A cena
deprimente que Daniel via, o enojava e ao mesmo tempo, o afligia. Thiago estava
desacordado em seu colo, e não conseguia pensar em um único jeito de pedir
socorro, num lugar tão distante.
_ O
celular! – achou-se estúpido por não ter lembrado antes, mas eram tantos
pensamentos e sentimentos que não conseguia raciocinar – espera um pouco meu
amigo, espera um pouco...
Estava tão
trêmulo que não conseguia discar os três números de emergência.
_ Ai que
raiva!
_ Emergência!
_ Alô, emergência! Por favor,
pelo amor de Deus, meu amigo foi assaltado e eu o achei todo ferido e
ensangüentado aqui no festival de inverno, moça a gente precisa de ajuda
urgente, ele está inconsciente.
_ Me passe
a localização correta.
_ Estamos
no mato ao lado bem próximo do estacionamento da arena do festival de inverno.
Ala V17.
_ A unidade
móvel do festival de inverno foi informada e já está se direcionando ao local.
Peço por gentileza, que mesmo sendo difícil, mantenha a calma e espere pela
ajuda.
_ Calma,
amigo, calma! A ajuda está chegando! Fica forte! Eu estou aqui.
Daniel viu
uma luz se passar e parar mais a frente.
_ Aqui! Aqui!
Os
paramédicos passaram com dificuldade pelo mato, mas chegaram rápido, Thiago
estava deitado e desacordado coberto pela camisa do Daniel que chorava
silenciosamente. Prestaram os primeiros socorros e imobilizaram o jovem ferido
e o puseram na ambulância. Daniel os seguiu para dar depoimento a polícia.
Foi uma
noite estafante para Daniel. Por sorte, os documentos do Thiago estavam
próximos ao local do crime. Voltando da delegacia, passou por um supermercado
vinte e quatro horas para comprar alguma coisa de comida e bebida, no corredor
de mídias lembrou-se do amigo, não demorou muito, chegou onde o Thiago estava
internado.
No apartamento do Hospital Geral
da cidade, cansado sobre o sofá, Daniel não conseguia dormir. A tv do quarto
estava desligada, a todo o momento ia até a cama para ver o amigo. O rosto
arranhado e alguns hematomas marcavam o rosto do Thiago.
Já eram onze da manhã e pelo que ele contava
já estava quase na hora de irem para casa.
_ O que é
que eu vou falar par avó Zita, meu Deus? – falou num tom baixo.
_ Nada! –
disse a voz rouca que assustou Daniel – Não é preciso dizer nada não, meu
amigo.
Levantou-se
de súbito quando percebeu o amigo acordado.
_
Thiaguinho... – os olhos marejaram de novo – Como você está meu querido? Como
se sente?
_ Para ser
sincero?
_ Sempre!
_ Horrível!
Minha boca tem um gosto ruim. – sorriu devagar
_ Dói
alguma coisa?
Thiago
tentou se mexer e parou de imediato.
_ Sim! Dói!
Minhas costas estão doendo muito, minha cabeça também dói, e... Está doendo
mesmo!
Daniel
apertou a campainha e uma enfermeira apareceu.
_ Ele
acordou.
_ Olá,
Thiago! Meu nome é Sandra, sou a enfermeira responsável por você. Como se
sente?
_ Oi, sra.
Sandra.
_ Só Sandra, por gentileza.
_ Está bem, Sandra. Minha cabeça
e meu corpo doem está muito incômodo. Minha boca tem um gosto ruim e esquisito
também.
_ Sei... – analisava o prontuário
– As dores são normais, porque no assalto, os bandidos te bateram muito e o
gosto ruim na boca é por causa da medicação.Vou pegar uns medicamentos para
dores e volto.
Sandra saiu.
_ Não é necessário falar como
minha avó sobre o que aconteceu.
_ Thiago, você foi vítima de um
crime. De jeito nenhum ela tem que saber. – disse Daniel indignado.
_ Sou eu quem está pedindo.
Então, por favor, respeite minha vontade.
_ Tudo bem. Se é assim que você
quer.
_ Então você vai ficar lá em
casa. Até ficar bem melhor.
_ Está certo, aceito.
_ Precisamos ligar para ela,
deixa que eu ligo.
Pegou o telefone e discou o
número da casa do Thiago.
_ Alô! – disse a voz conhecida
do outro lado da linha.
_ Minha avó, oi!
_ Oi! É o Daniel, não é?
_ Sim! Sou eu, minha avó. Tudo
bem?
_ Estou bem, meu filho, como
está o Thiago?
_ O Thiago – olhando-o com
expressão – Está bem. Está aqui comigo, não bem comigo na realidade, está no
banheiro agora.
_ Ah está bem! Meu coração
apertou hoje, e temi que alguma coisa tivesse acontecido com vocês.
_ Pois então – cortou Daniel –
Estou ligando para saber se o Thiago pode passar essa semana lá em casa. Meus
pais vão viajar e é ruim ficar só lá em casa.
_ Daniel, não precisa pedir
essas coisas. Claro que pode!
_ E a senhora, está tudo bem aí?
_ Claro! Estou fazendo tudo já.
_ Eita
coisa boa, não é? Então está ótimo, um beijo e assim que chegarmos em casa nos
avisamos.
_ E as
roupas do Thiago para ir para sua casa, menino?
_ Precisa não, ele usa uma minha lá!
Viu? Beijo.
_ Daniel, estou quase crendo que
você está me escondendo alguma coisa.
_ Oi, como assim? – tremeu a voz – o
que eu esconderia?
_ Acho que quem tem que falar isso é
você! Você não está me escondendo nada não, não é mesmo? Vocês fizeram coisa
errada?
_ O que é isso, minha avó? De modo
nenhuma, nada disso.
_ Ai! Ai!
_ Era só isso?
_ Só! Um beijo e cuidem-se! Tchau!
_ Beijão! – desligou o celular e
respirou – Ufa! Esta velha parece que tem sexto sentido, nossa!
_ Você não viu nada. Ela é tensa
demais! E essa desculpa de seus pais viajando?
_ E estão mesmo! Agora, descansa aí,
os resultados dos exames, saem, mais tarde e à noite retornaremos para casa.
_ Deixa eu te perguntar uma coisa.
_ Fala.
_ O que é que você estava fazendo
por ali? Não era para você está lá dentro?
Daniel se lembrou do motivo que o
levara ao estacionamento, percebeu que a essa hora Ricardo e Roberta estariam
longe, em suas casas, sem ao menos saber pelo que estava passando ou o que
poderiam passar se nada daquilo acontecesse. Sentiu-se um idiota.
_ Para ser sincero?
_ Sempre!
_ Porque sou um idiota! Um burro que
não tem se quer noção do que quer e não pensa nas coisas que faz. – sentiu-se
envergonhado - Estava gastando minha vida por causa dos outros.
Thiago abaixou o rosto.
_ Mas você como sempre não deixou eu
fazer uma besteira.
_ Ainda bem. –fechou os olhos
tentando descansar.
“Às vezes, o amor dura, mas às vezes
ao invés disso ele nos fere.” – Daniel lembrou do que o amigo disse no
carro.
Mais à noite, Thiago recebeu alta e
ambos voltaram para a casa de Daniel. No caminho de volta se repetiu o silêncio
da ida apesar de terem assunto, mas esse era muito desagradável. Daniel
perguntou se havia algum incomodo, Thiago apenas balançou a cabeça indicando um
pouco de desconforto. Na esperança de melhorar o ambiente para o amigo, ligou o
som e pôs um cd.
_ Comprei para você, podemos ouvi-lo
durante a volta?
_ Você não me mostrou, nem me falou
na realidade sobre este cd. Quem canta?
_ Vamos ver!
Uma voz feminina aveludada e muito
agradável encheu o carro. Thiago não pode conter o sorriso.
_ Ah, não acredito! Daniel, não
precisava. Nossa!
_ Fui ao supermercado e o vi lá,
lembrei de você, “brow”! Você disse que gostava. – dando ao amigo a capa.
_ Demais!
_ É! Olha aqui mano, eu sei que isso não vai consertar
nada disso que aconteceu, mas eu queria te pedir perdão! Fui eu quem insistiu
para que você viesse e...
_ Não tem o que perdoar. Você não saberia que isso ia
acontecer.
_ Mesmo assim, eu quero seu perdão, “véi”! Você é meu
irmão, meu amigão e eu sinto muito pelo que aconteceu.
_ Não sinta. A culpa não é sua.
Daniel não insistiu mais.
_ Amei o cd. Valeu!
_ Que bom que você gostou!
Chegaram à noite na casa de Daniel.
_ Quantos dias seus pais ficarão fora?
_ Dez dias mais ou menos, estão em Floripa!
_ Ah! Que vida boa!
Alguns dias se passaram e estava tudo muito bem. Os
medicamentos que Thiago precisava tomar foram comprados por Daniel que se
sentia na obrigação de ajudar o amigo, apesar deste não tê-lo obrigado a isso.
Certa noite, Thiago viu que Daniel tinha ido ao banho e
resolveu ligar para dona Zita, do quarto de onde estava disse a avó que tudo
corria bem e que estava tranquilo com relação ao Daniel, disse também que
Daniel lhe presenteou um cd, mas não contou o porquê disso. Dona Zita fazia de
tudo para ser a avó mais moderna possível.
_ Sério? Nossa, que lindo! Eu não disse que ele está meio
afim, acho que isso é do subconsciente!
Thiago olhou para o aparelho celular com uma cara
estranha como se não acreditasse que sua avó poderia ser tão adolescente assim.
Sabia que ela queria agradá-lo de qualquer jeito e era grato por isso. Essas
conversas com ela o divertiam muito e de tão distraído que estava não reparou
que Daniel passava pelo corredor.
_ Dona Zita! A senhora está me surpreendendo a cada dia,
está melhor que a encomenda. – ria, mas voltou a ficar meio sério – ele ainda
não sabe que gosto dele.
Daniel ficou estático, com a mão sobre a boca como sinal
de espanto pelo que descobrira, pensou em ficar mais para não ter uma
interpretação errônea de uma conversa que não escutara direito.
_ Ele está no banho, agora! Eu, durante esse tempo,
pensei muito em que fazer com relação ao que sinto pelo Daniel. Minha amizade
com ele é muito valiosa para correr o risco de perdê-la.
“Ele gosta de mim! É esse o segredo! Meu Deus do céu! Meu
amigo é...” – pensava Daniel sem acreditar no que ouvia.
_ Minha avó... Não... Eu sei. Claro! Eu vou falar com ele
sobre isso, mas eu quero estar mais preparado! Ele sabe que tenho um segredo,
por causa do sonho que tive com ele e falei enquanto dormia, mas não sabe que
era isso. Se desconfiou não me falou, ainda.
_ Meu neto, enquanto isso você fica aí sofrendo? É sério!
Porque você não arruma outro?
_ Arrumar outro? Eu gosto dele. Só dele. Ele é diferente,
é o primeiro e único, mas enfim, agora eu tenho que desligar porque ele está
quase saindo banho.
_ Vê se resolve logo isso. – disse dona Zita
_ Está bem! Está bem! Até mais.
_ Não está esquecendo de nada não? – dona Zita perguntou
como se algo muito importante estava faltando.
Thiago pensou, e rapidinho lembrou:
_ Ah! Sua benção, minha avó!
_ Agora sim! Deus te abençoe e juízo aí sozinhos, hein!
_ Ai! Ai!
Quando desligou o celular e levantou da cama, qual não
foi a surpresa de ver Daniel na porta, parado.
_Gay! – completou o pensamento em voz. – Foi isso mesmo
que eu ouvi, Thiago? Você é gay?
Continua...
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