quarta-feira, 29 de agosto de 2012

14| O Festival de Inverno.


A noite estava linda. O céu estrelado dava a certeza de que o festival seria um grande sucesso. Havia uma multidão do lado de fora do espaço dos espetáculos, carros passavam devagar por causa da multidão que se espremia para ter acesso às entradas. Não foi diferente para Ricardo, José e Daniel que procuravam desesperadamente vagas. Por um acaso, os dois primeiros estacionaram, praticamente, juntos bem adiante, e Daniel seguiu para um espaço bem mais na frente, ao passar conseguiu identificar os garotos estacionando. Marcou mentalmente a posição. O estacionamento era muito grande e cercado pelo matagal que envolvia o espaço, já que era afastado da cidade.
Os casais estavam planejando um método para poder entrar, ver os melhores lugares, já que apesar da multidão que cercava o local, temiam ficar em lugares desfavoráveis. Não demorou muito para que Daniel e Thiago passassem pelo grupo. Roberta, Flávia olharam disfarçadamente para que Ricardo e José não percebessem. Os dois rapazes não olharam para elas.
O festival de inverno aconteceu numa área gigantesca estruturada intencionalmente par este fim, realizavam –se naquele local, espetáculos de grande porte. Essa era a vigésima sétima edição do festival que era reconhecido nacionalmente e atraía multidões, pois era realizado um só dia. A fachada externa se perdia de vista tanto para direita como para a esquerda. Um letreiro luminoso brilhava bem acima de todos com o nome do local.
Enfrentar a fila era desafio para Jó. Depois de vários minutos esperando, chegaram na entrada. Que havia um dispositivo luz negra. Como foram orientados no ato da compra, exporam a parte de cima da mão esquerda sob a luz e como num passe de mágica surgiu sobre a pele em luz fluorescente o símbolo da festa e do local e data do evento. Após a constatação da veracidade das marcas passaram por detector de metais e uma rigorosa revista. Então, entraram.
O espaço interno era impressionante, a cobertura era semelhante à de um campo de futebol. Luzes e lasers para todos os lados. As sinalizações eram grandes e claras para que tudo corresse muito bem. Era a primeira vez que estavam indo e ficaram todos deslumbrados com a estrutura do local. O complexo ao lado direito era exclusivamente para alimentação, o da frente era para apresentações, entradas sobre tapetes vermelhos e à esquerda camarotes. Era para onde todos iriam.
            O palco ovalado permitia que todos visualizassem as cenas que ali ocorriam, uma passarela de dez metros cortava a multidão para fazê-los delirar com um contato mais direto com o seu artista preferido.
Estavam todos conversando, fotografando, esperando o início dos espetáculos. De um momento para outro tudo ficou escuro, os gritos invadiram o ambiente, só se via flashs e luzes minúsculas de câmeras e celulares. Um som baixo começou a ganhar volume, os corações pulsavam seguindo seu ritmo, perceberam que era o som de batidas de coração que começaram a serem acompanhados de sinais sonoros compassados, seguido de um sinal contínuo, o coração parou de bater. Letras enormes apareceram no telão: DANCE OU MORRA. 
A sincronia das luzes e seus efeitos fizeram a multidão vibrar ao passo de uma batida eletrônica. A abertura do festival foi esplêndida. Efeitos de áudio e vídeo encantaram todos os convidados. O espaço dos camarotes era muito grande, mas tinha muita gente com uma visão mais privilegiada do palco os convidados dos camarotes também tinham ao seu dispor mais variedades de bebidas e serviços exclusivos que foram muito bem aproveitados por todos. A música estava muito boa.
Algumas bandas principais já haviam tocado e Thiago disse a Daniel que iria ao banheiro, pois até aquele momento não haviam se desgrudado, o amigo consentiu com a cabeça. Os banheiros eram num nível abaixo dos camarotes.
Thiago já lavava as mãos quando dois homens entraram no banheiro. Sem pudor algum, o miraram de cima abaixo:
_ Que delícia de “boy”!
Thiago enxugou as mãos e quando ia saindo um o impediu:
_ Aonde vai tão cedo assim, gatinho?
_ Com licença! Eu quero passar, por favor!
_ Calma! – disse o mais forte.
_ O que é que vocês querem? Nem conheço vocês...
_ Vimos você no camarote e vimos como olha para seu amigo. Pensamos que gostaria de participar conosco de um esquema.
Thiago não acreditava no que ouvia.
_ É óbvio que não! Você é doido! Quero passar, sai da frente seu horroroso.
_ Opa! Olha como fala comigo. – empurrou Thiago que bateu no peito do outro homem que era menor que o outro, porém mais forte que Thiago.
_ Olha aqui cara, numa boa! Não quero confusão, só vim me divertir com meu amigo. Sério! Dá licença.
_ E nós? Nós também viemos nos divertir. E vamos nos divertir com você.
Thiago não percebeu que um dos homens havia sacado uma pequena faca, até o momento que a mesma encostou em seu abdômen.
_ O que é isso? – disse assustado.
_ Fica quieto. Não grite. Vamos dar uma volta.
Acompanhado pelos estranhos, o terror havia se apoderado do rapaz de sorriso fácil, e agora em seus olhos se via o medo.
Daniel, percebendo a demora do amigo, desceu do camarote passando por uma escadaria especial de acesso, seguiu direto um corredor e chegou ao estacionamento.
_ É bom aproveitar que o Thiago ainda não voltou e ir fazer o que tem que ser feito. Furar os pneus e esvaziar um tanque, acho que vai dá um trabalho, mas vai valer a pena.
Estava deserto o estacionamento, afinal era uma área muito grande e onde eles haviam estacionado não estava tão perto das entradas. Daniel andou, apressadamente, para achar os carros e deu várias voltas. A noite já havia esfriado muito, um relógio digital marcava 14° C.
Dois homens fortes passaram por ele correndo em direção ao show. Daniel nem prestou atenção, estava concentrado em achar um carro azul-petróleo, afinal, é uma cor pouco usada.
_ Eu jurava que tinha marcado a droga do lugar. Já andei tanto que nem está valendo a pena.
Andou muito, atravessando carros e mais carros, ia e voltava, andava em círculo até que parou perto da cerca que dividia o estacionamento com o lado de fora que era mato e pôs as mãos na cintura.
“E agora?” – pensou.
E pensou pouco, pois foi interrompido por um barulho no mato, se afastou por medo de ser bicho. Tentou visualizar o que tinha provocado o barulho. Forçou a vista.  E desejou não tê-lo feito.
Aproximou-se mais da cerca, porque se não estivesse concentrado, ou não ouvisse o barulho, nem perceberia nada por ali. No escuro percebeu um corpo deitado, largado.
Levou a mão, como se não acreditasse no que via. A primeira vontade que veio foi de correr, e correr para o mais longe dali. Quando deu um passo para trás e virou-se.
_ Alguém me ajude, por favor...
“Meu Deus do céu! Eu não posso deixar essa pessoa aqui assim. Não mesmo! Está frio demais e com certeza está precisando de ajuda”.
Respirou fundo e procurou desesperadamente uma entrada, uma abertura, um a fenda na grade que o permitisse passar, mais a frente havia um portão que estava escancarado, mas de onde Daniel vinha parecia que nem existia. Deu a volta, e se aproximou da vítima.
O estado em que se encontrava era lamentável. A vítima estava semi- nua. O que antes eram roupas, não passavam de trapos rasgados que se espalhavam por toda parte. O vento frio e cortante passeava entre as arvóres.
“Deve ter sido violentado!” – pensou Daniel vendo os panos rasgados.
_ Me ajuda... Alguém! – dizia a voz que murmurava socorro.
Sujo e ensangüentado, foram as primeiras coisas que Daniel viu quando  conseguiu atravessar o mato que o separava da  vítima, seus olhos marejados. Tinha se esquecido completamente do que foi fazer no estacionamento. Abaixou-se e virou devagar o corpo quase branco cheio de arranhões e hematomas, resultados de luta, no pescoço uma mordaça que anteriormente impedia qualquer grito ou manifestação verbal. As mãos e os pés também estavam amarrados. Tinha medo de machucar mais, se é que seria possível.
Quando os olhos da vítima se encontraram com os de Daniel, choraram copiosamente.
Daniel poderia imaginar tudo, menos aquilo. A sensação que teve foi que uma mão grossa e cheia de calos envolvesse seu coração e começasse a esmagá-lo sem piedade.
_ Que bom que você veio. – entre o choro dolorido, o reconhecimento de ter sido encontrado.
Daniel havia encontrado seu amigo mais que irmão, companheiro de todas as horas. Aquele por quem tinha um carinho muito especial, mas não demonstrava muito para não ser tachado de gay. Afinal, demonstrar sentimentos não é coisa de homem.
Thiago estava sujo e ensangüentado no colo do Daniel.
Havia sido estuprado.


Continua...
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