sábado, 18 de agosto de 2012

5| Armações


Daniel podia esconder de qualquer um, menos de si mesmo que fizera uma burrada. Decidira largar a mulher que amava por um momento de prazer. Deixou-se influenciar por alguém que não tinha nada a perder. Abrira mão de sua namorada de tanto tempo, para simplesmente se acabar numa festa e poder se satisfazer das formas mais liberais.
O importante é que ele acabou antes de traí-la, oficialmente. A necessidade de ser livre o havia cegado. Tirando tudo isso, o que o incomodava é que gostava dela ainda e não queria perdê-la, principalmente para o Ricardo.
Sentado na cama, via a foto que registrava um momento carinhoso com a ex. Nem se lembrou de tirar do mural. Uma onda de lembranças, sem pedir licença, abriu caminho em sua cabeça e as lágrimas caiam arrependidas da última coisa que lhe veio à cabeça.

_ É só isso? Estou atrasado. Tenho que ir.
_ Como assim “Só isso?”, eu estou aqui tentando esclarecer o que aconteceu para você... Você sabe que eu te amo e nós precisamos nos...
_ Não! Não existe mais “nós”. – olhou para o celular – Não me procure mais. Adeus.

            Ficou tão irritado que pegou um copo de água que estava sobre o criado-mudo e o lançou contra a parede.
            _ Daniel? – uma voz feminina perguntou de fora – O que foi?
            _ Nada, mãe. Está tudo bem. O copo caiu e quebrou. Vou catar os cacos...
            _ Cuidado filho.
            _ O que sobrou... – disse baixo – somente os cacos que eu mesmo fiz.
            Começou a recolher os pedaços de vidro, as lembranças teimavam em sua mente. Por que isso tudo? Será que não bastava a culpa de ter sido um idiota e ter dispensado a menina que amava e um dia teve nos braços?
            Hoje, ele não tinha nada para fazer. Não havia festas, nem baladas, nem passeios, nem nada. Se ainda estivesse namorando, iria à casa de Roberta. Descobriu que aquela rotina que antes parecia um castigo era o que ele gostava. Era algo tão recente e ele pensara que depois da trama, seria o cara mais tranqüilo do mundo, mas a consciência pesava. Não tinha sido honesto com ela.
            Sua mente viajava, quando foi despertada pelo líquido rubro que vertia do dedo. Chorou. Não era o corte da mão que causava dor.
            _ Idiota. Idiota!
            Foi ao banheiro tentar estancar o sangue. 
        _ Que droga! Isso é hora de ter ataque de lembranças? Acho que já estou me sentindo completamente culpado e idiota.
       Lembrou de Ricardo. Era um inimigo explícito, sabia que seria difícil. Aquele menino quase a conquistou da primeira vez, se não fosse aquela mentira. Agora ele voltou...
            _ Idiota, idiota. – referia-se ao Ricardo.
            Mirou mais uma vez o retrato colado no mural. Roberta sorria encostada com a cabeça em seu ombro e de olhos fechados, ele ria para a câmera. Um casal lindo.
            "Como ela é linda!" – sentou-se largado na cama e com ele um sentimento desagradável de que uma parte dele mesmo havia sido tirada, e o pior ele mesmo arrancara.
            _ Vou consertar o que fiz. Com ela, ele não fica. – disse com o olhar perdido.

            Um filme de comédia romântica passava, mas a atenção de Ricardo não estava voltada para tv, seus olhos viam Roberta rindo, e buscavam gravar cada detalhe de expressão, como se as feições da moça pudessem saciar a sede que eles sentiam da sua companhia.
Estavam em quatro: Roberta, Ricardo, Flávia e José. Tinham marcado uma sessão cinema na casa da Roberta, mas a idéia toda foi da Flávia, que achava que depois da separação, a amiga tinha ficado meio lerda para algumas questões da vida. Ela tinha dito que faria isso, e Roberta concordou sem saber que ainda tinha uma parte do plano que Flávia não havia lhe contado.
_ Muito bom o filme! Tem outro? Ainda está cedo! – perguntou José
_ Não! Não tem mais filme nenhum, realmente foi muito bom esse aí, mas agora preciso ir embora. – disse Flávia cortando a conversa
_ Mas já? – perguntou Roberta estranhando a vontade repentina da amiga que tinha se animado tanto quando dera a idéia.
_ Sim, amiga. Minha mãe pediu pra eu chegar cedo hoje porque ela quer conversar comigo sei lá o quê! Você sabe como é minha mãe, não é? – olhou para o José – E aí, vamos?
_ Vamos, gata!
Ao se despedir da amiga abraçando-a, Flávia soltou:
_ Se cuida! – ao abraçar o Ricardo – Estou indo embora, viu! Se cuida! Hum!
O silêncio meio constrangedor desceu entre os que ficaram. Resolveram ficar na porta mesmo, estava mais fresco e a noite estrelada convidava para uma conversa boa na varanda.
_ E aí? – Ricardo tímido iniciou – Como você está?
_ Bem! Levando, não é? E você? Terminou tudo com relação ao intercâmbio? E como foi?
_ Sim! Sim! Grande parte resolvida. Lá foi sensacional! Uma experiência muito enriquecedora. Conheci muitos lugares que nunca imaginei estar e que só via em revistas e livros.
_ E as pessoas?
_ Ótimas! Não tenho do que reclamar, me acolheram super bem, ainda mais quando souberam que eu era brasileiro. Eles são bem legais. Lá tem muita gente bonita. Nossa! O que é aquilo, gente? – sorriu
Roberta e Ricardo sempre foram muito abertos em qualquer assunto, era uma amizade limpa e muito sincera.
_ Quer dizer que lá tem muito homem bonito? – ela ria
_ Tem, mas em beleza, as mulheres ganham de lavada! São lindas, lindas e lindas!
_ Você namorou lá? – sem rir, perguntou num tom curioso, olhando para ele. – Sério?
Ainda olhando para frente, respondeu:
_ Sim! Três meses e uma única moça. A Paola.
_ Ela era bonita?
_ Era sim!  Cabelos castanhos, com uma pele brozeda e grandes olhos verdes, mas não deu certo. Não gostava dela o suficiente. Eu me pus no lugar dela e vi que não gostaria que me usassem para esquecer outra pessoa. – então a mirou nos olhos.
Silêncio. Ela baixou a vista.
_ Só ficou com ela esse tempo todo?
_ Foi. Não consigo ser falso, nem mentir, ainda mais para quem eu gosto e decido ter um relacionamento. Você sabe disso.
Agora conversavam olhando nos olhos.
_ Você não foi verdadeiro antes de ir para a Espanha.
_ Fui verdadeiro com você.
_ Não era o que os fatos mostravam.
_ Fatos... – ele fez uma cara resignada
_ O Daniel me levou até lá, eu te vi. – enfatizou – Eu vi, não foi ninguém que me contou.
_ Pensei que você me conhecia o suficiente para saber que eu não seria, nem sou capaz de enganar ninguém, principalmente você.
Eles conversavam normalmente, não era uma briga. Estavam tentando pôr um ponto final numa história mal resolvida.
_ Ricardo, você pode confessar! Já tem tempo e isso ficou para trás.
_ Você confessaria algo que não fez?
Daniel, há muito, já tinha resolvido ir à casa da Roberta conversar com ela e tentar reconciliar-se, quando chegou próximo a casa ele viu de longe o casal sentado na porta conversando, mas nada pôde escutar. Então se escondeu e ficou de vigia para ver se rolava alguma coisa entre eles. Tentou leitura labial, apertou os olhos, mas nada.
Roberta não respondeu.
_ Confessaria? Mesmo que tudo estivesse contra você? – ele levantou e a encarou.
            _ Não. – abaixou a cabeça, pois lhe havia ocorrido algo. – A pior coisa é ser julgada por algo que não fez e pagar por isso.
_ Então... Não me peça isso. – cabisbaixo – Acho que está tarde, tenho que ir.
Sem se despedirem, ele atravessou a rua e entrou em casa. Ao ver isso, Daniel pensou em ir até lá, mas seria muito estranho aparecer logo depois, resolveu ir para casa e depois procurá-la. Pelo menos nada aconteceu e pelo visto estava melhor do que imaginava.
O plano de Flávia de juntá-los, aquela noite, havia falhado. Roberta ficou sentada na porta, já tinha acompanhado uma história semelhante.
                                                          


                                                                                  Continua...
© Copyright Mailan Silveira 2011.Todos os direitos reservados.

Nenhum comentário: