segunda-feira, 3 de setembro de 2012

18| A visita.



                   Um vento frio passava em direção a praça em frente. Thiago chorava nervoso, caminhando pela rua mal iluminada. Nunca, em momento algum de sua vida, esperava que seu melhor amigo reagisse assim diante de uma incerteza.
                    “Ex-amigo!” – pensou limpando a lágrima a que teimava em cair.
                    Queria chorar tudo que tinha para chorar ali, na rua mesmo, não queria deixar nada para casa. Não valia a pena.
                    “Que idiota, otário, imbecil, palhaço, arghhhh!” – gritou no pensamento. Chorou.
                    Ventou mais frio. Não se importava, queria que todos os pensamentos e situações que um dia passaram por sua cabeça fossem levados pelo vento, seria um grande favor. Algumas pessoas passaram correndo, percebeu que o céu estava negro de chuva, que agora caia tímida, mas que com o passar do tempo perdia a vergonha e lavava sem pudor o que estivesse ao seu alcance.
                    Sentado no banco da praça, deixava-se molhar, suas lágrimas eram levadas pela água que escorria de seu rosto. Água fria.
                    _ Que droga! – disse lastimoso. – Que droga!


                    A chuva encharcou tudo e se foi. Depois de respirar profundamente, se endireitou no banco e levou a mão ao rosto limpando e retirando todo excesso de água. Não parecia que havia chorado, mas seu rosto estava abatido. Triste. Tinha descarregado o choro, mas não podia evitar o sentimento que ainda teimava aparecer.
                    Levantou-se, e dirigiu-se lentamente para a casa. Ao passar a porta, encontra-se com duas moças conhecidas. Uma loira de olhos verdes e óculos, e outra de longos cabelos castanhos avermelhados, essa não usava óculos, mas tinha lentes de contato. Elas se levantaram quando perceberam quem havia chegado, ele se espantou, pois havia muito tempo que não recebia visitas tão inusitadas.
                    Flávia e Roberta o receberam com um sorriso de condolência que ele entendeu menos ainda.
                    _ Oi, Thiago! – se adiantou Roberta – Tudo bem?
                    _ Olá! – disse Flávia se apresentando.
                    _ Oi! – a saudação dele quase pareceu uma pergunta. – O que vocês estão fazendo aqui?
                    _ Meu neto! – dona Zita apareceu, vindo da cozinha com xícaras de chocolate quente. – Você está todo ensopado. Meu Deus!
                    _ A chuva me pegou no meio do caminho, minha avó, como a senhora está?
                    _ Bem melhor agora que te vejo, mas vá trocar de roupa, antes que apanhe um resfriado, vá! Eu fico aqui fazendo sala para suas amigas.
                    _ Garotas, eu volto já.
                    _ Não se incomode! – disse Roberta.
                    Tinha um clima de formalidade entre eles, apesar de terem sido muito amigos anteriormente, tudo mudou depois do que havia acontecido para resultar no fim do namoro de Roberta e Daniel.
                    “Agora que eu vi, o que será que essas meninas querem?” – Thiago pensou durante o banho quente que não demorou muito. Antes de entrar na sala se esgueirou para ouvir o que conversavam na sala, mas não era nada demais. Entrou na sala, agora se sentia mais confortável.
                    _ Então moças, o que as trazem ao meu humilde lar. – não estava sendo sarcástico, mas queria ser gentil.
                    _ Enquanto conversam, vou lhe preparar mais chocolate e te trarei uma xícara, meu neto. – saindo da sala.
                    _ Obrigado vovó!
                    _ Sua avó é muito simpática. – disse uma delas.
                    _ Obrigado! Então...
                    Roberta e Flávia se entre olharam.
                    _ Sabemos o que aconteceu no festival com você. – disse Roberta.
                    _ Como assim sabem o que aconteceu comigo?
                    _ O José, meu namorado, foi buscar um casaco que eu tinha esquecido dentro do carro e viu uma movimentação e o carro dos para-médicos, quando ele perguntou sobre o que tinha acontecido disseram que um rapaz havia sido assaltado e havia apanhado dos bandidos. – dizia a Flávia - Ao se aproximar viu o Daniel, desesperado e supôs que fosse você.
                    Thiago abaixou a cabeça.
                    _ Tentamos entrar em contato com vocês, mas não sabíamos como, então pensamos que sua avó poderia nos contar alguma coisa do seu estado... – dizia Roberta ao ser interrompida por ele.
                    _ Vocês não contaram para ela sobre o que aconteceu não é? – assustado.
                    _ Não. Ela não nos deu tempo de perguntar. – contendo o riso.
                    Dona Zita entrava na sala com uma bandeja de prata e sobre ele um bule de porcelana branca e traços dourados que formavam um belo adorno, uma xícara e pires com os mesmos detalhes vinha soltando uma fumaça saborosa de chocolate e canela, ao lado biscoitos doces e amanteigados.
                    _ Este tempinho frio é tudo de bom, não é mesmo! – disse ela depositando a bandeja entre eles.
                    _ Obrigado mãe! Já tomou seus remédios?
                    _ Já sim! Agora está na hora de minha novela. Meninas, foi um prazer vê-las aqui e voltem mais vezes e quantas vezes quiserem.
                    _ Obrigada dona Zita. A senhora é um amor! Voltaremos sim! – disse Roberta, que viu Flávia olhá-la como se perguntasse “Voltar?”.
                    Assim que dona Zita saiu, retornaram a conversa.
                    _ Obrigado por terem sido discretas. E por gentileza, continuem, pois não quero que ela saiba e nem que me tratem diferente por causa disso.
                    As meninas prometeram, mas não entenderam porque o tratariam diferente por ter sido assaltado, mas relevaram. Thiago percebeu que só sabiam parte da história, mas ficou muito agradecido por elas terem se preocupado em visitá-lo. Elas contaram que já tinham ido algumas vezes, mas como ele estava ausente, tentaram mais uma vez naquele dia.
                    Depois de falar como tudo aconteceu e omitindo a parte do estupro, e de comentarem o show um pouco, pareciam que nada tinha acontecido, na realidade, eles gostavam de estar juntos, mas as circunstâncias às vezes nos obrigam a tomar decisões que não queremos.
                    _ Uau! Está ficando tarde Thiago e temos que ir. – disse Flávia.
                    _ É verdade! Não podemos demorar muito.
                    _ Ah não! Fiquem mais um pouco! Tem um tempo grande que não conversamos... – ele relembrou o quão era bom conversar com elas.
                    Olharam-se e não puderam resistir. Sorriram porque sabiam que o plano saíra totalmente do controle.
                    _ Está bem! – disseram juntas como se tivessem ensaiado. E gargalharam.
                    Para Thiago estava sendo um alívio tê-las numa noite tão conturbada e terrível. A conversa girou em torno de várias lembranças que possuíam juntos, brincadeiras e trabalhos de escola, passeios juntos. Em nenhum momento, ninguém falou a respeito da separação de Roberta e Daniel, nem do próprio Daniel, ele não queria que elas se lembrassem disso, elas que ele se espantasse, porém a conversa sempre fluía muito bem.
                    _ Ai, ai! Foi bem interessante este dia... – disse Flávia entre risos – Ei! Deixa-me dizer... E aquele book que você fez? Você ainda o tem?
                    _ Sim!  - disse Thiago – Ele já tem um tempinho já! Está meio velho.
                    _ Pega lá! Queremos vê-lo de novo.
                    Thiago levantou e foi ao quarto pegar um catálogo de fotos que ele havia feito há algum tempo.
                    As meninas, na sala, balançavam a cabeça uma para a outra como se soubessem que não conseguiram naquele dia, mas que tudo estava muito bom, estavam curtindo a noite.
                    _ Nossa Thiago! Que lindo! – disse Roberta ao ver as fotos que mostravam um Thiago mais jovem, mas não menos bonito, tinha cara de adolescente e seu rosto limpo realçava seu sorriso juvenil. – Agora com barba, não é!
                    _ É, o tempo passa.
                    _ É meu filho, mas você tem a habilidade do vinho.
                    _ Oi? – Thiago não entendeu.
                    _ Quanto mais velho melhor! Desculpa José, mas é a verdade! – dizia Flávia entre as gargalhadas.
                    As meninas riram.
                    _ Eu mandei um mais recente para o pessoal da agência que me gerencia, mas não me contataram. – fez uma cara de chocho.
                    _ É um talento perdido no meio do mato. – brincou Flávia.
                    _ É! Fazer o que não é, eles não vêem garimpar por aqui. É sonho antigo...
                    _ Flávia, está na hora de irmos agora! É sério! – disse Roberta olhando no relógio com cara de pena.
                    _ Ah! Nem posso falar mais nada porque já insisti uma vez e não que as mães de vocês briguem.
                    _ O pior é que elas brigam mesmo! Então, está bem! – levantou Flávia para se despedir – Thiago, Obrigada por tudo.  Estamos muito felizes que você está bem, amamos sua avó, mande nosso abraço a ela e podemos vir aqui mais vezes? – Roberta a olhou estranha, Thiago percebeu.
                    _ Pode! – disse rindo achando tudo esquisito.
                    _ Obrigada mais uma vez Thiago, por tudo! – disse Roberta.
                    _ Por nada. Obrigado pela preferência e voltem sempre.
                    _ Virou bar! Amei! – gritou Flávia do meio da rua perto do carro.
                    As meninas se foram e Thiago foi dormir menos abalado por tudo que aconteceu, alguma coisa dizia que sobreviveria a aquilo tudo. Com alguns dias, os três foram estreitando os laços novamente, as meninas ainda tinha a intenção de descobrir o que queriam, mas deixaram que o tempo se encarregasse de lhes mostrar tudo, Thiago não desconfiava de nada.
                    Indo para a escola, Flávia comenta com Roberta:
                    _ Você reparou que o Thiago tem mais andado conosco do que com o fulaninho?
                    _ Sim! Reparei, ele não está andando com o Daniel, será que aconteceu alguma coisa para que se separasse assim?
                    _ Isso pode nos ajudar e muito!
                    _ Vamos ver, se ele quiser comentar conosco, ele falará. Só não podemos perguntar porque senão ele pode deduzir o que queremos de verdade.
                    _ Claro!
                    Ao chegarem, Thiago as encontra e as cumprimenta:
                    _ Olá garotas!
                    _ Oi! – disse Roberta
                    _Gente, vocês não sabem da maior. – Flávia disse empolgada, mas em tom baixo de fofoca.
                    _ A menor cresceu! – Thiago e Roberta gargalharam.
                    Flávia fez uma cara de tédio, e os deixou rir até cansarem.
                    _ Pronto? Posso falar? Ah ta, obrigada! Daniel e mula manca estão namorando! Pronto falei.
                    _ O quê? – Roberta e Thiago perguntam em uníssono, perdendo o sorriso.

Continua...
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