Daniel estava em casa.
Desiludido. Pensava por que o Thiago não tinha ficado? Ele se expôs, ficou
vulnerável para ter coragem de ir à estação e pedi-lo para ficar, mas ele
simplesmente partiu. Preferiu a vida de modelo que tanto queria.
“Eu escolhi ser feliz, mas
ele não me quis! – pensou sobre a cama – O que fiz de errado?”.
Ainda tinha aquela sensação
de solidão. Tinha ficado só em casa, não sabia mais para quem ligar, nem com
quem sair. Afinal, deixara de andar com quem só se interessava em seu dinheiro.
“O que a gente faz quando
quem queremos não nos quer mais? – Que tenso! Sem contar que estou agindo que
nem um gay agora, chorando por outro homem e sofrendo, o que aconteceu
comigo?”.
Daniel, deitado na cama,
fazia uma auto-análise do que estava passando. Era incrível como suas atitudes
mudaram com relação ao amigo. Nunca pensara em gostar dele desse jeito.
_ Mas que jeito? Não posso
me considerar gay se nem sei se realmente - pensou se valeria a pena negar para
si mesmo o que sentia e considerou que não – o amo! Não posso dizer que o amo,
eu gosto dele. Só gosto.
Viu o cd que havia
presenteado Thiago, mas achou que se o colocasse poderia entrar em depressão.
Seria muito sofrimento.
_ Estou perdido. Perdido com
tudo isso. Quem diria, Daniel? Como você pôde?
Não conseguia achar
argumentos para se desculpar. Se sentia aquilo era porque queria, o que o fazia
gay.
_ Vou morrer assim! Tenho
que voltar a razão! Não posso ficar nessa viadagem.
Dormiu, o tempo parecia não
passar, ficou o dia inteiro dentro do quarto. Levantou-se procurando se
entreter com outras coisas. Resolveu sair. Sem destino. Queria esquecer.
Precisava esquecer.
Saiu com o carro e entrando
no centro da cidade, as lojas não o deixavam olvidar da lembrança do modelo que
o deixou. Resolveu voltar para casa.
_ Que ódio!
As árvores de uma grande
praça já estavam à vista, parou e resolveu sentar em um banco para ver o
movimento, talvez observar as pessoas o fizesse perceber que a vida continuaria
mesmo sem o que mais queremos.
As pessoas passavam, de
todos os tipos e cores, estilos e tamanhos. Seus olhos vidrados perderam o
sentido da praça, ele nem estava mais ali, quando foi puxado de volta por uma
voz.
_ Gay enrustido!
Virou-se rapidamente para
ver quem falou. Era Roberta.
_ Logo você que se
considerava homem suficiente agora não passa de uma bicha que chora por outro
homem. Que decepção!
_ Como você sabe disse? Quem
te contou? – levantou-se do banco da praça.
Roberta ria, apontando-lhe o
dedo.
_ Agora tudo faz sentido,
não é? Armou aquilo tudo para me deixar porque não gosta de mulher! –
gargalhava, Daniel olhou para o lado e viu Flávia. – Veja amiga, eu namorava um
boiola que me usou para ficar no armário.
Era tudo o que Daniel mais
temia, ser exposto, ainda mais numa praça.
_ Roberta, pode parar com
esse escândalo. Isso não é verdade! Você está irritada porque terminei com você
e agora pretende se vingar.
_ Pretendo não meu querido!
Estou me vingando! Você é uma vergonha de homem, não teve coragem de terminar
decentemente comigo para ficar com o melhor amigo! Ah Daniel! Você é uma piada!
As pessoas que passavam na
praça olhavam e não conseguiam disfarçar as risadas.
Daniel estava humilhado.
_ Sem contar que deixou quem
estava namorando e para não negar fogo, chamou pelo homem na cama!
_ Mas que decadência. Pensei
que você era uma menina de classe. – tentou se defender atacando.
_ Não me conheceu mesmo!
Quatro anos de namoro e nem sabe com quem estava namorando, mas imagino não
prestava atenção suficiente em mim. Já que tinha um amigo para dar tudo que ele
precisava.
_ Cala a boca! – Daniel
gritou sem se importar com quem atravessava a praça – Não fale assim de Thiago.
_ Você é mesmo uma piada!
_ O que tem o Thiago, meu
filho?
Quando Daniel pensou que não
podia piorar mais, viu sua mãe.
_ Mãe...
_ A senhora não sabe dona
Tereza? Não sabe sobre Daniel e Thiago?
_ O que ela está dizendo meu
filho, o que está acontecendo?
_ Mãe... Não acredita...
_ Sim! Sim! Sim! Acredite
sim, dona Tereza! - Roberta chegou-se a
mulher com um rosto condolente - Seu filho não conseguiu te contar, mas eu como
sua amiga, posso fazer este favor a ele.
Abraçou a mulher e chegou a
boca bem próxima ao ouvido dela como se fosse sussurrar.
_ A senhora quer saber
mesmo? Quer saber o que seu único filho esconde da senhora?
_ Quero.
Daniel chorava desesperado
não se não houvesse mais como esconder da sua mãe, talvez ele contasse, mas
nunca pensou que seria daquele jeito. Roberta tinha nos olhos o vermelho vivo
que movia a vingança. A praça tinha se tornado um anfiteatro, os pedestres
haviam parado para prestar atenção na cena que se desenrolava no meio de todos.
Ricardo sorria ao longe, José estava próximo, mas sem expressar nada. Algumas
pessoas da escola estavam lá também, parecia tudo tão... armado.
Olhava para os lados como se
estivesse desnorteado, até que a viu. Mais distantes, porém não invisível, ela
estava com uma lata de tinta spray vermelha, e sorria, como se estivesse
posando para uma foto.
_ Patrícia!
_Vai ou não falar para mamãe
o que você é, Daniel?
Sua atenção voltou-se para
Roberta.
_ Não tenho nada para falar.
– as lágrimas desciam quentes de vergonha. Queria sair correndo dali, mas algo
o prendia.
_ Então eu mesma falo! –
voltou-se para o ouvido da mãe – Ele, seu filho é... gay!
_ É mesmo, Dani?
Ele não conseguia falar, só
chorava.
_ Sim, é gay! E daqueles que
vocês sabem como são. Depravados!
_ Dani, meu menino, gay? Meu
único filho?
Era indescritível o que
Daniel sentia, seu peito começou doer, uma pontada atravessou seu coração com
uma dor lacerante.
_ Gay! – disse Flávia –
Bichona!
_ Veadinho! – disse Ricardo
– Que dó!
_ Eu não sou gay! – chorava
desesperado – Patrícia, me ajuda!
_ É sim! Um gayzinho
descarado! – Roberta riu.
_ Gay! – algum desconhecido
que assistia gritou. E foi seguido por outros.
O que se viu depois foi um
coro de gente apontando o dedo e o acusando e o humilhando, pessoas que ele nem
conhecia, colegas da escola, faziam dele piada e gargalhavam fazendo trejeitos
efeminados. A mãe dele só chorava, não tinha como defendê-lo.
_ Eu não sou gay! Eu não sou
gay! Eu não sou gay! – tentava sobrepor sua voz com a da multidão, mas era em
vão.
_ Veado! – uma voz
desconhecida gritou e jogou-lhe um ovo que pelo cheiro estava podre.
Como diria o ditado: “Quando
está ruim, se prepare, ainda pode chover”. E choveu.
Uma chuva de ovos e tomates
caia ferozmente sobre Daniel, como sinal de desprezo e preconceito total de uma
cidade interiorana. Em meio aos ovos e tomates, tentava se defender gritando:
_ Eu não sou gay! Eu não sou
gay! Eu não sou gay!
Acordou suado e assustado
com o som de vidro quebrando. Estava exausto. Sentiu-se aliviado por tudo
aquilo ter sido um sonho.
Quando se sentou na cama viu
que a janela do seu quarto estava quebrada. Havia sido quebrada naquele
instante. Procurou o que tinha quebrado sua janela. Não acreditou quando viu no
chão.
Uma lata de tinta spray
vermelha.
Continua....
©
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