sexta-feira, 28 de setembro de 2012

37| Despedida.



                    Uma densa névoa estava sobre a cidade quando amanheceu. Um friozinho dificultava a vida de todos aqueles que precisavam se levantar cedo para trabalhar ou fazer outras atividades.
                    Thiago estava pronto para pegar o táxi e partir para uma nova vida. Sua avó já tinha levantado desde muito cedo para preparar-lhe o café. Haviam conversado bastante no tempo que tiveram no fim de semana sobre como se comportar, não se deixar iludir, trabalhar honestamente, ser alguém de bem e lutar mais pelos sonhos. Esses sermões que os parentes mais velhos costumam dar.
                    _ Vou sentir saudades. – disse ele sentindo o choro querer sair.
                    _ Ficarei bem, meu querido! Calma! – disse ela percebendo o que se passava – Esqueceu que nasci primeiro que você e já passei por muita coisa nesta vida?
                    _ Eu sei, mas não entendo porque a senhora não quer ir morar comigo, minha avó. Lá teremos uma vida melhor e...
                    _ Já te falei Thiago. Não gosto de cidade grande. É muito movimento. Já sou moderna demais e não preciso morar nesses lugares que só vão me estressar mais. Pedra Branca está de bom tamanho.
                    _ A senhora é muito moderna é? – riu – Só a senhora mesmo, viu!
                    _ Pense que seu sonho está se realizando, e que para desfrutá-lo de maneira plena, você deve renunciar algumas coisas.
                    _ Mas não posso te negar...
                    _ Não me refiro a família, mas a alguns amigos, a algumas situações, festas, enfim coisas que podem atrapalhá-lo no caminho que se propôs. Você sempre poderá me ver, sempre que quiser estarei aqui. Me entende?
                    Thiago balançou positivamente a cabeça. Durante o café tentaram fazer como sempre era feito. Conversar sobre coisas banais. Estava quase na hora de partir. O coração se apertava mais, tanto dele como o de dona Zita, mas ela não queria demonstrar. Ela se lembrava do que sua mãe sempre dizia: “A gente cria os filhos para o mundo...”, sentiu isso com o seu filho Frederico, e agora mais uma vez com o Thiago, seu neto.
                    _ A senhora vai me acompanhar até a estação?
                    _ Não. – queria parecer forte – Quero dizer, vou sim! Só não ligue se eu chorar.
                    O táxi já estava na porta, as malas foram guardadas e então ele olhou como se fosse a última vez que veria a rua onde crescera. Olhou para os dois lados e respirou. Estava quase vazia, mas sua mente encheu a rua de meninos e meninas que brincavam todos os dias das mais diferentes brincadeiras. Alguns pontos da velha rua guardavam ainda as marcas daquela época. Pedaços de cordas amarrados no alto do poste, paredes pintadas em determinadas épocas, mas todas as crianças cresceram e tomaram seus caminhos. Respirou mais uma vez olhando para a avó, sorriram e entraram no carro.
                    Thiago tentava gravar ao máximo os detalhes da cidade que passavam pela janela do carro em velocidade. As praças e parques, os prédios antigos, as áreas novas tudo aquilo era sua história, seu início. Ao dobrarem a avenida a estação de trem apareceu na paisagem, o velho prédio possuía uma grande fachada que era toda em moldes antigos, e detalhes que haviam visto muita gente passar por ali.
                    Chegaram ao portão principal e desceram as três malas e se encaminharam para a plataforma de embarque, já que a passagem foi comprada com antecedência. Havia umas quatro pessoas além deles. Era cedo.
                    “...suas igrejas, suas praças, sua cultura. Secretária do Turismo. Prefeitura Municipal de Pedra Branca. O futuro é agora!”
                     Num lugar mais afastado havia um telão que passava um vídeo turístico da cidade e o sistema de som transmitia a trilha do vídeo, a cidade estava em uma campanha para incentivar o turismo e alguns telões desses estavam na estação e por toda cidade.
                    _ O trem vai chegar em alguns minutos. – disse dona Zita.
                    _ Então fica aqui comigo e me abraça até ele chegar. Quero aproveitar o máximo da senhora.
                    Abraçaram-se e ficaram abraçados por um bom tempo.
                    “Thiago fica comigo! Não vai embora!”.
                    Ele estremeceu. Não podia ser coisa de seu pensamento.
                    “Thiago fica comigo! Não vai embora!”.                  
                    _ A senhora escutou isso? – perguntou com o coração batendo a mil.
                    _ Sim! Ouvi! Falaram seu nome, mas não entendi o resto.
                    Afastaram-se um do outro quando viram que as pessoas que estavam na plataforma estavam todas viradas para o telão.
                    Thiago não podia prever o que veria, mas sabia que seria alguma coisa que nunca esperaria.
                    Não havia nada no telão. Nem mesmo as propagandas de turismo. Só vozes que Thiago não conhecia enchiam o saguão com os mesmos pedidos.
                    “Fica Thiago, não vai embora, não!” – disse uma voz feminina.
                    “Fica Thiago, é sério!” – parecia uma voz de adolescente.
                    “Ele vai, por quê? Ah, Thiago, fica!” – a voz duma senhora perguntou.
                    _ Gente do céu! Estou com medo, minha avó! – disse entre o riso e o desespero diante da surpresa.
                    _ Calma! – disse dona Zita disfarçando o sorriso.
                    Alguns pontinhos brilhantes começaram a surgir no telão, se juntaram e uma imagem apareceu. Um jovem que estava na cidade disse:
                    _ Ele vai embora mesmo?
                    Depois apareceu uma senhora de meia-idade.
                    _ Porque ele vai?
                    _ E vai valer a pena ele ir pra cidade grande? E os amigos dele? – disse uma menina.
                    _ Eu não sei se eu iria não. – disse um homem.
                    _ Thiago fica vai! – uma jovem disse.
                    _ Fica moço! Tem gente que gosta de você aqui!
                    _ Fica! Fica! Fica! Fica! – disse um grupo.
                    _ Ei, fica com a gente!
                    _ Fica Thiago!
                    _ Fica!
                    As pessoas que apareciam não eram conhecidas do Thiago, nenhuma, algumas podiam ser conhecidas de vista, ou situações comuns.
                    _ Nossa Thiago, você já está famoso, hein? – disse dona Zita.
                    _ Não acredito nisso! – sem reação.
                    As diversas imagens das pessoas que pediam que ficassem foram diminuindo até formarem um mosaico com uma foto do Thiago. A tela ficou branca gradativamente até aparecerem as inscrições.
                    “Thiago, você se você for, nossa vida não terá mais sorriso nem cor! Fica!”.
                    Uma sucessão de fotos, antigas e recentes, começou a passar no telão, que ele nem lembrava mais. Na parte inferior esquerda da tela apareceu a inscrição: “Fundo: Don’t you remember – Adele”.
                    Ninguém percebeu, mas Thiago e dona Zita já haviam desconfiado de quem seria a surpresa. Muitas fotos passavam, mas sempre em sua maioria estavam Thiago e Daniel. Outras somente eles.
                    Não era somente isso que havia surpreendido Thiago que lembrou um dia ter lido numa rede social: “Quando uma pessoa te manda escutar uma música, é porque tudo que ela quer te dizer a música diz!”.
                    A música que passava no fundo da apresentação de fotos realmente dizia muita coisa.       
                                  
                                                                                             
Quando eu irei te ver novamente?
Você foi embora sem dizer adeus, não foi dita uma palavra sequer.
Nem um beijo final para selar as costuras
Eu não tinha idéia do estado que estávamos

Eu sei que tenho um coração inconstante
E uma amargura
E um olho errante e um peso em minha cabeça

Mas você não se lembra?
Você não se lembra
A razão pela qual me amou antes?
Baby, por favor, lembre-se de mim mais uma vez.
                                                                                                                                
                     Thiago estava sem palavras. Sabia que o sms que recebeu no dia na manhã do dia anterior estava sendo levado a sério. Não sabia o que fazer, quando olhava para as poucas pessoas no saguão, e dentro de si agradecia a Deus por ser tão cedo, via em seus rostos as expressões de surpresa.

Quando foi a ultima vez que você pensou em mim?
Ou você me apagou completamente de sua memória?
Eu freqüentemente penso sobre onde eu errei
E quanto mais faço, menos sei.

Eu sei que tenho um coração inconstante
E uma amargura
E um olho errante e um peso em minha cabeça

Mas você não se lembra?
Você não se lembra
A razão pela qual me amou antes?
Baby, por favor, lembre-se de mim mais uma vez.
                                                                        
                    Nunca viu uma música combinar tanto com uma pessoa. Nunca combinou tanto com duas. Era praticamente uma confissão de personalidade. E ele se agradara disso. Thiago percebeu que apesar de tudo que aconteceu com seu breve retorno a pedra branca, não era mais o mesmo, Daniel também percebeu isso. Olhava para todos os lados esperando que ele saísse de qualquer lugar e fosse em sua direção. Estava tenso. Pensava se ele criou coragem para se assumir assim.
                    A imagem de Daniel apareceu no telão como se fosse qualquer que aparecera antes.
                    _ Sabemos que você vai atrás do seu sonho e que essa demonstração de carinho que fizemos talvez não te segure...
                    “Por que ele fala em primeira pessoa do plural? – se perguntou Thiago – Ah tá! Não quer se entregar”.
                    _... Mas saiba que sua ausência em nosso dia-a-dia nos causará um terrível vazio. Morreremos de saudade, mas antes de entregar totalmente os pontos a gente te pede: não se esqueça da gente.
                    As fotos voltaram a passar. Thiago não pôde segurar as lágrimas. Era surpreendente tudo aquilo que via. Não pensou que ele seria capaz disso.


Eu te dei espaço para que você pudesse respirar
Eu mantive minha distância para que você pudesse ser livre
E torci para que você encontrasse a peça que faltava
Para trazer você de volta para mim

Mas você não se lembra?
Você não se lembra
A razão pela qual me amou antes?
Baby, por favor, lembre-se de mim mais uma vez.

                    Sua ausência de uma semana fizera muita coisa acontecer. Tinha visto algumas ligações do Daniel no seu celular e viu que quando retornava ele não atendia. Percebeu que mesmo apaixonado queria dar-lhe espaço para pensar mais ou talvez sentir saudade dele. Olhou mais uma vez ao redor esperando que ele saísse de um lugar, mas isso não aconteceu. Recebeu uma sms no celular.

                                  “Você sabe onde estou!
                                  Onde me deixou...”.
                                                                                                        
                    O trem se aproximava da plataforma. Thiago chorava estava emocionado e todo confuso e triste e feliz e não sabia o que fazia. Abraçou a avó que ficou de costas para o telão. O trem parou. A imagem de Daniel apareceu novamente, tinha lágrimas nos olhos.
                    _ Fica, por favor. – disse uma última vez.

                    Não conseguia se mexer. De longe, alguém que observava toda a cena recebeu uma ligação.
                    _ E então? – disse a voz aflita do outro lado.
                    _ Espera, parece que ele está decidindo. – respondeu quem observava.
                    Então, dona Zita disse:
                    _ Vai!
                    Ele entrou no vagão chorando.
                    _ Entrou no vagão, chorando! Ele vai. Ele vai!
                    Quando o trem partiu, todos ouviram o último verso da música que fazia uma pergunta, até o momento, sem resposta:

Quando eu irei te ver novamente?

Continua...
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