sexta-feira, 21 de setembro de 2012

34| Amor de dois.



                   O trem estacionou na plataforma da Estação de Pedra Branca. Thiago sabia que sentiria falta da sua cidade natal, mas pretendia que ela se orgulhasse dele. O táxi cortava as ruas da cidade, e as lembranças do que foi e daquilo que poderia ter sido invadiram seu pensamento. Mudaria de cidade e disso estava certo, deixaria para trás as ruas que o viram crescer e que muitas vezes lhe tirara sangue do dedão do pé, o campinho de futebol onde passara por diversas situações inusitadas e tão divertidas.
                    Era adulto, e agora responsabilidades o chamavam para a vida. A escola que onde conhecera o melhor amigo. Tudo havia mudado, mas de certa forma o passado estava impregnado. Eram tantos locais significativos, tantos com valor histórico.
                    _ Meu neto! – dona Zita estava na porta esperando-o – Como foi de viagem?
                    _ Oi minha avó que saudade! Fui muito bem tudo muito tranqüilo.
                    _ Me conta tudo! Como são as coisas lá, temos que arrumar sua vida aqui para sua mudança.
                    _ Vovó! Nem eu estou tão tranqüilo com esta mudança quanto a senhora, não quer eu more mais aqui? – brincou.
                    _ Na verdade, não te agüento mais. – riram juntos.
                    Enquanto desarrumavam as bagagens, Thiago contava todos os detalhes dos trabalhos e do dia que foi contratado.
                    _ Esse Marlon é meio esquisito. – disse dona Zita.
                    _ Então, eu também achei, mas não posso negar que é muito mais emocionante que se fosse falado diretamente.
                    _ E o que você queria me contar? Está com medo de mudar de cidade?
                    Tinham acabado de arrumar tudo, e se dirigiam para a cozinha.
                    _ Um pouco, pensei em tudo, sabe? Vim pesando as coisas para poder ver se realizar um sonho não sairá tão caro para mim, afinal a felicidade pode estar mais perto que a gente pensa, não é?
                    _ Sim, mas para reconhecê-la verdadeiramente, muitas vezes precisamos estar longe.
                    _ Eu fui a uma festa. Uma boate na verdade. E conheci uma pessoa.
                    _ Está ficando mais complicado que eu esperava, hein.
                    _ Uma moça.
                    _ Sério? Que bom! Deve ter mexido com você demais.
                    _ Sim! E muito. No começo era estranho porque me envolvi com o Daniel, mas o que mais achei interessante é que, eu sem tê-la visto em momento algum, já sentia que a conhecia.
                    _ Interessante mesmo.
                    _ E ficamos conversando muito tempo na festa. Não senti o tempo passar.
                    _ O que você sentiu mais, além disso?
                    _ Me senti confortável, seguro, feliz. A voz dela me deixava tranqüilo. – se deu conta de uma coisa – e me fez esquecer o Daniel, por um momento.
                    _ Isso é ainda mais interessante.
                    Thiago sabia que podia contar sempre com dona Zita e dela não escondia nada. Não havia um só segredo que não lhe falasse. Sabia que mesmo errado, ela o compreenderia e o exortaria da maneira mais adequada.
                    _ Só queria ficar com ela. É possível gostar de duas pessoas? E mais como pude gostar dela tão de imediato assim? – olhando para a avó.
                    Ela disse que eram perguntas difíceis, mas dentro de si, sabia as respostas.

                    ©A História de Elizabeth©

                    Meados da década de quarenta.
                    Elizabeth era uma moça muito recatada, naquela época as mulheres eram cortejadas pelos homens. E as mulheres mais atiradas eram consideradas vulgares e prostitutas. Os pais dela eram bem tradicionais para sua época, e queriam arrumar-lhe um marido que lhe dessem do bom e do melhor, não queriam ver a filha padecendo nas mãos de qualquer pessoa, lembrando todo casamento, pelo menos a grande maioria eram acordos entre as famílias. Uma se unia a outra e fortaleciam os laços e firmavam os nomes na sociedade.
                    Na escola, Eliza, como era conhecida, era uma das melhores alunas, sua mãe mesmo querendo encontrar um bom partido para a filha havia decidido fazê-la uma esposa primorosa tornando-a desde pequena uma exemplar aluna. Tudo mudaria em um dia de aula.
                    A professora chama a atenção da turma que escrevia uma atividade para apresentar-lhes o novo aluno. Elizabeth demorou-se a olhá-lo, pois precisava terminar o que escrevia.
                    _ Este é o Augusto Allexander. O novo colega de vocês. Ele está chegando da Espanha, mas é brasileiro e fala bem o português, não é Augusto? – o menino afirmou com a cabeça – E ele ficará conosco durante este período. Bienvenido!
                    _ Obrigado! – respondeu.
                    Eliza levantou os olhos para ver o recém chegado, e quando isso aconteceu percebeu que ele já a observava, sentiu-se meio envergonhada, mas não conseguiu desvia-se dos olhos dele, de repente olhou para outra direção. Não se conteve e olhou de novo e ele não tirava os olhos de cima dela. Desta vez piscou charmosamente para ela que enrubesceu e não o olhou mais. Seu coração bateu acelerado, gostou da sensação, mas ficou confusa. Assim que foi apresentado pela professora passou por ela e sentou atrás, onde tinha lugar disponível de um aluno faltoso.
                    Depois das aulas, ela saiu rapidamente com medo de que ele falasse com ela, mas não teria como evitar um novo encontro na sala nos próximos dias.
                    No dia seguinte, quando chegou o viu sentado em sua mesa.
                    _ Me perdoe, mas você se sentou em minha mesa.- tentava ser educada – talvez não saiba ainda, mas os lugares são marcados.
                    Eram duas mesas uma ao lado da outra. Ela sentava-se ao lado da janela, mas o lado do corredor estava vazio.
                    _ Você pode sentar aqui do meu lado.
                    _ Mas... – foi interrompida pela professora que entrava na sala.
                    _ Bom dia! – cumprimentou os alunos sentando atrás da mesa.
Eliza foi até discretamente e avisou que ele havia sentado em seu lugar. A professora relevou por ser novato, e da mesa mesmo disse:
                    _ Augusto, talvez não te avisaram, mas em nosso sistema de organização temos cadeiras marcadas.
                    _ Não tenho onde sentar. – disse.
                    _ Sente na cadeira ao lado. – a professora solucionou.
                    _ É a cadeira da Meire. – defendeu Eliza.
                    _ Ela foi transferida para o Colégio das Freiras. Então, esse será seu novo colega de cadeira.
                    Eliza fez cara de poucos amigos, não havia simpatizado com o rapaz. Algo nele tirava sua concentração.
                    _ Resolvido – disse ele quando ela sentou.
                    Com o passar do tempo, a amizade foi nascendo e o que era antipatia, tornou-se companheirismo e cumplicidade. A rara amizade entre homem e mulher que poucos acreditam.
                    _ Quer dizer que arrumaram um noivo para você? – disse ele um dia.
                    _ É! Acho que vou ter que me casar.
                    Estavam numa casa abandonada que ficava escondida no meio do mato, ela dizia para os pais que ia estudar na casa de uma amiga. Lá conversavam sobre tudo. Aprenderam muita coisa, levavam livros e revistas. Era um lugar especial.
                    _ Esses dias vocês disse que não concordava com isso.
                    _ E não concordo, mas se meu pai e minha mãe souberem posso ser deserdada. Sabe como é, filha única.
                    _ Você teria coragem de fugir? – disse mudando de comportamento.          
                    _ Que história é essa?
                    _ Vais casar mesmo com alguém que não ama, e talvez não te ame.
                    _ O Frederico gosta de mim.
                    _ E você?
                    Não conseguia responder. Não sabia mentir. Principalmente para si mesma. Ele percebeu a resposta silenciosa e sorriu.
                    _ Eles não vão entender... – referia-se aos pais – Eles não vão querer saber se quero ou não. O Frederico tem fazendas e é um ótimo partido, mas não. Não o amo! E não sei se serei feliz ao lado dele.
                    _ Se você quiser eu posso te fazer feliz. – ele havia ensaiado uma declaração totalmente diferente, mas achou que aquela seria a oportunidade de falar o que sentia, não queria mais esconder. Corria o risco de perdê-la.
                    Ela o olhou. Seus olhos estavam marejados. Ela gostava dele, mas para mulheres falarem isso naquela época era só para amigas e olhe lá.
                    _ Eu gosto demais de você, desde que te vi a primeira vez na sala. Sentada com seus cabelos longos sobre o ombro, seu perfume de todos os dias, e quando sorri para mim me sinto feliz. Me pergunto se meu destino me trouxe aqui para te conhecer e ser feliz ao teu lado te fazendo feliz.
                    Ela havia sido pega de surpresa. Como ele era corajoso em se declarar assim.
                    _ Eu gosto demais de você Elizabeth. Demais mesmo! Minha vontade é de passar o resto da minha vida com você. Envelhecer contigo e ir para eternidade com você. Não te abandonar nunca. Casa comigo!
                    _ Eu gosto de você também. Desde a escola, mas penso que meus pais não me deixaram ficar com você. Eles ligam muito para o dinheiro, e sem querer ofendê-lo...
                    _ Eu sei. Sou pobre. – a interrompeu – mas tenho o que ele não pode te dar. Eu te amo!
                    Choraram, quando ele roubou-lhe o primeiro beijo. Ela nunca havia beijado antes. Pensava que poderia engravidar. Não resistiu e se entregou, o beijou como se fosse o último.
                    As juras de amor foram crescendo e abafaram a realidade. Na casa abandonada eram só eles.
                    Eles e o amor.
                    _ Não! – disse ela entre os beijos enquanto ele avançava.
                    _ Por quê?
                    Demorou-se um pouco.
                    _ Sou virgem!
                    Ele a olhou e a beijou carinhosamente.
                    _ Eu também.
                    _ Homem virgem? Não acredito.
                    _ Não tenho motivo para mentir para você, eu sou! – disse olhando profundamente em seus olhos.
                    E era. Apesar de natural, ficavam meio sem jeito, mas para ambos foi a melhor experiência que tiveram. Foram intensos.
                    Passaram alguns dias ele foi convocado para a guerra. Voltaria e casaria com ela e teriam a família mais feliz de todas, era essa sua promessa. E se foi. A guerra o roubou. Sua vida foi ceifada.
                    Descobriu porque enquanto passava na rua viu a família dele receber a visita dos carros oficiais e depois ficaram de luto. Ficou terrivelmente abalada. Sentia-se mal freqüentemente. Quase caiu em depressão.
                    Descobriu também que estava grávida, e ficou desesperada. Sua mãe desconfiou e afirmou. Ela contou o que aconteceu. A mãe conseguiu armar o casamento mais rapidamente. Quando se vestia apertava-lhe a barriga para esconder qualquer sinal de gravidez.
                    Todos se surpreenderam quando ela anunciou a gravidez e o menino nasceu pré-maturo. Ela não conseguia esconder a tristeza e o sofrimento pela perda do homem que amava. Ninguém nunca desconfiou, nem o marido, nem sua família, havia casos desse tipo na família, era o que a mãe dela dizia.
                    Elizabeth casou-se sem amar, mas foi necessário. Depois de tudo, começou amar o marido, ele era bom, um homem que estava a sua disposição a todo o momento, realmente a amava. Ela se culpava por não amá-lo como merecia, estava ligada para sempre ao Augusto.
                    _ Eu te amo! – ele disse a ela.
                    Ela sorriu e respondeu:
                    _ Eu também.
                    _ Ama mesmo?
                    _ Sim! Eu te amo!
                    Então aceitou que amava Augusto e Frederico. Às vezes confundia o amor que sentia por Frederico como gratidão, mas depois se convencia que era amor.
                    No leito de morte, Frederico, que foi acometido por uma doença grave, disse surpreendentemente:
                    _ Mesmo nosso casamento sendo armado por nossos pais, eu te amei desde o primeiro momento que te vi. E fiz de tudo para fazê-la feliz.   
                    _ E me fez.
                    _ Você também me fez muito feliz. Obrigado por me amar como me amou.
                    Ele se foi sem saber que o filho não era seu. Dedicou-se a ele como se fosse. Então, depois dessa declaração, teve certeza que seu amor o alcançara.
                    Cuidou sozinha do seu filho. Tinha dinheiro o suficiente para isso. Não se casou mais. Achava que dois amores eram suficientes para uma vida.
                    Frederico Augusto Allexander Villani de Medeiros, seu filho, cresceu, tornou-se adulto e se casou com Vitória e deu-lhe um neto, o Thiago.

                    _ Sabe, meu neto, a vida nos dá várias opções de amores. E quando reconhecemos mais de uma opção acontece isso. Ficamos confusos e cheios de sentimentos. Não sei se esta velha ajudar muito, mas ela pode te dar uma certeza, amar e ser amado é a melhor coisa e a mais sublime alguém pode experimentar.
                    Depois da conversa com a avó, ele sairia ao centro da cidade para resolver algumas pendências, quando ao abrir a porta deu de cara com Daniel que estava de mão levantada para bater na porta.
                    _ Você voltou...
Continua...
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