quarta-feira, 22 de agosto de 2012

9| Um segredo.


_ Traído! – esbravejou Daniel
_ Na realidade, trocado! – disse Thiago
_ Você não está ajudando...
_ Encare os fatos, Daniel. Ela te trocou e ponto. Agora, parte para outra. – dizia o amigo, quando viu Daniel o encurralar.
_ De maneira alguma vou deixar que eles fiquem juntos. Está me entendendo? – a raiva o deixava vermelho.
_ Então me diga para quê, com que razão você terminou com ela? Não foi você mesmo quem inventou aquilo tudo para acabar com o namoro?
Aquilo ainda doía na lembrança. Como se enganou tão fácil consigo mesmo. Estava enjoado do relacionamento, parecia que nunca mais teria liberdade. Temia casar. Pareceu que Thiago lia os pensamentos, afinal eram amigos desde pequenos e se conheciam como ninguém.
_ Medo de casar? Um namoro de quatro anos e você tinha medo de casar? Para mim, já era um casamento.
_ Quatro anos passaram muito rápido. E se eu tivesse casado não poderia ter terminado daquele jeito. Sou jovem, não posso casar agora.
_ Pelo que sei a Roberta nunca te pressionou para casar. Nunca a vi falando nada.
_ Para você ela nunca falou, mas sempre ficava vendo coisas de casa e de bebês. Isso me assustou.
Thiago, sem entender muito os argumentos do amigo, ria. Óbvio, que era coisa de mulher.
_ Nunca te entendi, você é meio doido, mas estamos juntos! Já conheço essas suas vontades repentinas do nada.
Daniel o mirou com um olhar agradecido, e foi retribuído carinhosamente. Era um amigo para toda vida. Sempre compartilharam coisas e nada escondiam um do outro. Irmãos? Quase.
Na casa do Thiago, em cima da estante, abaixo de uma fila de livros clássicos, tinha uma montagem com várias fotos dos dois em vários momentos. Um presente de fim de ano que Thiago fez. Dessa montagem só existia mais uma, que estava na casa de Daniel. Ao lado havia uma foto com os pais de Thiago, que haviam morrido num acidente de carro quando ele tinha apenas cinco anos.
Desde o acidente, era a avó quem cuidava dele, mas no último final de semana, ela caiu na cozinha e fraturou a pélvis e teve que passar vários dias no hospital. Thiago não saia de lá neste período, mas assim que retornou, ficou sabendo pelo Daniel tudo que aconteceu.
Ele se interessava na história porque queria ver a felicidade do amigo, mas já tinha se cansado de todo esse joguinho do Daniel.
_ Acho que você devia parar de se preocupar com a Roberta. Ela não está preocupada com sua vida, e você fica aí como um idiota, gastando sua vida, ao invés de aproveitá-la... - disse sabendo que o amigo escutaria, mas não se importaria com o que estava dizendo – Com quem gosta de você de verdade.
_ Thiago! - Daniel arregalou os olhos – Preciso do seu incentivo e não da sua reprovação.
_ Aqui você sabe que não tem um motivador para coisas erradas. Tem um amigo que diz o que tem que ser dito. Se você vacilou quando terminou com a garota e vê que não dá para voltar, parte para outra. Moço, você é mais que isso!
_ Uau! Depois de um argumento desse, não posso falar mais nada. – disse levantando as mãos se rendendo.
_ Dê valor mesmo para que te valoriza! Espere aqui. – Thiago foi ao quarto da avó.
Daniel havia percebido que seu amigo estava diferente. Mais caseiro. Bem mudado na realidade. Não saia mais quando era convidado pelo Daniel. Parecia está evitando alguma coisa. Como eles eram bem transparentes um com o outro, apesar de ver que o amigo diferente, sentia que ele tinha algo que não conseguia expressar, Daniel não quis forçá-lo contar nada. Queria que fosse ao tempo dele. Ou também talvez fosse coisa de sua cabeça.
_ Estava na hora do remédio. – disse Thiago voltando
_ Como está a vó Zita?
_ Bem, graças a Deus! Precisa de muito repouso, mas é uma ótima paciente e nunca reclama. Está assistindo ao filme.
_ Ok. Fale com ela que mandei um beijo e que volto aqui mais tarde para vê-la.
_ Volta mesmo? – Thiago perguntou interessado.
_ Sim! Claro que volto! Ultimamente você é o único que me agüenta. – Daniel disse sorrindo.
_ Que sorte a sua! – retribuiu
_ E azar o seu. – Daniel disse isso dando um abraço no amigo.
_ Obrigado!
Daniel ironicamente com cara de tédio para ele.
_ Vou te dá uma voadora. Não tem do que agradecer... Eu volto, hein!
_Vou esperar.
Daniel entrou no carro que estava estacionado em frente à casa, buzinou e partiu.
Thiago, todo confuso, esperou o carro desaparecer na rua.
Entrou em casa, sentou no sofá onde a pouco o Daniel se encontrava, olhou para a porta-retrato onde os momentos mais legais de sua vida estavam registrados. Eram os mais legais, porque ele mesmo os havia escolhido. Se sentia sortudo por ter um amigo que era tão solícito e prestativo. Muitos não conheciam esse Daniel que ele conhecia.
_ Thiago! – uma voz o chamou de algum lugar.
_ Oi, vó! Estou aqui!
_ Oh meu filho, me faz um favor, sabe aquele filme do gato, que ainda não assisti? Então, coloca esse!
_ Está bem, vó! Deixe-me ver onde está? – pôs-se a procurar o filme – Onde foi que eu pus esse dvd? Jurava que tinha colocado aqui.
_ Daqui eu estou vendo. Vai te morder. – ria dona Zita.
_ Ah! Está aqui! – disse levantando as sobrancelhas, meio envergonhado por não ter percebido o objeto tão perto.
_ O que foi, meu neto? Você ultimamente tem estado estranho demais e bem inquieto. Você fica todo atordoado quando o Daniel vem aqui. Está acontecendo alguma coisa?
Thiago olhou estranhamente para dona Zita que estava deitada na cama, tentou não demonstrar nada, nem expressão alguma.
_ Não, vó! O que poderia está acontecendo? Nada, não é? Pelo amor de Deus!
Dona Zita era idosa, mas o espírito dela era bem contemporâneo. Ninguém, nem mesmo o Daniel com tantos anos de amizade, conheciam o verdadeiro Thiago. Ele parecia muito acessível a todos, mas isso era apenas uma maquiagem. O inacessível foi sendo vencido pela convivência.
_ Meu neto, não é de hoje que te conheço. Te vi nascer e te conheço mais que a mim mesma.
_ Eu, hein? Que conversa estranha, minha vó! – Thiago começou a arrumar rapidamente as coisas sem olhar para a velha – Olha o filme aqui!
Assim que Thiago arrumou tudo e ligou o filme, mostrando que ia sair do quarto, dona Zita disparou:
_ É esse “nada” entre você e Daniel que te deixa assim, não é?
Thiago estancou diante da porta. Não sabia o que dizer, nem como reagir. Uma vontade desesperada de sair correndo surgiu no peito, mas a mesma voz que ele ouvira prometer nunca abandoná-lo, perguntou:
_ Não quer conversar?
Controlou-se. Mil pensamentos o atormentavam e os pesos de decisões que poderiam ser tomadas de ali em diante surgiram fazendo-o não fazer nada. Estava estático.
_ Não há nada que se envergonhar ou temer. Ainda mais de mim. Não quer mesmo conversar?
Virando, encontrou uma mão estendida no ar, e no rosto compreensivo e disposto a ouvir, um sorriso. Não resistiu.
_ Quero! – disse entre lágrimas.

                                                           Continua...
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