Injusto! Olha quem fala
sobre justiça!” Falou consigo mesmo ao olhar para Roberta e lembrar-se do que
havia feito. “Passado é passado. Faça o hoje ser mais justo!”. Resolveu
procurar o ex-amigo para uma conversa.
Daniel estava arrumando o
material para sair da sala, quando Thiago se aproximou dele que fingiu não o
ver. Patrícia se aproximou e chamou Daniel para irem embora. Ela sabia que os
dois haviam brigado, pois não andavam mais juntos, e encarava Thiago como se
tivesse brigado com ele também.
_ Posso conversar com você
rapidamente? – disse para Daniel que o olhou de relance sem demonstrar
interesse algum.
_ Se for rápido...
_ É particular – olhando
significativamente para Patrícia que olhou para Daniel como se pedisse para
ficar, mas viu que o namorado não se mexeu em sua defesa.
_ Não ouviu? É particular. –
disse Daniel se desvencilhando do braço dela que saiu indignada. – O que é que
você quer?
Patrícia saiu pela porta,
mas ficou na escuta. Era habilidosa para essas coisas. Queria saber o que era
tão importante que nem a namorada poderia escutar. Na sala vazia, Thiago e
Daniel se encontravam depois de toda discussão.
_ O que é isso que você está
fazendo? – perguntou Thiago controlando a voz
_ Desde quando te devo
satisfação de minha vida? – Daniel não olhava diretamente para quem o falava.
_ Essa história de namorar a
Patrícia, você nunca gostou dela e nunca vai gostar. Você mesmo já me disse
isso, que ela era mulher de aventura e não de namoro.
_ Além de querer satisfação
da minha vida, vai dizer que sabe o que sinto agora? – o mirou pela primeira
vez, mas não demorou muito para desviar o olhar – Era isso que você queria? Que
perda de tempo.
_ Daniel, deixa de ser
idiota. Isso...
_ Olha aqui! – agarrou o
braço do Thiago numa atitude intimidatória – Depois de tudo que aconteceu em
momento algum eu dei permissão para um gay enrustido querer tomar conta de
minha vida. Muito menos você, um falso ordinário.
“Gay? Quem é gay? O Thiago?
Minha nossa!” – Patrícia pensou assustada.
_ Tudo isso é medo? – Thiago
não se intimidou.
_ Medo de um veado como
você? Não mesmo! Já te disse para sair da minha vida. Ela não te diz respeito,
gayzinho de uma figa.
Patrícia percebeu que Daniel
o soltou e vinha saindo da sala quando correu pelo corredor. Thiago segurava o
braço sentindo que o amigo o tinha apertado. Sabia que tinha errado em ir
conversar com ele. Suas vidas não tinham mais nada em comum, era o que pensava.
“Acho que fiz o certo!” –
pensou se arrependendo de ter insistido na ideia.
Na saída, Patrícia perguntou
ao Daniel o que era tão importante assim para que ela não pudesse ouvir a
conversa.
_ Nada!
_ Nada? Então porque não
pude escutar?
_ Nada que fosse de sua
conta. – disse Daniel, seco.
_ Já tem um tempinho que o
Thiago me trata diferente – continuou como se não tivesse ouvido a má resposta
– acho que é desde que começamos a namorar. Será que ele não gosta de mim? Ou
será que ele não queria que não namorássemos?
Daniel, apesar de muito
decepcionado com o Thiago, ficou pensando no que o ex-amigo disse, pois fazia
sentido, não podia negar que muitas coisas que Thiago o dizia tinham sentido e
eram carregadas de verdade, era o motivo de não conseguir esquecê-los mesmo se
quisesse, e não prestou uma migalha de atenção ao que Patrícia dizia ao seu
lado.
_ Deixa esse idiota de lado.
– disse no automático.
_ Que idiota? O Thiago? –
perguntou Patrícia irritada quando percebeu que o namorado não prestava atenção
no que ela falava – eu deixei de falar dele naquela esquina ali – apontou com o
dedo para trás – depois dessas três ruas.
_ Então... – disse sem
graça.
Ela iria brigar com ele, mas
uma coisa tirou totalmente seu propósito. Eles avistaram uma mulher com roupas
largas, em seu rosto as marcas do tempo e uma cicatriz, seus cabelos brancos e
rebeldes fugiam do lenço que os prendiam, em suas orelhas argolas douradas que
combinavam com os enfeites pendurados em sua testa. A cada passo que dava, as
pulseiras finas de metal tintinlavam anunciando sua chegada, vinha mancando por
causa da idade e era sustentada por um pedaço longo de pau, o que fazia de sua
figura bem estranha.
_ Não acredito no que
vejo... – disse Patrícia em voz baixa, como se não quisesse espantar quem vinha
- Gente, não acredito!
_ O que é menina? Parece que
está vendo um fantasma!
_ Quase! Você não a conhece?
É uma velha cigana que vive passeando por aqui. Ninguém sabe onde ela mora e
dizem que tudo que ela vê em nossa mão acontece mesmo.
_ Era o que me faltava ter
uma namorada que acredita em misticismo. “De boa?”, vamos embora. – Daniel
disse não mostrando paciência.
_ Meu querido! De jeito
nenhum, mas não mesmo! Tem um tanto de tempo que eu queria encontrá-la para ler
minha mão e agora que eu a vejo, não vou deixar passar essa oportunidade.
_ Você sabia que essas
coisas são tudo do diabo, não é? Deus não gosta dessas coisas. – tentava
argumentar para que a namorada desistisse.
_ Não vou pecar. Só vou
perguntar o que ela vê em minha mão.
Não dava mais para comentar
nada, já que a velha estava em cima deles.
Patrícia não hesitou e se aproximou:
_ Minha boa senhora! –
chamando a atenção da velha que parou – Sei que a senhora é uma cigana muito
respeitada em nossa comunidade, e que tudo que vê nos traços que riscam nossas
mãos acontece, pois é o que a vida nos reserva. Peço-te, por gentileza, leia a
minha mão e a do meu namorado para que nos preparemos para o futuro.
Patrícia investiu toda uma
oratória para se dirigir a senhora, que a olhou de baixo para cima e olhou
também o rapaz que estava ao seu lado.
_ Não precisa falar desse
jeito comigo. Este sol está me matando. Porque ler a mão de quem não acredita?
Não faz sentido.
_ Acreditamos que o destino
somos nós quem faz, mas nos preparar para ele não faz mal algum, pelo
contrário, pode evitá-lo se for ruim.
_ Apesar de ser dom, não
leio mãos de graça.
Daniel olhou insatisfeito
para Patrícia, como se soubesse que a velha queria mesmo era tirar-lhes
dinheiro. Patrícia pegou uma nota de dez reais e a deu.
_ É o que temos.
A cigana olhou com desdém,
mas concordou. Então a moça foi a primeira. A pedido da velha, Daniel se
afastou, pois o futuro e destino de alguém cabiam exclusivamente a este alguém
e a mais ninguém.
“Que velha...”. – não teve
tempo de concluir o pensamento.
_ Folgada? – disse
sombriamente a cigana – Não! Não sou!
Daniel olhou para Patrícia
que fez uma cara de espanto e não disse nada. Ele se afastou, enquanto a
senhora dizia para Patrícia:
_Que ingrato...
_ Pois é!
Patrícia estendeu a mão
sobre as mãos da velha e esta segurou seus dedos, como se pudesse esticar mais
a palma, verificou passando sua mão enrugada e balançava a cabeça.
_ Hum! Que vida você está
tendo, hein? – Patrícia só ouvia, pois sabia que não poderia se esconder diante
da leitora de mãos.
_ Por favor, não me esconda
nada.
_ Não esconderei! Se você
tem interesse em saber, saberá!
_ Sempre disputou a atenção
dos seus pais com seus irmãos, é carente. Procura através do que faz ser
reconhecida. Já fez muitas coisas boas, mas ninguém percebeu.
_ Me perdoe, mas não era o
futuro que a senhora tinha que ver? – perguntou como se tentasse ajudar, mas
recebeu um olhar terrível da velha e não ousou falar mais nada.
_ Seus pais a reconheciam de
uma maneira insatisfatória para você. E até hoje se considera menos feliz que
seus irmãos. Ama demais seu namorado – Patrícia sorriu romântica – e fará de
tudo para tê-lo para sempre. Você é uma pessoa que não agüenta ser abandonada,
cuidado! Ele não te ama, vejo que te trata mal até na frente das pessoas. Isso
porque ele não é seu. Não era para ser seu namorado. Tem coisa errada aí. Você sempre
luta por algo que não é seu. Por isso não tem sucesso. Sempre quer o que é dos
outros. Não aprendeu ainda que o que é seu chegará até você. Tem algo obscuro
que está próximo, prepare-se, mas ainda vejo que o que é seu está guardado e
vai chegar. Você para não correr o risco de perdê-lo, o reconhecerá.
Os olhos da mulher estavam
encobertos pelo véu, ela demorou um pouco para levantá-los e encarar Patrícia.
_ A senhora me disse que...
_ Não adianta me perguntar.
Não lembro do que te falei. E não adianta insistir. Fique aqui. Falarei com
Daniel.
A velha se afastou. Patrícia
enquanto pensava no que ela havia dito, lembrou que não lhe falou o nome do
namorado.
Ele que esperava debaixo de
uma árvore, viu a cigana se aproximar e sem querer percebeu o coração bater
mais forte.
_ Para quem não acredita,
seu coração está batendo muito rápido. Escuto-o daqui.
_ Esforço para levantar.
_ Sei. – o encarou, Daniel
percebeu os olhos azuis profundos que a senhora tinha, eles pareciam ler os
pensamentos. Abaixou a vista. – Dá-me sua mão.
Daniel pousou a mão sobre a
da velha.
_ Daniel, você é muito
abençoado! Filho único, sempre teve atenção absoluta dos pais, e foi cercado
desde pequeno por muitos amigos. Claro, sua maioria era movida por interesse,
uns queriam e querem usufruir seu dinheiro, outro da popularidade que você tem,
mas vejo alguém que não era assim...
“Thiago?” – pensou consigo.
_ Sim! – como se tivesse
lido o pensamento – Essa pessoa mesmo! Não conheço, nunca vi, mas vejo seu
sorriso em sua mão. É um amigo que hoje em dia é raro de se encontrar.
Valorize-o! O vejo triste, Daniel, porque você é complicado. Escolhe sempre o
caminho mais longo e difícil da vida. Parece que gosta de dar voltas para
chegar onde quer, cuidado! Essas voltas podem fazê-lo perder o que há de mais
precioso em sua vida. Prefere muitas vezes alegrias passageiras às permanentes,
quando se sente feliz, abre mão de tudo, pois vê que essa felicidade te faz
renunciar muita coisa, como popularidade. O que vale mais, Daniel?
_ A felicidade! – disse
_ Correto! E porque não a
escolhe? – Daniel sentia-se envergonhado – Suas atitudes podem afastar algo
muito valioso em sua vida. Algo que o dinheiro não paga. Vejo que o seu destino
se alterou diversas vezes a caminho da felicidade porque você é um rapaz
abençoado, mas como te disse sua preferência pelos caminhos difíceis torna tudo
tão... Complicado. Aceite o amor puro. Deixe de complicar as coisas, pois a
vida é simples. Poderá se arrepender amargamente de decisões erradas. Então
pense, antes de tudo.
Patrícia do outro lado, não
agüentava a curiosidade.
_ Nossa, a mão do Daniel é
um livro. Só pode!
A cigana apertou a mão de
Daniel.
_ Fogo! Vejo uma coluna de
fogo.Uma aliança. Rosto em lágrimas. Uma cerca branca e alguém saindo para nunca
mais voltar. Sangue. Vejo uma chance de conserto. – dizia como se tudo
estivesse misturado.
Depois de disparar tudo
isso, a mulher continuou parada olhando a mão de Daniel, que estranhou, pois
ela não fala mais nada. Ele abaixou para ver o rosto da mulher que estava
escondido em baixo do véu e pasmou. Abaixou a tempo de ver que os olhos azuis
da velha haviam desaparecido e no lugar deles apenas a órbita branca, que aos
poucos a íris se destacava, voltando o azul normal. Levantou rapidamente,
fingiu que não tinha percebido nada. Nunca havia passado por uma experiência
assim.
_ Não adianta me perguntar.
Não lembro do que te falei. E não adianta insistir. – ela falava isso para todo
mundo, quem ouvia, não acreditava, mas Daniel, acreditou por algum motivo.
A cigana não se despediu e
saiu vagando. Ao encontrar com Patrícia, ela não agüentava de curiosidade.
_ Nossa! Sua mão é um livro,
como demorou. Ela te falou o quê?
Não conseguia esquecer as
palavras dela.
_ Que eu perderia algo muito
precioso para mim. – disse olhando vagamente para o nada.
_ Talvez seja eu que você
vai perder... – disse Patrícia fazendo cena. – Está vendo, tem que cuidar e me
dá muito carinho!
Saindo da alienação, Daniel
olhou para ela e sem pena soltou:
_ Ela disse uma coisa preciosa,
não você!
Continua...
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