33| O envelope.

                   O dia amanheceu com algumas nuvens no céu, mas o sol brilhava forte. Thiago não conseguira dormir direito. Seu pensamento vagava entre Júlia e a reunião com Marlon. Estava ansioso para o que ia acontecer e apesar de saber que a nova conhecida trabalhava na agência, não tinha certeza que a encontraria.

                    Durante o café que tomava, lembrava dos traços que compunham o rosto de Júlia. Como ela o fazia se sentir bem. Seu olhar o acolhia de uma maneira especial que não sabia explicar. O mais extraordinário era saber que tinham acabado de se conhecer. Como isso era possível?

                    “Que beijo!” – lembrou saudoso.

                    _ Pronto para a reunião? – Guillermo surgia na porta com uns óculos escuros e um terninho estiloso.

                    Thiago virou-se para admirá-lo, agora o via de maneira diferente.

                    _ Sim! Estou. O que estes óculos escondem? – tentou brincar.

                    _ Minha terrível dor de cabeça e falta de paciência para perguntas que só devem ser feitas depois do expediente. Vamos!

                    Thiago ficou um pouco chateado com a má resposta, mas respeitou. Pensou que não tocaria mais no assunto. O Guillermo escondia uma situação que parecia onde ele vivia era tão aceita, por que escondê-la? Decidiu não importuná-lo.

                    Em minutos estavam na sala de espera da agência. A reunião estava marcada para dez e trinta. Agora o pensamento de Thiago não tinha outro destino a não ser o que aconteceria atrás daquela porta.

                    Faltavam cinco minutos para o início da reunião. E Thiago estava para ter um ataque de nervos. Levantou-se e começou a andar de um lado para o outro tentando desviar sua atenção e nervosismo. Guillermo, que estava sentado na outra poltrona, o observava, também estava nervoso, mas procurava não demonstrar, afinal o trabalho que realizara com Thiago durante a semana era seu também e seria avaliado por isso. Pensou que poderia ter sido mais amigo do modelo, mas mesmo sem sê-lo, contou que era gay para ele, essa era uma demonstração que confiava nele.

                    _ Quer parar de andar de um lado para o outro! – Guillermo pediu sussurrando – Está me deixando nervoso.

                    _ Porque não é você que será avaliado lá dentro.

                    “Você que pensa!” – pensou.

                    _ Acho que nunca fiquei tão nervoso quanto hoje. Sabe o que isso significa para mim? – Thiago disse olhando para Guillermo – Uma virada. Mudança radical de vida. E quando falo isso, não me refiro a fama, nem a tudo que pode acontecer, mas é minha realização de sonho. Eu batalhei para chegar aqui. Vou dar uma vida melhor para minha avó, que nunca me deixou faltar nada.

                    _ Discurso comovente, mas o resultado já deve estar sobre a mesa dele. A decisão já foi tomada e hoje é o resultado.

                    A secretária, que estava ocupada ao lado, parou o que fazia, e silenciosamente atendeu ao telefone.

                    _ Guillermo!

                    Ele quase pulou do sofá.

                    _ Pode entrar, o Sr. Marlon está esperando.

                    _ Obrigado.

                    Olharam-se como se desejando boa sorte, entraram.

                    A sala do Marlon tinha um aspecto rústico e contemporâneo, algo que remetia a arquitetura do velho prédio. O novo e o antigo harmoniosamente equilibrados. A parede esquerda era toda em vidro, da sala a vista da avenida era completa em ambos os lados. A parede direta estava repleta de livros que tinham vários aspectos, novos e velhos, ao lado da estante uma estátua de Afrodite em pé em pedra branca.

                    _ Olá pessoal, tudo bem? – disse o homem que se levantara para cumprimentá-los. Era um pouco mais alto que Thiago e bem mais encorpado, via-se que devia cuidar do corpo. Seus cabelos brilhavam e o terno estava alinhadíssimo. O sorriso era o mais branco que Thiago já havia visto. Sua mão não era áspera, mas seu aperto era firme. Viu a aliança na mão esquerda reluzir. – Sentem-se, vamos conversar. Fiquem à vontade para falar.

                    Thiago sorriu retribuindo o cumprimento.

                    _ Guillermo, como foi essa semana? Trabalho intenso com o modelo que desenterramos do interior do estado?

                    _ Sim, sr. Velásquez!

                    _ Por favor, me chame de Marlon, e pode me tratar por você mesmo! Acho que não estou tão velho assim! - sorriu

                    _ Sim, Marlon! Esta semana foi muito intensa, mas gratificante, até te agradeço muito por essa oportunidade inédita que o senhor, digo você me concedeu.

                    _ Por nada! Vejo que você tem potencial e isso não pode ser desperdiçado. E você, Thiago? Peço perdão por não ter te recebido e nem falado com você durante a semana que esteve conosco, este período é bem movimentado, mas sei que o Guillermo te recebeu muito bem representando a agência. Como foram as sessões? O que achou?

                    _ Eu gostei muito! Realmente foi bastante trabalhoso, mas, com tudo isso, descobri que é o que quero ser, digo, já sou, é o que quero exercer. Fiz tudo com muito prazer.

                    _ Que bom ouvir isso! Buscamos pessoas assim para trabalhar conosco. Eu analisei seus ensaios e não posso omitir que estão muito bem feitos – disse olhando para Guillermo – os temas foram bem escolhidos, pois te fizeram desenvolver os mais variados estilos. Fiquei impressionado. Foi um ótimo trabalho, Guillermo.

                    _ Obrigado!

                    _ Quando temos alguém que cuida tão bem de nossa imagem sempre ficaremos bem.

                    _ Guillermo é um ótimo profissional, ele me ajudou bastante, me deu dicas que eu não sabia. Ele me ensinou muita coisa. Foi uma experiência muito enriquecedora. – Thiago falou.

                    _ Já você, Thiago lhe é inerente a habilidade de desenvolver diversos trabalhos e é incrível como fica completamente diferente. Cada tipo de tema que foi desenvolvido com você te fez aparecer de forma determinada como se não fosse a mesma pessoa nos ensaios.

                    Foi a vez do Guillermo.

                    _ Uma coisa que o Thiago demonstrou que facilitou meu trabalho foi essa habilidade de personagens que ele tem e a disponibilidade de fazer papéis e correr atrás de conceitos e modelos, ele também sempre vinha com idéias que até davam uma nova direção ao trabalho, nos dava uma nova dimensão e uma nova visão do que poderia ser feito.

                    _ Isso é bom... – Marlon disse analisando algumas folhas – Depois de analisar direitinho o trabalho de vocês, eu e uma equipe de gente muito boa do ramo chegamos a uma decisão final sobre os dois, é claro!

                    Os corações batiam desesperadamente de nervosismo. Marlon via a situação dos garotos, gostava de atormentá-los com o suspense do resultado.

                    _ Guillermo, você foi aprovado para a vaga de produtor de casting da X Models Agency. – disse sorrindo.

                    Guillermo se controlou para não pular da cadeira de alegria, apenas sorriu de orelha a orelha.

                    _ Nossa equipe viu que seu olhar crítico e senso estético apuradíssimo podem produzir ótimos frutos. Seu trabalho foi acompanhado desde que entrou para a agência e vimos seu crescimento. Será nosso scouter! Parabéns pela conquista. É merecida!

                    _ Obrigado Marlon! Vou honrar este compromisso.

                    _ É o que queremos! – brincou – Já você, Thiago. A resposta está dentro desse envelope. Abra por gentileza.

                    Thiago nunca tinha visto um anúncio de emprego ser feito assim.

                    “Isso só pode ser pegadinha!” - pensou.

                    O envelope negro tinha sido lacrado com cera e marcado com o desenho que representava a agência, um “X” que carregava um ar místico.

                    _ Porque tudo isso? Isso parece coisa de reality show. Porque não dizer logo.

                    _ É uma forma diferente de fazê-lo saber das coisas, para que ser normal e tão prático, se a vida sempre pode ter mais emoção. Ainda mais numa hora dessas, quando o futuro está dentro de um envelope. No Oscar, os resultados vêm em envelopes e ninguém diz nada. – Marlon se mostrava um executivo bem espirituoso.

                    Guillermo riu.

                    Ao abrir o envelope, qual surpresa o acometeu.

                    Dentro leu a pequena inscrição dourada em papel branco:

X Models Agency

Tem orgulho de integrar ao seu Casting Exclusivo:

Thiago Allexander Villani

Parabéns pela conquista.

Seja bem vindo!

Número de Contrato: TAV2005200688

                    _ Eu não acredito! – disse com a mão trêmula – Ai meu Deus!

                    _ Parabéns! – disse Guillermo levantando-se para abraçá-lo. – Você merece.

                    _ Isso mesmo! Você merece, aliás, vocês merecem! São os novos contratados da X Models Agency. – disse Marlon saindo detrás da mesa e abraçando cada um. - Esperamos que possam ser bem sucedidos aqui, afinal fazemos o que amamos! Obrigado! Até mais.

                    Marlon encerrava a reunião. Os dois rapazes saiam contidos da sala para pular de alegria no andar de baixo. Estavam felizes demais. Guillermo estava mais espontâneo. Passaram pelo departamento que resolvia sobre contratos e outras burocracias.

                    _ Eu tenho que ligar para minha avó! Preciso ligar para ela. – disse Thiago já pegando o telefone, enquanto era guiado por Guillermo para sua nova sala.

                    _ Alô, Thiago meu filho, nunca mais ligou. E então? Ocorreu tudo bem? Como foram as coisas?

                    _ Minha avó! Eu fui contratado! Fui contratado! – disse

                    Dona Zita não conteve a alegria e gritava do outro lado de emoção.

                    _ Eu sabia meu filho, sabia que você tem talento! Graças a Deus! Graças a Deus!

                    _ Pois é, minha avó, agora tudo vai melhorar! – disse entre lágrimas.

                    _ Que bom que você está realizando seu sonho meu querido, seus pais ficariam tão orgulhosos de você quanto estou agora. E quando você vem aqui?

                    Thiago não soube o que responder. Teria que morar na nova cidade, longe de tudo que viveu, dos amigos e conhecidos, de quem gostava. Então se lembrou de Daniel.

                    _ Minha avó, não sei. Eu estou voltando para pedra Branca ainda hoje, mas tenho que acertar algumas coisas aqui ainda, e quero muito conversar com a senhora.

                    _ Está certo! Não se esqueça de ligar assim que sair daí e assim que chegar aqui. – disse para que o neto resolvesse as pendências.

                    Depois de desligar, Thiago demonstrava se mais desanimado, parecia que algo tirara parte de sua alegria. Guillermo, depois de andar e verificar todos os detalhes de sua nova sala, reparou no colega.

                    _ O que foi? Sua avó não gostou da notícia?

                    _ Não, pelo contrário! Amou! Estava torcendo por mim.

                    _ Então por que essa cara triste? – se aproximando dele, entendeu – Já sei, vai ter que mudar de cidade.

                    Thiago consentiu com o olhar.

                    _ E mais: se afastará inevitavelmente de quem gosta.  Como é o nome dele?

                    _ Daniel.

                    Pensar que poderia não vê-lo com tanta freqüência, o entristeceu. Quantas vezes pensaram, ensaiaram, comentaram esse momento. E vê-lo fora dele era estranho, faltava alguma coisa.

                    _ É possível gostar de duas pessoas ao mesmo tempo?

                    _ Quer conversar? – Guillermo chamou batendo a mão no sofá da sala, convidando-o para sentar.

                    Ele se sentou, mas disse que tinha apenas que pensar.

                    _ Há o que pensar? – Guillermo perguntou. – É a realização do seu sonho. Posso te dar um conselho?

                    _ Fala...

                    _ Não valerá a pena! Pode ter certeza!

                     Thiago olhou expressivamente par ele.

                    _ Experiência própria! – afirmou Guillermo.

                    Algumas coisas foram ajeitadas.

                    _ Seu avião sai às oito da manhã de segunda-feira.

                    _ Não tenho onde ficar aqui.

                    _ Está tudo resolvido. Vai ficar lá em casa. Moro sozinho. Podemos dividir, é pequeno, mas acho que cabe dois pessoas.

                    _ De jeito nenhum, não posso aceitar. – Thiago com medo de incomodar.

                    _ Então prefere morar debaixo da ponte, ou viaduto? Pode escolher, essas moradias não faltam por aqui. Sem contar que o apartamento é meu, e você não vai morar de graça. Vamos dividir as despesas.

                    _ Minha vida vai... – pensou alto.

                    _ Sua vida já, não é! E acho bom você descer porque suas coisas estão no táxi lá em baixo. Seu vôo sai daqui a uma hora e meia.

                    Thiago saiu correndo da sala.

                    _ Até segunda!

                   

                                                                       Continua...

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