Ouviu-se o trem se
distanciar cada vez mais. As lágrimas desciam pelo rosto do jovem que estava
sentado sobre uma toalha de piquenique azul xadrez.
_ Ele se foi! – disse a voz
de alguém que estava na estação de trem vendo tudo que aconteceu. – E agora?
Era só isso?
O rapaz controlou a voz para
que não se percebesse o choro.
_ E então ele gostou?
_ É gostou sim! Quem não
gostaria ser tão querido assim? Mas era para ele ficar ou não? Eu não entendi.
_ Não é para entender, você
foi pago para entender?
_ Não senhor.
_ Então. Passe no banco. O
dinheiro já está na conta.
Desligou.
_ Que doido! – o rapaz saiu
da estação sem dizer nada.
Não sabia que há alguns
quilômetros no parque zoológico, alguém chorava por tudo aquilo que ele
dissera.
Daniel sabia que não mudaria
a idéia do amigo, mas queria prová-lo que o amava o suficiente para fazer uma
demonstração daquela, mas não podia negar a decepção, no fundo existia um fiapo
de esperança de que Thiago saísse correndo daquela estação e chegasse ofegando
até ele que lhe juraria amor eterno.
“Eu devia ter ido até lá! –
pensou – Não, acho que eu seria pior se eu fosse. Ele nem ficou, seria uma
super exposição. Assim do jeito que foi pareceu coisa de amigos”.
Outros pensamentos não
entravam na cabeça dele. Ele nunca foi rejeitado por ninguém, principalmente
quando sabiam que era recíproco. Ouviu uma movimentação pelo mato e se
levantou, não havia animais soltos pela mata.
_ Quem está aí?
Não teve resposta.
_ Quem é?
_ Sou eu meu querido... –
Patrícia saia da mata silenciosa como uma felina.
_Você é doida, quer me matar
de susto, é? – disse Daniel irritado.
_ De susto não. E para que
medo no meio do mato? Ah é! Vai que sai uma onça pintada e corre atrás de você
não é mesmo? Afinal, veados campeiros estão na cadeia alimentar das onças.
Daniel estava irritado, mas
decidiu não partir pra cima dela.
_ Suas piadinhas são tão
ruins que me dão sono. O que é que você faz aqui? Está me perseguindo é? Como
me descobriu aqui?
_ Calma, meu lindo! Que
tanto de pergunta. Ontem passei em sua casa e sua mãe me disse que você estava
acampando com uns amigos, então como sabia que tinha outra biba a solta na
cidade, e você sempre vem para cá, imaginei que a reunião de bibas seria aqui,
mas juro que não queria atrapalhar nada.
_ Perdeu seu tempo, ele foi
embora hoje.
_ E você não estava na
estação? Que milagre!
Daniel viu uma brecha.
_ Nós... Brigamos! – ele
estava de costas para ela, e empostava a voz para dar mais veracidade.
_ Como é? Brigaram? De
tapas? – ironizava sempre.
_ De boa! Você sabe o que
aconteceu, sabe como eu estou e ao invés de me ouvir só me ironiza?
_ Acho que você merece
depois de tudo que fez comigo. Um canalha safado que me traiu com um homem. E
merece mais.
_ Primeiro: você não tem
prova.
_ Você chamando por ele na
cama não é suficiente?
_ Isso prova que gosto dele,
e só troquei os nomes porque na realidade na época gostava mais dele que de
você. – se sentiu bem falando tão abertamente, mesmo que fosse com a Patrícia.
Ela não pôde falar nada
disso.
_ Segundo, se você fosse
assim, tivesse mais vontade própria e personalidade, talvez tivesse me chamado
mais a atenção, você era muito submissa. Era totalmente diferente do que é
agora. Parece que só porque gostava de mim tinha medo de me desagradar e me
perder.
_ Não sabia que querer
agradar é errado agora? – tentou rebater.
_ Não! Não é errado, mas
deixar de ser quem você é para agradar é. Porque se eu gosto de você é por você
mesmo, são suas atitudes, seu olhar, seu jeito de rir, e de me encarar de vez
enquando. – estavam com olhar perdido como se imaginasse coisas, mas coisas
diferentes.
_ Tarde demais para me dar
dica, Daniel… Primeiro você estraga depois que consertar?
_ Não estou tentando
consertar nada. Estou cansado. Mas o que realmente você quer? Porque veio aqui?
Patrícia ficou sem resposta.
Não tinha pensado nisso.
_ Eu... Bem. Eu vim saber se
está bem. – o tom da voz dela denunciava que um sentimento apesar de tudo não
pode ser apagado de uma hora para outra.
Daniel virou-se para
responder.
_ Estou. Nenhuma onça
pintada apareceu por aqui ainda.
Ela não conteve o riso.
Sentou-se ao lado dele.
_ O quê, hein? – ela
perguntou como se ele já soubesse.
_ O que o quê?
_ O que ele tem... Que eu
não tenho?
Ele se demorou em responder,
estava escolhendo as palavras.
_ Me perdoe, mas não posso
confiar em quem quer me ferrar. Só me ironiza e me trata mal.
_ Pensei que podia perguntar
porque também estive envolvida. É sexual? Corpo, sabe lá. Sempre teve
curiosidade?
_ Quase me senti um objeto
agora. Não é questão sexual. È tudo novo para mim, nunca gostei de ninguém. No
meu caso, o envolvimento foi com o tempo, parece que estava dentro de mim,
escondido sem eu mesmo saber.
Seu olhar estava novamente
perdido, ela o observava compreensiva como se tentasse entender, talvez se
entendesse poderia amenizar a raiva que sentia dele. Essa raiva a fazia gostar
mais dele, porque não a libertava.
_Então depois que vi que
podia perder o que sempre tive, isso me aconteceu. Talvez seja complicado para
você entender, eu particularmente não consigo explicar muito bem, só sentir
mesmo.
_ Mas também tem o lado
sexual, não tem como gostar de alguém de graça, sem que ela não te ofereça
nada, afinal, o toque é essencial para o relacionamento e para manter aceso o
sentimento.
_ Tem sim, não posso negar,
mas nunca aconteceu. – mentiu.
_ Nunca? – incrédula – Nada
nunquinha?
_ Não.
_ Só que você queria? – ela
se mostrava incansável nas perguntas, como se quisesse arrancar alguma coisa.
_ Passou pela minha mente
talvez um dia, mas quando ficamos juntos, eu queria mesmo era a companhia.
_ Eu quero te pedir
desculpa. – ele se espantou e olhou para ela sem negar a surpresa - Fui uma
horrorosa. Tive uma atitude deplorável e preconceituosa. Independente de você
ter me traído, eu quero te pedir perdão.
_ Não sei, Patrícia, minha
mãe quase viu o que você pichou lá em casa. Quase me complicou, na real não,
mas eu teria que explicar algumas coisas. – fez drama.
_ É sério, Dani, me perdoa,
jura que paro com essas coisas preconceituosas. Eu estava furiosa com você.
Agora te entendo.
Olharam-se nos olhos. Thiago
que tinha tanto motivo para não aceitá-lo por suas burrices e ações preconceituosas,
voltara a falar com ele. Por que não seria capaz das mesmas atitudes?
_ Amigos? – ela disse,
estendendo a mão.
_ Está bem, amigos! – ele
apertou delicadamente e beijou a mão dela.
Abraçaram-se.
É uma bobinha mesmo! – ele
pensou – Contornei legal!
Idiota! – ela pensou – Não
sabe o que te aguarda!
Continua...
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