sábado, 22 de setembro de 2012

35| Recaída.



                    _ Daniel! - disse surpreso. – O que faz aqui?
                   _ O que faço aqui? Vim te ver – lançou-se para abraçá-lo e foi respondido – Eu sabia que você não ia me deixar só aqui!
                    _ Eu vou ter que...
                    _ Quero te dizer uma coisa muito importante, mas tem que ser depois. Agora tenho que ir, te mando uma sms para te falar o resto.
                    _ Mas...
                    _ Até mais! – Olhou rapidamente para os dois lados da rua e deu-lhe um beijo.
                    _ Ai meu Deus! Estou encrencado com tudo isso.
                    E estava, porque percebeu os olhos de Daniel brilharem. Sabia que ele estava armando alguma. E no fundo estava gostando disso.
                    Perguntava-se como viveria sem a pessoa que tanto gostava. Agora que estava em sua cidade e ao lado deles, lhe parecia impossível abandoná-los. Foi ao centro da cidade e resolveu algumas pendências em seu nome e no nome da avó, pensou em comprar algumas roupas, mas deixou para fazê-los na nova cidade.
                    Decidiu passar na casa de Roberta, independente de tudo que tinha acontecido, ele mereciam saber, pois eram seus amigos mais próximos, mesmo que não conversassem com tanta freqüência.
                    _ Roberta!
                    _ Thiago, que surpresa tê-lo aqui. Entre.
                    _ Obrigado!
                    _ Como foi a viagem? Saiu tudo como programado?
                    _ Quem é amor? – Ricardo gritou da cozinha.
                    _ É o Thiago!
                    _ Thiago! – perguntou uma voz feminina lá de dentro.
                    Mariah e Ricardo saiam da cozinha para cumprimentá-lo, ela o via ainda com interesse que Thiago percebeu, mas fingiu não perceber. Ricardo foi bem simpático.
                    _ Então, como foi a viagem? – Mariah perguntou curiosa – Deu tudo certo?
                    _ A viagem foi bem tranqüila. O pessoal da agência é muito legal, são tão simpáticos que nem parecem quando os vemos de longe.
                    _ Como ficaram os trabalhos?
                    _ Ficaram lindos, infelizmente não os pude trazer porque são de propriedade da agência. Com relação ao contrato...
                    _ Sim! Nos diga... – Roberta se mostrou curiosa.
                    _ Vocês estão falando com o mais novo contratado da X Models Agency!
                    As meninas gritaram e Ricardo veio abraçá-lo. Apesar de clima de brigas ou desentendimentos, isso sempre passava. Eram amigos de verdade.
                    _ Que coisa boa! Nossa! Que bom, Thiago! Estou muito feliz!
                    _ Que bom! É isso mesmo que quero, essa vitória é de vocês também que torceram para tudo dar certo. E deu!
                    Ricardo voltou da cozinha trazendo copos de suco de laranja.          
                    _ Vamos brindar por isso!
                    _ Com suco de laranja porque modelos têm que manter a forma. – disse Mariah.
                    Todos riram.                                                                                                                    
                    _ Milagre não ver a Flávia aqui. Onde está?
                    _ Ela teve que viajar com os pais e volta daqui a uns cinco dias, mas ela vai morrer quando souber disso, ela torce demais por você! – disse Roberta.
                    _ Um brinde para o mais novo amigo modelo que vai ficar rico, famoso, é lindo, charmoso, simpático, uma delícia...
                    _ Menos, Mariah... Bem menos.
                    _ Hum... Está bem! Enfim... Um brinde! – disse contida.
                    _ E eu... – Thiago tomou distancia como se fosse falar algo importante e o momento exigisse certa formalidade – quero do fundo do meu coração agradecer aos meus amigos que me fortaleceram e me apoiaram em minha decisão. Àqueles que não me julgaram, nem me condenaram. E mesmo sem saber me ajudaram no momento mais doido de minha vida. À vocês, minha vitória.
                    Eles aplaudiram.
                    _ E como fará para trabalhar? Terá que mudar não é?
                    _ Sim! Vou me mudar na segunda-feira, está sendo tudo muito rápido, mas até gosto.
                    _ Já tem lugar para ficar? – perguntou Ricardo pondo o copo na mesa.
                    _ Sim! Vou morar com um amigo da agência. Ele é muito gente boa, agora ele é Produtor de casting, conseguiu esta vaga produzindo meus ensaios.
                    _ E você já tem trabalho para fazer? – Mariah indagou.
                    _ Acho que sim! Descobrirei na segunda! – recebeu uma sms, olhou – Ah! Agora terei que ir, gente muito obrigado mesmo! Eu nunca vou esquecer de vocês, nunca!
                    _ Não esqueça não! Estaremos aqui torcendo para dar tudo certo. – disse Roberta.
                    _ E não se esqueça de mandar notícias, isso se elas não vieram por si sós. – brincou Ricardo.
                    _ Pode deixar...
                    Na saída, quase todos o acompanharam até a porta, mas Mariah foi até a rua.
                    _ Obrigada por tudo.
                    _ Eu quem devo te agradecer, foi um amor de pessoa comigo, mesmo sem me conhecer direito.
                    _ Você merece isso e muito mais.
                    _ Espero que você encontre alguém que te valorize o tanto que você merece. – ele disse.
                    Ela roubou-lhe um beijo. Não perderia a oportunidade. Ele respondeu. Sentia um carinho por ela. Depois a beijou na testa.
                    _ Você é linda!
                    Ela não disse nada.
                    _ Até breve! – virou-se indo embora.
                    Ela suspirou pelo que poderia ter sido. Pelo que terminou sem mesmo começar.
                    _ Eu vi, hein! – disse Roberta quando a amiga voltava.
                    _ Você acha que eu ia perder essa oportunidade? – disse rindo – Ai, que delícia de beijo, meu Deus! Quero mais...
                    _ Lute, talvez consiga conquistá-lo. – entrando e fechando a porta atrás de si.
                    Thiago leu a mensagem:
                                                                                             
                                                                                                                                                                                                                                                       “Oi! ME ENCONTRE NO ZOO AGORA.
                                 ESTOU ONDE FAZIAMOS ACAMPAMENTO
                                 NA ÉPOCA DA ESCOLA. NÃO DEMORE.
                                 ESTOU TE ESPERANDO! - DANIEL”.

                    _ O que será que este menino está aprontando? – se perguntou.
                    Já era fim de tarde quando se dirigiu ao zoológico da cidade que fecharia às cinco, mas eles sempre tiverem um lugar para entrar escondido. Seu coração, como de costume pulsava mais forte a cada passo, mas tinha um sentimento diferente nisso tudo. Sentia-se um traidor. Isso o incomodou bastante, pois não tinha nada com ninguém e não entendia porque desse sentimento, ainda mais que iria se encontrar com o Daniel, alguém que gostava demais. Tentou esquecer.
                    As árvores filtravam a luz cadente do sol que se despedia aos poucos, numa clareira no meio do mato, uma barraca conhecida deles estava armada, em sua frente uma toalha xadrez azul estava estendida no chão próximo a um círculo de pedra que separava do espaço alguns pedaços de madeira e gravetos secos que estavam empilhados.
                    “Ai, meu Deus!” – Thiago já imaginava coisas.
                    _ Oi! – a voz de Daniel veio por trás, assustando-o – Que bom que veio.
                    _ Pois é. Você sabe que não costumo negar um pedido de um amigo, ainda mais como você!
                    _ É... Eu sei!
                    Thiago olhou novamente ao redor.
                    _ Está aqui há muito tempo?
                    _ Não! Vim acampar na quinta-feira, avisei o pessoal do zôo que estaria aqui e enfim. Tudo bem.
                    _ Desde quinta-feira sem contato com a sociedade? Por que isso? Nunca foi assim.
                    _ Estou mais seguro aqui, de tudo e todos. Não quero contato com ninguém.
                    _ Não pode continuar assim. Isso não é bom para você.
                    _ Não sei mais o que é bom para mim.
                    _ Isso vai te fazer mal, Daniel! E não vai poder morar sempre aqui. Tem que encarar o mundo.
                    _ Eu estou completamente perdido em meus pensamentos e sentimentos. Não sei mais o que sou.
                    Sentou-se na toalha xadrez, Thiago não precisou de convite para fazer o mesmo.
                    _ Estou feliz porque você está aqui comigo.
                    _ Sabe... Eu gosto demais de você. Desde que descobri o que sentia sofri do mesmo jeito, no início não queria, pensei que estava confundindo as coisas, mas com o tempo eu percebi que era algo, além disso. – não se olhavam, apenas conversavam vendo as árvores e sempre que os olhares se cruzavam, Thiago desviava – Eu não podia negar para mim mesmo o que sentia, não gosto de mentir para ninguém, por que mentiria para mim mesmo? Então resolvi aceitar o pensamento de que gostava de alguém do mesmo sexo.
                    Parecia uma confissão. Thiago sabia o que seu amigo passava.
                    _ Assumi o que sentia, mas não a condição. Durante anos e anos que fiquei perto de você vi meu sentimento aumentar e se retrair e voltar mais forte e parecer morto, enfim...
                    _ Confusões são inexplicáveis. – disse Daniel como se resumisse.
                    _ Isso! Até que decidi ver o que daria. Surgiu a oportunidade de contar com alguém que foi fundamental e hoje sou extremamente grato a ela. Minha avó foi a primeira, a saber. Minha gratidão será eterna a ela porque ao invés de me julgar secretamente, me apontar como depravado e aberração, ela me acolheu e me compreendeu. Me ouviu, não me disse o que pensava, se era errado ou não, mas apenas me amou.
                    _ Se todos fossem assim...
                    _ Todos não são, e não vou exigir de ninguém que seja. Só exijo respeito! O mesmo que darei, é o que quero ter. – sentia-se contraditório – Acho que eu devia mesmo passar por isso para ser melhor.
                    _ Não quero saber disso agora – disse ele como se pegasse o assunto e o colocasse de lado com as mãos – Eu sei que independente de confusão e tudo que temo e penso a respeito disso que ainda é bastante contraditório, eu não posso negar que... Gosto de você! Por não, eu te amo? Sim, te amo e te quero perto de mim. Eu aceito isso porque me faz bem saber disso, mas não quero assumir essa condição. Não acredito que disse isso.
                    _ Nossa! Você está realmente confuso! Por que não? – ele não tinha essa curiosidade, mas queria saber até onde Daniel iria.
                    _ Meu pai vai me matar, me deserdar, o povo dessa cidade vai me odiar e nem vão encostar em mim. Enfim, um bicho.
                    Thiago se deitou. Já estava com outros pensamentos.
                    _ Vamos esquecer um pouco desse preconceito idiota, e vamos aproveitar a natureza, dela sim vem coisa boa...
                    Daniel estava cansado de pensar nessas coisas, todos os dias que havia acampado pensava em milhares de situações que poderia passar por conta de preconceitos e tantas outras paranóias. Deitou-se.
                    O drama era se assumir.
                    _ Eu trouxe uma coisa.
                    _ O quê?
                     Daniel se levantou e entrou na barraca, voltou com uma caixinha com um pen drive conectado. Deitou-se novamente e escolheu uma música. Thiago sorriu.
                    O Céu já estava estrelado e um vento fresco ainda passeava pela clareira.
                    “Isso não vai prestar...” – pensou o modelo.
                    _ Conhece? – Daniel riu.
                    _ Nunca ouvi. – virou-se e percebeu que estava sendo observado – Não faça isso.
                    _ O quê? Não fiz nada... Ainda!
                    _ Moço, para! Por favor. – eram só palavras – Isso não vai dar certo, você já está todo doido, a ponto de fundir a cabeça de tanto pensamento. Não quero complicar. Pare enquanto é tempo.
                    _ Eu não consigo. Eu não posso. Não quero.
                    Apenas se olhavam, como se gravassem os traços de cada um.
                    _ Só posso estar pagando meus pecados por gostar tanto de você. – Daniel disse.
                    _ Acho que pelas coisas que já fez, você merece.
                    _ Então me faça sofrer como mereço.
                    _ Pensei que nunca fosse pedir...
                   
*****

                    A fogueira já estava acesa. Sobre o capim que cobria a clareira as roupas e os sapatos estavam espalhados.
                    _ Quando perdemos o medo, tudo fica mais legal.
                    _ Não acredito que você disse isso. O que anda comendo aqui?
                    _ Nada. Só luz.
                    Riram.
                    Estavam abraçados, conscientes e totalmente lúcidos. Olhavam para as estrelas. Nem percebiam que estavam rindo, mas Thiago queria o que nunca pensou que desejaria num momento como aquele.
                    A recaída marcava o início do fim.

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