quinta-feira, 16 de agosto de 2012

3| O novo alguém de antigamente.


“Acooorda! São 07h! Está começando o programa mais divertido da manhã...”.
Roberta, com muita má vontade, abria os olhos para mais um dia. Na realidade, não era um dia qualquer, era o primeiro dia de solteira depois de quatro anos comprometida. Ela não conseguia acreditar. Esboçou um sorriso, e imaginou que nada daquilo era real, pegaria seu celular e veria a sms que Daniel mandava todo dia.
Pegou o telefone para conferir e viu a mensagem da amiga Flávia: 
Amiga, o que foi que aconteceu, hein? To sabendo que o Daniel terminou com você... Estou indo aí para você me contar como foi no caminho da escola. Fica triste não, ta! Nunca gostei daquele idiota! Você que saiu ganhando! To chegando, bjo!

                _Todo mundo já deve estar sabendo! Aff! – pensou nos olhares de pena que os colegas lançariam a ela. 
           Ela e Daniel eram um casal popular na escola, se no Brasil houvesse a cultura de rei e rainha de baile, com certeza, eles seriam fortes candidatos. A popularidade deles se devia também a forma que o Daniel a havia pedido em namoro, como nessas cenas de cinema.
            _ Beta! Desça antes que você se atrase!
            _ Estou indo, mãe!
            Antônia, mãe de Roberta arrumava a sala e preparava-se para ir trabalhar:
            _ Estou saindo, Beta! Não demore que a van está quase chegando!
            _ Já desci!
            _ Então... – se espantou ao vê-la - Meu Deus do céu! Quem é você e o que fez com minha filha?
            _ Qual é a piada, mãe?
            _ Menina, que olheiras são essas? Estão maiores que minha bolsa! – analisou o rosto da filha segurando com estranheza. – O que houve?
            _ Tive um pesadelo horrível e não consegui dormir depois. Ah! E o Daniel terminou comigo!
            _ O que? Como assim? Por quê? Por que não me contou isso ontem quando chegou? Ah minha filha... Fica assim não... Já sei! Vou ligar para aquele safado e perguntar...
            _ Nem pensar! – interrompeu Roberta, quase berrando – Não precisa mãe! Já estou melhor!
_ O quê? Ninguém faz minha filha chorar horrores e ter essas bolsas que estão quase arrastando no chão, e fica impune!
_ Não, mãe! É sério! Eu vou resolver isso! Se já não estiver resolvido...
_ Está bem! Mas qualquer coisa, qualquer coisa mesmo, você me fala! Jura? – sabia que a filha não gostava que se envolvesse diretamente nos problemas dela. – Isso vai passar!
_ Ok!
Nesta hora, alguém bateu na porta.
_ É a Flávia! Vamos juntas para a escola.
_ Então, fui! Já estou atrasada.
Abriu a porta e Flávia sorridente a cumprimentou e assim que viu a amiga mudou o semblante para compaixão. Ela sabia que Roberta amava Daniel, mas nunca tinha se afeiçoado com ele.
_ Ahhh, amiga! Que dó! – disse abraçando a amiga
_ Oi Flavinha. Pois é... Acabou!
_ Me conta tudo! Por que aquele retardado terminou? Você nunca deu motivo!
_ Pensei que você já sabia! – Roberta riu.
_ Fiquei sabendo do básico pelo Facebook. Deve ser o assunto do dia para quem não tem vida própria.
_ Ah! Vou te contar, então, ou tentar pelo menos...
Roberta e Flávia tinham uma amizade extremamente rara. Cresceram juntas e viviam como irmãs, mas havia algo que nunca as deixava ficar sem falar uma com a outra. Como todas as relações, havia algumas diferenças, no caso delas essas divergências se complementavam. Eram almas gêmeas na amizade.
Durante o percurso de ida para a escola, conversaram muito e Flávia ficou horrorizada com a frieza com que Daniel terminara.
_ Amiga! Aí, tem coisa! Pode ter certeza!
_ Como assim?
_Como assim, o quê? Você já foi mais esperta, Beta! Pensa comigo. Se você não fez nada, nem deu motivo para que ele terminasse o namoro, por que ele terminaria?
_ Ele viu o Thiago me beijar, pensou que eu estava traindo! Que raiva daquele menino!
_ Ele beija bem? - Roberta a fuzilou com o olhar - Está bem, parei! Estava brincando... É que o Thiago é um gato e o genro que minha mãe pediu a Deus, mas não sei, não... Tem alguma coisa que não me desce! Essa história está mal contada. E esse pesadelo, hein? Nossa! Que horrível!
_ Sim! Será que ele significa alguma coisa? – refletiu olhando para fora, pensando no dono da voz do sonho.
Na escola, aconteceu o que Roberta previra, a maioria das meninas a olhava com diferença, um misto de pena e um sentimento que ela não conseguiu decifrar na hora. Fora esse comportamento estranho, e de não ter visto o Daniel, ele não era de faltar, tudo ocorreu quase normalmente.
_ Como assim ela está na diretoria?
_ Roberta, você conhece a Flávia, né? Ela não engole sapo! Envolveu-se numa discussão e acabou parando na sala do diretor.
Ao entrar na sala de espera, viu a Flávia saindo.
_ O que você aprontou dessa vez? – perguntou com uma cara de reprovação.
_ A ordinária nunca mais vai mexer comigo!
_ De quem você está falando?
_ Patrícia, cara de mula manca! Agora tenho que ir, depois apareço em sua casa!
Flávia saiu sem dar muita explicação. Roberta não entendeu direito. Ao passar no corredor soube o motivo. Não foi uma discussão qualquer.
_ O Daniel era muito para Roberta, não sei como que agüentou tanto tempo uma menina tão sem sal como aquela horrorosa! Um garotão lindo daquele desperdiçado com uma Maria - ninguém. – disse Patrícia, sem perceber que a Flávia estava atrás dela.
_ Maria – ninguém é você! Sua cara de mula manca! Se enxerga! Nem sabe se vestir direito e fica dando opinião na vida dos outros. – Flávia falou virando para encará-la.
_ Fulaninha e Maria-ninguém! A dupla do ano! – riu, virando as costas para Flávia que sem pensar puxou o cabelo da garota e a derrubou no chão. Resultado: suspensão.
Mandou um sms para Flávia: “Mais que uma amiga, uma irmã! Obrigado por me defender!”.
Mais tarde, ao chegar em casa, percebeu que teria novos vizinhos, pois um caminhão de mudança e um carro azul-petróleo estavam estacionados na casa da frente. Ela, até que iria lá dar boas-vindas e se apresentar, mas não estava muito a fim de fazê-lo. Olhou de longe, curiosa para ver se via alguém, mas não animou ir até o outro lado.
Depois do almoço, Roberta encostou-se ao sofá e cochilou.
_ Estou voltando! Estou voltando, Roberta! Estou voltando! – disse uma voz grave que ela conhecia - Eu te amo! Me dá mais uma chance! Estou voltando só por você!
Despertou com a imagem da explosão. O sonho era o mais esquisito que havia tido porque o carro do Daniel não era azul-petróleo, e a voz não era a dele... Mas ele que dirigia.
_ Estou assistindo muito filme de ação!
Alguém bateu na porta.
_ Quem é? – levantou para atender, quando ouviu a voz grave do sonho responder.
_ Sou eu! Seu novo vizinho!
Ela, como se recebesse um choque, parou próxima a porta. Aquele tom de voz era inconfundível! Era a mesma voz do sonho. Abriu a porta vagarosamente...
            Viu alguém completamente diferente do que esperava.
            De Converse desgastado, com uma calça jeans desbotada e uma camisa que delineava a boa forma, barba loura por fazer e um sorriso branco e radiante. Os olhos azuis do recém-chegado brilhavam de excitação diante da anfitriã.
Ela não pode esconder a expressão de desconhecimento.
            _ Sabe quem sou, Roberta? – perguntou o rapaz louro que estava se divertindo com a situação.
            Tudo mudou, menos a voz. Como não conhecer seu melhor amigo? Aquele que a amava, mas respeitou a escolha que ela fez quando decidiu ficar com o Daniel e para não sofrer vendo-a com outro, resolveu mudar-se para a Espanha e participar de um intercâmbio.
            _ Ricardo! Não acredito! Como te esquecer? – demonstrou alegria em vê-lo novamente.
            Ele sorriu mais.
_Voltei!
Abraçaram-se carinhosamente. Um abraço que devolveu à memória diversas lembranças de um passado feliz e de várias situações divertidas e que durou tempo suficiente para preparar um macarrão instantâneo.
 

                                                           Continua...
© Copyright Mailan Silveira 2011.Todos os direitos reservados.

Nenhum comentário: