domingo, 16 de setembro de 2012

29| O susto.



                   Daniel estava em casa. Desiludido. Pensava por que o Thiago não tinha ficado? Ele se expôs, ficou vulnerável para ter coragem de ir à estação e pedi-lo para ficar, mas ele simplesmente partiu. Preferiu a vida de modelo que tanto queria.
                    “Eu escolhi ser feliz, mas ele não me quis! – pensou sobre a cama – O que fiz de errado?”.
                    Ainda tinha aquela sensação de solidão. Tinha ficado só em casa, não sabia mais para quem ligar, nem com quem sair. Afinal, deixara de andar com quem só se interessava em seu dinheiro.
                    “O que a gente faz quando quem queremos não nos quer mais? – Que tenso! Sem contar que estou agindo que nem um gay agora, chorando por outro homem e sofrendo, o que aconteceu comigo?”.
                    Daniel, deitado na cama, fazia uma auto-análise do que estava passando. Era incrível como suas atitudes mudaram com relação ao amigo. Nunca pensara em gostar dele desse jeito.
                    _ Mas que jeito? Não posso me considerar gay se nem sei se realmente - pensou se valeria a pena negar para si mesmo o que sentia e considerou que não – o amo! Não posso dizer que o amo, eu gosto dele. Só gosto.
                    Viu o cd que havia presenteado Thiago, mas achou que se o colocasse poderia entrar em depressão. Seria muito sofrimento.
                    _ Estou perdido. Perdido com tudo isso. Quem diria, Daniel? Como você pôde?
                    Não conseguia achar argumentos para se desculpar. Se sentia aquilo era porque queria, o que o fazia gay.
                    _ Vou morrer assim! Tenho que voltar a razão! Não posso ficar nessa viadagem.
                    Dormiu, o tempo parecia não passar, ficou o dia inteiro dentro do quarto. Levantou-se procurando se entreter com outras coisas. Resolveu sair. Sem destino. Queria esquecer. Precisava esquecer.
                    Saiu com o carro e entrando no centro da cidade, as lojas não o deixavam olvidar da lembrança do modelo que o deixou. Resolveu voltar para casa.
                    _ Que ódio!
                    As árvores de uma grande praça já estavam à vista, parou e resolveu sentar em um banco para ver o movimento, talvez observar as pessoas o fizesse perceber que a vida continuaria mesmo sem o que mais queremos.
                    As pessoas passavam, de todos os tipos e cores, estilos e tamanhos. Seus olhos vidrados perderam o sentido da praça, ele nem estava mais ali, quando foi puxado de volta por uma voz.
                    _ Gay enrustido!
                    Virou-se rapidamente para ver quem falou. Era Roberta.
                    _ Logo você que se considerava homem suficiente agora não passa de uma bicha que chora por outro homem. Que decepção!
                    _ Como você sabe disse? Quem te contou? – levantou-se do banco da praça.
                    Roberta ria, apontando-lhe o dedo.
                    _ Agora tudo faz sentido, não é? Armou aquilo tudo para me deixar porque não gosta de mulher! – gargalhava, Daniel olhou para o lado e viu Flávia. – Veja amiga, eu namorava um boiola que me usou para ficar no armário.
                    Era tudo o que Daniel mais temia, ser exposto, ainda mais numa praça.
                    _ Roberta, pode parar com esse escândalo. Isso não é verdade! Você está irritada porque terminei com você e agora pretende se vingar.
                    _ Pretendo não meu querido! Estou me vingando! Você é uma vergonha de homem, não teve coragem de terminar decentemente comigo para ficar com o melhor amigo! Ah Daniel! Você é uma piada!
                    As pessoas que passavam na praça olhavam e não conseguiam disfarçar as risadas.
                    Daniel estava humilhado.
                    _ Sem contar que deixou quem estava namorando e para não negar fogo, chamou pelo homem na cama!
                    _ Mas que decadência. Pensei que você era uma menina de classe. – tentou se defender atacando.
                    _ Não me conheceu mesmo! Quatro anos de namoro e nem sabe com quem estava namorando, mas imagino não prestava atenção suficiente em mim. Já que tinha um amigo para dar tudo que ele precisava.
                    _ Cala a boca! – Daniel gritou sem se importar com quem atravessava a praça – Não fale assim de Thiago.
                    _ Você é mesmo uma piada!
                    _ O que tem o Thiago, meu filho?
                    Quando Daniel pensou que não podia piorar mais, viu sua mãe.
                    _ Mãe...
                    _ A senhora não sabe dona Tereza? Não sabe sobre Daniel e Thiago?
                    _ O que ela está dizendo meu filho, o que está acontecendo?
                    _ Mãe... Não acredita...
                    _ Sim! Sim! Sim! Acredite sim, dona Tereza!  - Roberta chegou-se a mulher com um rosto condolente - Seu filho não conseguiu te contar, mas eu como sua amiga, posso fazer este favor a ele.
                    Abraçou a mulher e chegou a boca bem próxima ao ouvido dela como se fosse sussurrar.
                    _ A senhora quer saber mesmo? Quer saber o que seu único filho esconde da senhora?
                    _ Quero.
                    Daniel chorava desesperado não se não houvesse mais como esconder da sua mãe, talvez ele contasse, mas nunca pensou que seria daquele jeito. Roberta tinha nos olhos o vermelho vivo que movia a vingança. A praça tinha se tornado um anfiteatro, os pedestres haviam parado para prestar atenção na cena que se desenrolava no meio de todos. Ricardo sorria ao longe, José estava próximo, mas sem expressar nada. Algumas pessoas da escola estavam lá também, parecia tudo tão... armado.
                    Olhava para os lados como se estivesse desnorteado, até que a viu. Mais distantes, porém não invisível, ela estava com uma lata de tinta spray vermelha, e sorria, como se estivesse posando para uma foto.
                    _ Patrícia!
                    _Vai ou não falar para mamãe o que você é, Daniel?
                    Sua atenção voltou-se para Roberta.
                    _ Não tenho nada para falar. – as lágrimas desciam quentes de vergonha. Queria sair correndo dali, mas algo o prendia.
                    _ Então eu mesma falo! – voltou-se para o ouvido da mãe – Ele, seu filho é... gay!
                    _ É mesmo, Dani?
                    Ele não conseguia falar, só chorava.
                    _ Sim, é gay! E daqueles que vocês sabem como são. Depravados!
                    _ Dani, meu menino, gay? Meu único filho?
                    Era indescritível o que Daniel sentia, seu peito começou doer, uma pontada atravessou seu coração com uma dor lacerante.
                    _ Gay! – disse Flávia – Bichona!
                    _ Veadinho! – disse Ricardo – Que dó!
                    _ Eu não sou gay! – chorava desesperado – Patrícia, me ajuda!
                    _ É sim! Um gayzinho descarado! – Roberta riu.
                    _ Gay! – algum desconhecido que assistia gritou. E foi seguido por outros.
                    O que se viu depois foi um coro de gente apontando o dedo e o acusando e o humilhando, pessoas que ele nem conhecia, colegas da escola, faziam dele piada e gargalhavam fazendo trejeitos efeminados. A mãe dele só chorava, não tinha como defendê-lo.
                    _ Eu não sou gay! Eu não sou gay! Eu não sou gay! – tentava sobrepor sua voz com a da multidão, mas era em vão.
                    _ Veado! – uma voz desconhecida gritou e jogou-lhe um ovo que pelo cheiro estava podre.
                    Como diria o ditado: “Quando está ruim, se prepare, ainda pode chover”. E choveu.
                    Uma chuva de ovos e tomates caia ferozmente sobre Daniel, como sinal de desprezo e preconceito total de uma cidade interiorana. Em meio aos ovos e tomates, tentava se defender gritando:
                    _ Eu não sou gay! Eu não sou gay! Eu não sou gay!
                    Acordou suado e assustado com o som de vidro quebrando. Estava exausto. Sentiu-se aliviado por tudo aquilo ter sido um sonho.
                    Quando se sentou na cama viu que a janela do seu quarto estava quebrada. Havia sido quebrada naquele instante. Procurou o que tinha quebrado sua janela. Não acreditou quando viu no chão.
                    Uma lata de tinta spray vermelha.
                                                                       Continua....
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