domingo, 30 de setembro de 2012

38| Contorno.



                    Ouviu-se o trem se distanciar cada vez mais. As lágrimas desciam pelo rosto do jovem que estava sentado sobre uma toalha de piquenique azul xadrez.
                    _ Ele se foi! – disse a voz de alguém que estava na estação de trem vendo tudo que aconteceu. – E agora? Era só isso?
                    O rapaz controlou a voz para que não se percebesse o choro.
                    _ E então ele gostou?
                    _ É gostou sim! Quem não gostaria ser tão querido assim? Mas era para ele ficar ou não? Eu não entendi.
                    _ Não é para entender, você foi pago para entender?
                    _ Não senhor.    
                    _ Então. Passe no banco. O dinheiro já está na conta.
                    Desligou.
                    _ Que doido! – o rapaz saiu da estação sem dizer nada.
                    Não sabia que há alguns quilômetros no parque zoológico, alguém chorava por tudo aquilo que ele dissera.
                    Daniel sabia que não mudaria a idéia do amigo, mas queria prová-lo que o amava o suficiente para fazer uma demonstração daquela, mas não podia negar a decepção, no fundo existia um fiapo de esperança de que Thiago saísse correndo daquela estação e chegasse ofegando até ele que lhe juraria amor eterno.
                    “Eu devia ter ido até lá! – pensou – Não, acho que eu seria pior se eu fosse. Ele nem ficou, seria uma super exposição. Assim do jeito que foi pareceu coisa de amigos”.
                    Outros pensamentos não entravam na cabeça dele. Ele nunca foi rejeitado por ninguém, principalmente quando sabiam que era recíproco. Ouviu uma movimentação pelo mato e se levantou, não havia animais soltos pela mata.
                    _ Quem está aí?
                    Não teve resposta.
                    _ Quem é?
                    _ Sou eu meu querido... – Patrícia saia da mata silenciosa como uma felina.
                    _Você é doida, quer me matar de susto, é? – disse Daniel irritado.
                    _ De susto não. E para que medo no meio do mato? Ah é! Vai que sai uma onça pintada e corre atrás de você não é mesmo? Afinal, veados campeiros estão na cadeia alimentar das onças.
                    Daniel estava irritado, mas decidiu não partir pra cima dela.
                    _ Suas piadinhas são tão ruins que me dão sono. O que é que você faz aqui? Está me perseguindo é? Como me descobriu aqui?
                    _ Calma, meu lindo! Que tanto de pergunta. Ontem passei em sua casa e sua mãe me disse que você estava acampando com uns amigos, então como sabia que tinha outra biba a solta na cidade, e você sempre vem para cá, imaginei que a reunião de bibas seria aqui, mas juro que não queria atrapalhar nada.
                    _ Perdeu seu tempo, ele foi embora hoje.
                    _ E você não estava na estação? Que milagre!
                    Daniel viu uma brecha.
                    _ Nós... Brigamos! – ele estava de costas para ela, e empostava a voz para dar mais veracidade.
                    _ Como é? Brigaram? De tapas? – ironizava sempre.
                    _ De boa! Você sabe o que aconteceu, sabe como eu estou e ao invés de me ouvir só me ironiza?
                    _ Acho que você merece depois de tudo que fez comigo. Um canalha safado que me traiu com um homem. E merece mais.
                    _ Primeiro: você não tem prova.
                    _ Você chamando por ele na cama não é suficiente?
                    _ Isso prova que gosto dele, e só troquei os nomes porque na realidade na época gostava mais dele que de você. – se sentiu bem falando tão abertamente, mesmo que fosse com a Patrícia.
                    Ela não pôde falar nada disso.
                    _ Segundo, se você fosse assim, tivesse mais vontade própria e personalidade, talvez tivesse me chamado mais a atenção, você era muito submissa. Era totalmente diferente do que é agora. Parece que só porque gostava de mim tinha medo de me desagradar e me perder.
                    _ Não sabia que querer agradar é errado agora? – tentou rebater.
                    _ Não! Não é errado, mas deixar de ser quem você é para agradar é. Porque se eu gosto de você é por você mesmo, são suas atitudes, seu olhar, seu jeito de rir, e de me encarar de vez enquando. – estavam com olhar perdido como se imaginasse coisas, mas coisas diferentes.
                    _ Tarde demais para me dar dica, Daniel… Primeiro você estraga depois que consertar?
                    _ Não estou tentando consertar nada. Estou cansado. Mas o que realmente você quer? Porque veio aqui?
                    Patrícia ficou sem resposta.
                    Não tinha pensado nisso.
                    _ Eu... Bem. Eu vim saber se está bem. – o tom da voz dela denunciava que um sentimento apesar de tudo não pode ser apagado de uma hora para outra.
                    Daniel virou-se para responder.
                    _ Estou. Nenhuma onça pintada apareceu por aqui ainda.
                    Ela não conteve o riso. Sentou-se ao lado dele.
                    _ O quê, hein? – ela perguntou como se ele já soubesse.
                    _ O que o quê?
                    _ O que ele tem... Que eu não tenho?
                    Ele se demorou em responder, estava escolhendo as palavras.
                    _ Me perdoe, mas não posso confiar em quem quer me ferrar. Só me ironiza e me trata mal.
                    _ Pensei que podia perguntar porque também estive envolvida. É sexual? Corpo, sabe lá. Sempre teve curiosidade?
                    _ Quase me senti um objeto agora. Não é questão sexual. È tudo novo para mim, nunca gostei de ninguém. No meu caso, o envolvimento foi com o tempo, parece que estava dentro de mim, escondido sem eu mesmo saber.
                    Seu olhar estava novamente perdido, ela o observava compreensiva como se tentasse entender, talvez se entendesse poderia amenizar a raiva que sentia dele. Essa raiva a fazia gostar mais dele, porque não a libertava.
                    _Então depois que vi que podia perder o que sempre tive, isso me aconteceu. Talvez seja complicado para você entender, eu particularmente não consigo explicar muito bem, só sentir mesmo.
                    _ Mas também tem o lado sexual, não tem como gostar de alguém de graça, sem que ela não te ofereça nada, afinal, o toque é essencial para o relacionamento e para manter aceso o sentimento.
                    _ Tem sim, não posso negar, mas nunca aconteceu. – mentiu.
                    _ Nunca? – incrédula – Nada nunquinha?
                    _ Não.
                    _ Só que você queria? – ela se mostrava incansável nas perguntas, como se quisesse arrancar alguma coisa.
                    _ Passou pela minha mente talvez um dia, mas quando ficamos juntos, eu queria mesmo era a companhia.
                    _ Eu quero te pedir desculpa. – ele se espantou e olhou para ela sem negar a surpresa - Fui uma horrorosa. Tive uma atitude deplorável e preconceituosa. Independente de você ter me traído, eu quero te pedir perdão.
                    _ Não sei, Patrícia, minha mãe quase viu o que você pichou lá em casa. Quase me complicou, na real não, mas eu teria que explicar algumas coisas. – fez drama.
                    _ É sério, Dani, me perdoa, jura que paro com essas coisas preconceituosas. Eu estava furiosa com você. Agora te entendo.
                    Olharam-se nos olhos. Thiago que tinha tanto motivo para não aceitá-lo por suas burrices e ações preconceituosas, voltara a falar com ele. Por que não seria capaz das mesmas atitudes?
                    _ Amigos? – ela disse, estendendo a mão.
                    _ Está bem, amigos! – ele apertou delicadamente e beijou a mão dela.
                    Abraçaram-se.
                    É uma bobinha mesmo! – ele pensou – Contornei legal!
                    Idiota! – ela pensou – Não sabe o que te aguarda!

Continua...
© Copyright Mailan Silveira 2011.Todos os direitos reservados.

Nenhum comentário: