quinta-feira, 30 de agosto de 2012

15| Telefone sem fio.


            A cena deprimente que Daniel via, o enojava e ao mesmo tempo, o afligia. Thiago estava desacordado em seu colo, e não conseguia pensar em um único jeito de pedir socorro, num lugar tão distante.
            _ O celular! – achou-se estúpido por não ter lembrado antes, mas eram tantos pensamentos e sentimentos que não conseguia raciocinar – espera um pouco meu amigo, espera um pouco...
            Estava tão trêmulo que não conseguia discar os três números de emergência.
            _ Ai que raiva!
_ Emergência!
_ Alô, emergência! Por favor, pelo amor de Deus, meu amigo foi assaltado e eu o achei todo ferido e ensangüentado aqui no festival de inverno, moça a gente precisa de ajuda urgente, ele está inconsciente.
            _ Me passe a localização correta.
            _ Estamos no mato ao lado bem próximo do estacionamento da arena do festival de inverno. Ala V17.
            _ A unidade móvel do festival de inverno foi informada e já está se direcionando ao local. Peço por gentileza, que mesmo sendo difícil, mantenha a calma e espere pela ajuda.
            _ Calma, amigo, calma! A ajuda está chegando! Fica forte! Eu estou aqui.
            Daniel viu uma luz se passar e parar mais a frente.
            _ Aqui! Aqui!
            Os paramédicos passaram com dificuldade pelo mato, mas chegaram rápido, Thiago estava deitado e desacordado coberto pela camisa do Daniel que chorava silenciosamente. Prestaram os primeiros socorros e imobilizaram o jovem ferido e o puseram na ambulância. Daniel os seguiu para dar depoimento a polícia.
            Foi uma noite estafante para Daniel. Por sorte, os documentos do Thiago estavam próximos ao local do crime. Voltando da delegacia, passou por um supermercado vinte e quatro horas para comprar alguma coisa de comida e bebida, no corredor de mídias lembrou-se do amigo, não demorou muito, chegou onde o Thiago estava internado.
No apartamento do Hospital Geral da cidade, cansado sobre o sofá, Daniel não conseguia dormir. A tv do quarto estava desligada, a todo o momento ia até a cama para ver o amigo. O rosto arranhado e alguns hematomas marcavam o rosto do Thiago.
 Já eram onze da manhã e pelo que ele contava já estava quase na hora de irem para casa. 
            _ O que é que eu vou falar par avó Zita, meu Deus? – falou num tom baixo.
            _ Nada! – disse a voz rouca que assustou Daniel – Não é preciso dizer nada não, meu amigo.
            Levantou-se de súbito quando percebeu o amigo acordado.
            _ Thiaguinho... – os olhos marejaram de novo – Como você está meu querido? Como se sente?
            _ Para ser sincero?
            _ Sempre!
            _ Horrível! Minha boca tem um gosto ruim. – sorriu devagar
            _ Dói alguma coisa?
            Thiago tentou se mexer e parou de imediato.
            _ Sim! Dói! Minhas costas estão doendo muito, minha cabeça também dói, e... Está doendo mesmo!
            Daniel apertou a campainha e uma enfermeira apareceu.
            _ Ele acordou.
            _ Olá, Thiago! Meu nome é Sandra, sou a enfermeira responsável por você. Como se sente?
            _ Oi, sra. Sandra.
_ Só Sandra, por gentileza.
_ Está bem, Sandra. Minha cabeça e meu corpo doem está muito incômodo. Minha boca tem um gosto ruim e esquisito também.
_ Sei... – analisava o prontuário – As dores são normais, porque no assalto, os bandidos te bateram muito e o gosto ruim na boca é por causa da medicação.Vou pegar uns medicamentos para dores e volto.
Sandra saiu.
_ Não é necessário falar como minha avó sobre o que aconteceu.
_ Thiago, você foi vítima de um crime. De jeito nenhum ela tem que saber. – disse Daniel indignado.
_ Sou eu quem está pedindo. Então, por favor, respeite minha vontade.
_ Tudo bem. Se é assim que você quer.
_ Então você vai ficar lá em casa. Até ficar bem melhor.
_ Está certo, aceito.
_ Precisamos ligar para ela, deixa que eu ligo.
Pegou o telefone e discou o número da casa do Thiago.
_ Alô! – disse a voz conhecida do outro lado da linha.
_ Minha avó, oi!
_ Oi! É o Daniel, não é?
_ Sim! Sou eu, minha avó. Tudo bem?
_ Estou bem, meu filho, como está o Thiago?
_ O Thiago – olhando-o com expressão – Está bem. Está aqui comigo, não bem comigo na realidade, está no banheiro agora.
_ Ah está bem! Meu coração apertou hoje, e temi que alguma coisa tivesse acontecido com vocês.
_ Pois então – cortou Daniel – Estou ligando para saber se o Thiago pode passar essa semana lá em casa. Meus pais vão viajar e é ruim ficar só lá em casa.
_ Daniel, não precisa pedir essas coisas. Claro que pode!
_ E a senhora, está tudo bem aí?
_ Claro! Estou fazendo tudo já.
            _ Eita coisa boa, não é? Então está ótimo, um beijo e assim que chegarmos em casa nos avisamos.
            _ E as roupas do Thiago para ir para sua casa, menino?
            _ Precisa não, ele usa uma minha lá! Viu? Beijo.          
            _ Daniel, estou quase crendo que você está me escondendo alguma coisa.
            _ Oi, como assim? – tremeu a voz – o que eu esconderia?
            _ Acho que quem tem que falar isso é você! Você não está me escondendo nada não, não é mesmo? Vocês fizeram coisa errada?
            _ O que é isso, minha avó? De modo nenhuma, nada disso.
            _ Ai! Ai!
            _ Era só isso?
            _ Só! Um beijo e cuidem-se! Tchau!
            _ Beijão! – desligou o celular e respirou – Ufa! Esta velha parece que tem sexto sentido, nossa!
            _ Você não viu nada. Ela é tensa demais! E essa desculpa de seus pais viajando?
            _ E estão mesmo! Agora, descansa aí, os resultados dos exames, saem, mais tarde e à noite retornaremos para casa.
            _ Deixa eu te perguntar uma coisa.
            _ Fala.
            _ O que é que você estava fazendo por ali? Não era para você está lá dentro?
            Daniel se lembrou do motivo que o levara ao estacionamento, percebeu que a essa hora Ricardo e Roberta estariam longe, em suas casas, sem ao menos saber pelo que estava passando ou o que poderiam passar se nada daquilo acontecesse. Sentiu-se um idiota.
            _ Para ser sincero?
            _ Sempre!
            _ Porque sou um idiota! Um burro que não tem se quer noção do que quer e não pensa nas coisas que faz. – sentiu-se envergonhado - Estava gastando minha vida por causa dos outros.
            Thiago abaixou o rosto.
            _ Mas você como sempre não deixou eu fazer uma besteira.
            _ Ainda bem. –fechou os olhos tentando descansar.
            “Às vezes, o amor dura, mas às vezes ao invés disso ele nos fere.” – Daniel lembrou do que o amigo disse no carro.
            Mais à noite, Thiago recebeu alta e ambos voltaram para a casa de Daniel. No caminho de volta se repetiu o silêncio da ida apesar de terem assunto, mas esse era muito desagradável. Daniel perguntou se havia algum incomodo, Thiago apenas balançou a cabeça indicando um pouco de desconforto. Na esperança de melhorar o ambiente para o amigo, ligou o som e pôs um cd.
            _ Comprei para você, podemos ouvi-lo durante a volta?
            _ Você não me mostrou, nem me falou na realidade sobre este cd. Quem canta?
            _ Vamos ver!
            Uma voz feminina aveludada e muito agradável encheu o carro. Thiago não pode conter o sorriso.
            _ Ah, não acredito! Daniel, não precisava. Nossa!
            _ Fui ao supermercado e o vi lá, lembrei de você, “brow”! Você disse que gostava. – dando ao amigo a capa.
            _ Demais!
            _ É! Olha aqui mano, eu sei que isso não vai consertar nada disso que aconteceu, mas eu queria te pedir perdão! Fui eu quem insistiu para que você viesse e...
            _ Não tem o que perdoar. Você não saberia que isso ia acontecer.
            _ Mesmo assim, eu quero seu perdão, “véi”! Você é meu irmão, meu amigão e eu sinto muito pelo que aconteceu.
            _ Não sinta. A culpa não é sua.
            Daniel não insistiu mais.
            _ Amei o cd. Valeu!
            _ Que bom que você gostou!                   
            Chegaram à noite na casa de Daniel.
            _ Quantos dias seus pais ficarão fora?
            _ Dez dias mais ou menos, estão em Floripa!
            _ Ah! Que vida boa!
            Alguns dias se passaram e estava tudo muito bem. Os medicamentos que Thiago precisava tomar foram comprados por Daniel que se sentia na obrigação de ajudar o amigo, apesar deste não tê-lo obrigado a isso.
            Certa noite, Thiago viu que Daniel tinha ido ao banho e resolveu ligar para dona Zita, do quarto de onde estava disse a avó que tudo corria bem e que estava tranquilo com relação ao Daniel, disse também que Daniel lhe presenteou um cd, mas não contou o porquê disso. Dona Zita fazia de tudo para ser a avó mais moderna possível.
            _ Sério? Nossa, que lindo! Eu não disse que ele está meio afim, acho que isso é do subconsciente!
            Thiago olhou para o aparelho celular com uma cara estranha como se não acreditasse que sua avó poderia ser tão adolescente assim. Sabia que ela queria agradá-lo de qualquer jeito e era grato por isso. Essas conversas com ela o divertiam muito e de tão distraído que estava não reparou que Daniel passava pelo corredor.
            _ Dona Zita! A senhora está me surpreendendo a cada dia, está melhor que a encomenda. – ria, mas voltou a ficar meio sério – ele ainda não sabe que gosto dele.
            Daniel ficou estático, com a mão sobre a boca como sinal de espanto pelo que descobrira, pensou em ficar mais para não ter uma interpretação errônea de uma conversa que não escutara direito.
            _ Ele está no banho, agora! Eu, durante esse tempo, pensei muito em que fazer com relação ao que sinto pelo Daniel. Minha amizade com ele é muito valiosa para correr o risco de perdê-la.
            “Ele gosta de mim! É esse o segredo! Meu Deus do céu! Meu amigo é...” – pensava Daniel sem acreditar no que ouvia.
            _ Minha avó... Não... Eu sei. Claro! Eu vou falar com ele sobre isso, mas eu quero estar mais preparado! Ele sabe que tenho um segredo, por causa do sonho que tive com ele e falei enquanto dormia, mas não sabe que era isso. Se desconfiou não me falou, ainda.
            _ Meu neto, enquanto isso você fica aí sofrendo? É sério! Porque você não arruma outro?
            _ Arrumar outro? Eu gosto dele. Só dele. Ele é diferente, é o primeiro e único, mas enfim, agora eu tenho que desligar porque ele está quase saindo banho.
            _ Vê se resolve logo isso. – disse dona Zita
            _ Está bem! Está bem! Até mais.
            _ Não está esquecendo de nada não? – dona Zita perguntou como se algo muito importante estava faltando.
            Thiago pensou, e rapidinho lembrou:
            _ Ah! Sua benção, minha avó!
            _ Agora sim! Deus te abençoe e juízo aí sozinhos, hein!
            _ Ai! Ai!
            Quando desligou o celular e levantou da cama, qual não foi a surpresa de ver Daniel na porta, parado.
            _Gay! – completou o pensamento em voz. – Foi isso mesmo que eu ouvi, Thiago? Você é gay?
           


Continua...
© Copyright Mailan Silveira 2011.Todos os direitos reservados.

Nenhum comentário: