Uma densa névoa estava sobre
a cidade quando amanheceu. Um friozinho dificultava a vida de todos aqueles que
precisavam se levantar cedo para trabalhar ou fazer outras atividades.
Thiago estava pronto para
pegar o táxi e partir para uma nova vida. Sua avó já tinha levantado desde
muito cedo para preparar-lhe o café. Haviam conversado bastante no tempo que
tiveram no fim de semana sobre como se comportar, não se deixar iludir,
trabalhar honestamente, ser alguém de bem e lutar mais pelos sonhos. Esses
sermões que os parentes mais velhos costumam dar.
_ Vou sentir saudades. –
disse ele sentindo o choro querer sair.
_ Ficarei bem, meu querido!
Calma! – disse ela percebendo o que se passava – Esqueceu que nasci primeiro
que você e já passei por muita coisa nesta vida?
_ Eu sei, mas não entendo
porque a senhora não quer ir morar comigo, minha avó. Lá teremos uma vida
melhor e...
_ Já te falei Thiago. Não
gosto de cidade grande. É muito movimento. Já sou moderna demais e não preciso
morar nesses lugares que só vão me estressar mais. Pedra Branca está de bom
tamanho.
_ A senhora é muito moderna
é? – riu – Só a senhora mesmo, viu!
_ Pense que seu sonho está
se realizando, e que para desfrutá-lo de maneira plena, você deve renunciar
algumas coisas.
_ Mas não posso te negar...
_ Não me refiro a família,
mas a alguns amigos, a algumas situações, festas, enfim coisas que podem
atrapalhá-lo no caminho que se propôs. Você sempre poderá me ver, sempre que
quiser estarei aqui. Me entende?
Thiago balançou
positivamente a cabeça. Durante o café tentaram fazer como sempre era feito.
Conversar sobre coisas banais. Estava quase na hora de partir. O coração se
apertava mais, tanto dele como o de dona Zita, mas ela não queria demonstrar.
Ela se lembrava do que sua mãe sempre dizia: “A gente cria os filhos para o
mundo...”, sentiu isso com o seu filho Frederico, e agora mais uma vez com o
Thiago, seu neto.
_ A senhora vai me
acompanhar até a estação?
_ Não. – queria parecer
forte – Quero dizer, vou sim! Só não ligue se eu chorar.
O táxi já estava na porta,
as malas foram guardadas e então ele olhou como se fosse a última vez que veria
a rua onde crescera. Olhou para os dois lados e respirou. Estava quase vazia,
mas sua mente encheu a rua de meninos e meninas que brincavam todos os dias das
mais diferentes brincadeiras. Alguns pontos da velha rua guardavam ainda as
marcas daquela época. Pedaços de cordas amarrados no alto do poste, paredes pintadas
em determinadas épocas, mas todas as crianças cresceram e tomaram seus
caminhos. Respirou mais uma vez olhando para a avó, sorriram e entraram no
carro.
Thiago tentava gravar ao
máximo os detalhes da cidade que passavam pela janela do carro em velocidade.
As praças e parques, os prédios antigos, as áreas novas tudo aquilo era sua
história, seu início. Ao dobrarem a avenida a estação de trem apareceu na
paisagem, o velho prédio possuía uma grande fachada que era toda em moldes
antigos, e detalhes que haviam visto muita gente passar por ali.
Chegaram ao portão principal
e desceram as três malas e se encaminharam para a plataforma de embarque, já
que a passagem foi comprada com antecedência. Havia umas quatro pessoas além
deles. Era cedo.
“...suas
igrejas, suas praças, sua cultura. Secretária do Turismo. Prefeitura Municipal
de Pedra Branca. O futuro é agora!”
Num lugar mais afastado havia um telão que
passava um vídeo turístico da cidade e o sistema de som transmitia a trilha do
vídeo, a cidade estava em uma campanha para incentivar o turismo e alguns
telões desses estavam na estação e por toda cidade.
_ O trem vai chegar em
alguns minutos. – disse dona Zita.
_ Então fica aqui comigo e
me abraça até ele chegar. Quero aproveitar o máximo da senhora.
Abraçaram-se e ficaram
abraçados por um bom tempo.
“Thiago fica comigo! Não
vai embora!”.
Ele estremeceu. Não
podia ser coisa de seu pensamento.
“Thiago fica comigo! Não vai
embora!”.
_ A senhora escutou isso? –
perguntou com o coração batendo a mil.
_ Sim! Ouvi! Falaram seu
nome, mas não entendi o resto.
Afastaram-se um do outro
quando viram que as pessoas que estavam na plataforma estavam todas viradas
para o telão.
Thiago não podia prever o
que veria, mas sabia que seria alguma coisa que nunca esperaria.
Não havia nada no telão. Nem
mesmo as propagandas de turismo. Só vozes que Thiago não conhecia enchiam o
saguão com os mesmos pedidos.
“Fica Thiago, não vai
embora, não!” – disse uma voz feminina.
“Fica Thiago, é sério!” –
parecia uma voz de adolescente.
“Ele vai, por quê? Ah,
Thiago, fica!” – a voz duma senhora perguntou.
_ Gente do céu! Estou com
medo, minha avó! – disse entre o riso e o desespero diante da surpresa.
_ Calma! – disse dona Zita
disfarçando o sorriso.
Alguns pontinhos brilhantes
começaram a surgir no telão, se juntaram e uma imagem apareceu. Um jovem que
estava na cidade disse:
_ Ele vai embora mesmo?
Depois apareceu uma senhora
de meia-idade.
_ Porque ele vai?
_ E vai valer a pena ele ir
pra cidade grande? E os amigos dele? – disse uma menina.
_ Eu não sei se eu iria não.
– disse um homem.
_ Thiago fica vai! – uma
jovem disse.
_ Fica moço! Tem gente que
gosta de você aqui!
_ Fica! Fica! Fica! Fica! –
disse um grupo.
_ Ei, fica com a gente!
_ Fica Thiago!
_ Fica!
As pessoas que apareciam não
eram conhecidas do Thiago, nenhuma, algumas podiam ser conhecidas de vista, ou
situações comuns.
_ Nossa Thiago, você já está
famoso, hein? – disse dona Zita.
_ Não acredito nisso! – sem
reação.
As diversas imagens das
pessoas que pediam que ficassem foram diminuindo até formarem um mosaico com
uma foto do Thiago. A tela ficou branca gradativamente até aparecerem as
inscrições.
“Thiago, você se você
for, nossa vida não terá mais sorriso nem cor! Fica!”.
Uma sucessão de fotos,
antigas e recentes, começou a passar no telão, que ele nem lembrava mais. Na
parte inferior esquerda da tela apareceu a inscrição: “Fundo: Don’t you
remember – Adele”.
Ninguém percebeu, mas
Thiago e dona Zita já haviam desconfiado de quem seria a surpresa. Muitas fotos
passavam, mas sempre em sua maioria estavam Thiago e Daniel. Outras somente
eles.
Não era somente isso que
havia surpreendido Thiago que lembrou um dia ter lido numa rede social: “Quando
uma pessoa te manda escutar uma música, é porque tudo que ela quer te dizer a
música diz!”.
A música que passava no
fundo da apresentação de fotos realmente dizia muita coisa.
Quando eu irei te
ver novamente?
Você foi embora
sem dizer adeus, não foi dita uma palavra sequer.
Nem um beijo final
para selar as costuras
Eu não tinha idéia
do estado que estávamos
Eu sei que tenho
um coração inconstante
E uma amargura
E um olho errante
e um peso em minha cabeça
Mas você não se
lembra?
Você não se lembra
A razão pela qual
me amou antes?
Baby, por favor,
lembre-se de mim mais uma vez.
Thiago
estava sem palavras. Sabia que o sms que recebeu no dia na manhã do dia
anterior estava sendo levado a sério. Não sabia o que fazer, quando olhava para
as poucas pessoas no saguão, e dentro de si agradecia a Deus por ser tão cedo,
via em seus rostos as expressões de surpresa.
Quando foi a
ultima vez que você pensou em mim?
Ou você me apagou
completamente de sua memória?
Eu freqüentemente
penso sobre onde eu errei
E quanto mais
faço, menos sei.
Eu sei que tenho
um coração inconstante
E uma amargura
E um olho errante
e um peso em minha cabeça
Mas você não se
lembra?
Você não se lembra
A razão pela qual
me amou antes?
Baby, por favor,
lembre-se de mim mais uma vez.
Nunca
viu uma música combinar tanto com uma pessoa. Nunca combinou tanto com duas.
Era praticamente uma confissão de personalidade. E ele se agradara disso.
Thiago percebeu que apesar de tudo que aconteceu com seu breve retorno a pedra
branca, não era mais o mesmo, Daniel também percebeu isso. Olhava para todos os
lados esperando que ele saísse de qualquer lugar e fosse em sua direção. Estava
tenso. Pensava se ele criou coragem para se assumir assim.
A
imagem de Daniel apareceu no telão como se fosse qualquer que aparecera antes.
_
Sabemos que você vai atrás do seu sonho e que essa demonstração de carinho que
fizemos talvez não te segure...
“Por que ele fala em
primeira pessoa do plural? – se perguntou Thiago – Ah tá! Não quer se
entregar”.
_...
Mas saiba que sua ausência em nosso dia-a-dia nos causará um terrível vazio.
Morreremos de saudade, mas antes de entregar totalmente os pontos a gente te
pede: não se esqueça da gente.
As
fotos voltaram a passar. Thiago não pôde segurar as lágrimas. Era surpreendente
tudo aquilo que via. Não pensou que ele seria capaz disso.
Eu te dei espaço
para que você pudesse respirar
Eu mantive minha
distância para que você pudesse ser livre
E torci para que
você encontrasse a peça que faltava
Para trazer você
de volta para mim
Mas você não se
lembra?
Você não se lembra
A razão pela qual
me amou antes?
Baby, por favor,
lembre-se de mim mais uma vez.
Sua
ausência de uma semana fizera muita coisa acontecer. Tinha visto algumas
ligações do Daniel no seu celular e viu que quando retornava ele não atendia.
Percebeu que mesmo apaixonado queria dar-lhe espaço para pensar mais ou talvez
sentir saudade dele. Olhou mais uma vez ao redor esperando que ele saísse de um
lugar, mas isso não aconteceu. Recebeu uma sms no celular.
“Você
sabe onde estou!
Onde
me deixou...”.
O trem se aproximava da plataforma. Thiago
chorava estava emocionado e todo confuso e triste e feliz e não sabia o que
fazia. Abraçou a avó que ficou de costas para o telão. O trem parou. A imagem
de Daniel apareceu novamente, tinha lágrimas nos olhos.
_ Fica, por favor. – disse uma última vez.
Não conseguia se mexer. De longe, alguém que
observava toda a cena recebeu uma ligação.
_ E então? – disse a voz aflita do outro lado.
_ Espera, parece que ele está decidindo. –
respondeu quem observava.
Então, dona Zita disse:
_ Vai!
Ele entrou no vagão chorando.
_ Entrou no vagão, chorando! Ele vai. Ele vai!
Quando o trem partiu, todos ouviram o último
verso da música que fazia uma pergunta, até o momento, sem resposta:
Quando eu irei te
ver novamente?
Continua...
©
Copyright Mailan Silveira 2011.Todos os direitos reservados.
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