Um vento frio passava em
direção a praça em frente. Thiago chorava nervoso, caminhando pela rua mal
iluminada. Nunca, em momento algum de sua vida, esperava que seu melhor amigo reagisse
assim diante de uma incerteza.
“Ex-amigo!” – pensou
limpando a lágrima a que teimava em cair.
Queria chorar tudo que tinha
para chorar ali, na rua mesmo, não queria deixar nada para casa. Não valia a
pena.
“Que idiota, otário,
imbecil, palhaço, arghhhh!” – gritou no pensamento. Chorou.
Ventou mais frio. Não se
importava, queria que todos os pensamentos e situações que um dia passaram por
sua cabeça fossem levados pelo vento, seria um grande favor. Algumas pessoas
passaram correndo, percebeu que o céu estava negro de chuva, que agora caia
tímida, mas que com o passar do tempo perdia a vergonha e lavava sem pudor o
que estivesse ao seu alcance.
Sentado no banco da praça,
deixava-se molhar, suas lágrimas eram levadas pela água que escorria de seu
rosto. Água fria.
_ Que droga! – disse
lastimoso. – Que droga!
A chuva encharcou tudo e se
foi. Depois de respirar profundamente, se endireitou no banco e levou a mão ao
rosto limpando e retirando todo excesso de água. Não parecia que havia chorado,
mas seu rosto estava abatido. Triste. Tinha descarregado o choro, mas não podia
evitar o sentimento que ainda teimava aparecer.
Levantou-se, e dirigiu-se
lentamente para a casa. Ao passar a porta, encontra-se com duas moças conhecidas.
Uma loira de olhos verdes e óculos, e outra de longos cabelos castanhos
avermelhados, essa não usava óculos, mas tinha lentes de contato. Elas se
levantaram quando perceberam quem havia chegado, ele se espantou, pois havia
muito tempo que não recebia visitas tão inusitadas.
Flávia e Roberta o receberam
com um sorriso de condolência que ele entendeu menos ainda.
_ Oi, Thiago! – se adiantou
Roberta – Tudo bem?
_ Olá! – disse Flávia se
apresentando.
_ Oi! – a saudação dele
quase pareceu uma pergunta. – O que vocês estão fazendo aqui?
_ Meu neto! – dona Zita
apareceu, vindo da cozinha com xícaras de chocolate quente. – Você está todo
ensopado. Meu Deus!
_ A chuva me pegou no meio
do caminho, minha avó, como a senhora está?
_ Bem melhor agora que te vejo,
mas vá trocar de roupa, antes que apanhe um resfriado, vá! Eu fico aqui fazendo
sala para suas amigas.
_ Garotas, eu volto já.
_ Não se incomode! – disse
Roberta.
Tinha um clima de
formalidade entre eles, apesar de terem sido muito amigos anteriormente, tudo
mudou depois do que havia acontecido para resultar no fim do namoro de Roberta
e Daniel.
“Agora que eu vi, o que será
que essas meninas querem?” – Thiago pensou durante o banho quente que não
demorou muito. Antes de entrar na sala se esgueirou para ouvir o que
conversavam na sala, mas não era nada demais. Entrou na sala, agora se sentia
mais confortável.
_ Então moças, o que as
trazem ao meu humilde lar. – não estava sendo sarcástico, mas queria ser
gentil.
_ Enquanto conversam, vou
lhe preparar mais chocolate e te trarei uma xícara, meu neto. – saindo da sala.
_ Obrigado vovó!
_ Sua avó é muito simpática.
– disse uma delas.
_ Obrigado! Então...
Roberta e Flávia se entre
olharam.
_ Sabemos o que aconteceu no
festival com você. – disse Roberta.
_ Como assim sabem o que
aconteceu comigo?
_ O José, meu namorado, foi
buscar um casaco que eu tinha esquecido dentro do carro e viu uma movimentação
e o carro dos para-médicos, quando ele perguntou sobre o que tinha acontecido
disseram que um rapaz havia sido assaltado e havia apanhado dos bandidos. –
dizia a Flávia - Ao se aproximar viu o Daniel, desesperado e supôs que fosse
você.
Thiago abaixou a cabeça.
_ Tentamos entrar em contato
com vocês, mas não sabíamos como, então pensamos que sua avó poderia nos contar
alguma coisa do seu estado... – dizia Roberta ao ser interrompida por ele.
_ Vocês não contaram para
ela sobre o que aconteceu não é? – assustado.
_
Não. Ela não nos deu tempo de perguntar. – contendo o riso.
Dona Zita entrava na sala
com uma bandeja de prata e sobre ele um bule de porcelana branca e traços
dourados que formavam um belo adorno, uma xícara e pires com os mesmos detalhes
vinha soltando uma fumaça saborosa de chocolate e canela, ao lado biscoitos
doces e amanteigados.
_ Este tempinho frio é tudo
de bom, não é mesmo! – disse ela depositando a bandeja entre eles.
_ Obrigado mãe! Já tomou
seus remédios?
_ Já sim! Agora está na hora
de minha novela. Meninas, foi um prazer vê-las aqui e voltem mais vezes e
quantas vezes quiserem.
_ Obrigada dona Zita. A
senhora é um amor! Voltaremos sim! – disse Roberta, que viu Flávia olhá-la como
se perguntasse “Voltar?”.
Assim que dona Zita saiu,
retornaram a conversa.
_ Obrigado por terem sido
discretas. E por gentileza, continuem, pois não quero que ela saiba e nem que
me tratem diferente por causa disso.
As meninas prometeram, mas
não entenderam porque o tratariam diferente por ter sido assaltado, mas
relevaram. Thiago percebeu que só sabiam parte da história, mas ficou muito
agradecido por elas terem se preocupado em visitá-lo. Elas contaram que já
tinham ido algumas vezes, mas como ele estava ausente, tentaram mais uma vez
naquele dia.
Depois de falar como tudo
aconteceu e omitindo a parte do estupro, e de comentarem o show um pouco,
pareciam que nada tinha acontecido, na realidade, eles gostavam de estar
juntos, mas as circunstâncias às vezes nos obrigam a tomar decisões que não
queremos.
_ Uau! Está ficando tarde
Thiago e temos que ir. – disse Flávia.
_ É verdade! Não podemos demorar
muito.
_ Ah não! Fiquem mais um
pouco! Tem um tempo grande que não conversamos... – ele relembrou o quão era
bom conversar com elas.
Olharam-se e não puderam
resistir. Sorriram porque sabiam que o plano saíra totalmente do controle.
_ Está bem! – disseram
juntas como se tivessem ensaiado. E gargalharam.
Para Thiago estava sendo um
alívio tê-las numa noite tão conturbada e terrível. A conversa girou em torno
de várias lembranças que possuíam juntos, brincadeiras e trabalhos de escola,
passeios juntos. Em nenhum momento, ninguém falou a respeito da separação de
Roberta e Daniel, nem do próprio Daniel, ele não queria que elas se lembrassem
disso, elas que ele se espantasse, porém a conversa sempre fluía muito bem.
_ Ai, ai! Foi bem
interessante este dia... – disse Flávia entre risos – Ei! Deixa-me dizer... E
aquele book que você fez? Você ainda o tem?
_ Sim! - disse Thiago – Ele já tem um tempinho já!
Está meio velho.
_ Pega lá! Queremos vê-lo de
novo.
Thiago levantou e foi ao
quarto pegar um catálogo de fotos que ele havia feito há algum tempo.
As meninas, na sala,
balançavam a cabeça uma para a outra como se soubessem que não conseguiram
naquele dia, mas que tudo estava muito bom, estavam curtindo a noite.
_ Nossa Thiago! Que lindo! –
disse Roberta ao ver as fotos que mostravam um Thiago mais jovem, mas não menos
bonito, tinha cara de adolescente e seu rosto limpo realçava seu sorriso
juvenil. – Agora com barba, não é!
_ É, o tempo passa.
_ É meu filho, mas você tem
a habilidade do vinho.
_ Oi? – Thiago não entendeu.
_ Quanto mais velho melhor! Desculpa
José, mas é a verdade! – dizia Flávia entre as gargalhadas.
As meninas riram.
_ Eu mandei um mais recente
para o pessoal da agência que me gerencia, mas não me contataram. – fez uma
cara de chocho.
_ É um talento perdido no
meio do mato. – brincou Flávia.
_ É! Fazer o que não é, eles
não vêem garimpar por aqui. É sonho antigo...
_ Flávia, está na hora de
irmos agora! É sério! – disse Roberta olhando no relógio com cara de pena.
_ Ah! Nem posso falar mais
nada porque já insisti uma vez e não que as mães de vocês briguem.
_ O pior é que elas brigam
mesmo! Então, está bem! – levantou Flávia para se despedir – Thiago, Obrigada
por tudo. Estamos muito felizes que você
está bem, amamos sua avó, mande nosso abraço a ela e podemos vir aqui mais
vezes? – Roberta a olhou estranha, Thiago percebeu.
_ Pode! – disse rindo
achando tudo esquisito.
_ Obrigada mais uma vez
Thiago, por tudo! – disse Roberta.
_ Por nada. Obrigado pela
preferência e voltem sempre.
_ Virou bar! Amei! – gritou
Flávia do meio da rua perto do carro.
As meninas se foram e Thiago
foi dormir menos abalado por tudo que aconteceu, alguma coisa dizia que
sobreviveria a aquilo tudo. Com alguns dias, os três foram estreitando os laços
novamente, as meninas ainda tinha a intenção de descobrir o que queriam, mas
deixaram que o tempo se encarregasse de lhes mostrar tudo, Thiago não
desconfiava de nada.
Indo para a escola, Flávia
comenta com Roberta:
_ Você reparou que o Thiago
tem mais andado conosco do que com o fulaninho?
_ Sim! Reparei, ele não está
andando com o Daniel, será que aconteceu alguma coisa para que se separasse
assim?
_ Isso pode nos ajudar e
muito!
_ Vamos ver, se ele quiser
comentar conosco, ele falará. Só não podemos perguntar porque senão ele pode
deduzir o que queremos de verdade.
_ Claro!
Ao chegarem, Thiago as
encontra e as cumprimenta:
_ Olá garotas!
_ Oi! – disse Roberta
_Gente, vocês não sabem da
maior. – Flávia disse empolgada, mas em tom baixo de fofoca.
_ A menor cresceu! – Thiago
e Roberta gargalharam.
Flávia fez uma cara de
tédio, e os deixou rir até cansarem.
_ Pronto? Posso falar? Ah
ta, obrigada! Daniel e mula manca estão namorando! Pronto falei.
_ O quê? – Roberta e Thiago
perguntam em uníssono, perdendo o sorriso.
Continua...
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