Thiago sentou-se na beira da
cama. Não sabia se olhava para o chão ou para as flores que estampavam o jogo
de cama. Os olhos estavam marejados e seu rosto vermelho. O olhar pedia com
desespero para que não fosse julgado. Segurou a mão estendida da avó que sorria
serenamente.
_ Calma, estou
aqui. O que está acontecendo, meu neto?
_Eu... Eu... Eu
não sei minha vó! Não sei o que está acontecendo comigo... – disse entre o
choro.
_ Calma! Não
tem por que ficar nervoso. – tentava acalmá-lo
Ele respirou
fundo. Tentava o máximo não chorar.
_ Estou
confuso minha vó. Não sei mais o que sou. Venho tendo uns pensamentos a
respeito do Daniel que nunca havia pensado antes. Não sei se um amigo de
verdade pensaria assim.
_ Que tipo de
pensamentos?
Demorou um
pouco a responder:
_ Acho que às
vezes o Daniel perde o senso. Fica louco. Ele me contou que fica de tocaia,
vigiando a Roberta. Me disse que foi na casa do Ricardo ameaçá-lo se ele se
aproximasse dela.
Dona Zita fez
cara de desapontada, mas continuou.
_ Isso é
passageiro, quando a gente ama...
__... Fazemos
de tudo para ficarmos com quem amamos. – ele completou.
_ E você já
falou com ele para não atrapalhar a vida da moça? Se ele gosta devia pelo menos
respeitar a decisão dela de não ficar com ele.
_ É aí que
está o problema! A disputa entre o Ricardo e o Daniel é de longa data. Eles não
se aguentam. Daniel tem aversão ao Ricardo.
_ Sei... mas
era isso mesmo que você queria falar?
Thiago não
queria esconder, mas o medo era maior. Demorou tanto para pensar que se
denunciou.
_ Não! Não era
isso. – abaixou a cabeça.
_ Então... Estou
esperando.
_ Minha vó, me
prometa que não vai pensar mal de mim. Eu não sei nem como explicar isso, mas é
que...
_ Ei! Em
momento algum, farei isso! Tem minha palavra.
Olharam-se nos
olhos. Ele se sentiu seguro.
_ De um tempo
pra cá eu tenho pensando muito na vida, e percebi que... Que... Eu gosto do
Daniel – abaixou a cabeça, fechando os olhos. Não sentia vergonha do que
dissera, e sim medo pela reação da avó. Seu pior medo era decepcioná-la. – mais
do que um amigo poderia gostar.
Dona Zita
apertou sua mão e sorriu graciosamente mais uma vez.
_ Desde quando
você sente isso?
_ Desde o
momento que o vi pela primeira vez na escola, quando a gente se aproximou e
nossa amizade cresceu.
_ Então quer
dizer que as namoradas que você teve foi para tentar esquecê-lo?
_ Não. De
jeito nenhum. Não sou desses que tenta esquecer alguém com outra pessoa. Acho
injusto. Eu gosto de meninas também, mas com o Daniel tem uma coisa que não
sei. Quando começo pensar nisso fico confuso. Ele me deixa confuso.
_ Você já
demonstrou isso a ele?
_ Não, não!
Ele me bateria, me falaria mal e nossa amizade iria para o ralo. Ele é
preconceituoso e prefiro manter assim.
_Você já se
relacionou com outros homens?
Thiago sorriu.
_ Não,
ainda... Nunca reparei em outros homens. Só o Daniel que me perturba.
_ Hum.
Independente de tudo, Thiago, eu te amo, e agora mais ainda. Sua preferência
sexual não importa para mim. Eu quero sua felicidade. No meu tempo, esse
comportamento era encarado com muito mais preconceito, não que hoje o
preconceito acabou, mas podemos ver que esse tipo de comportamento é visto com
mais naturalidade. Seja feliz e é isso que importa. Só te peço uma coisa...
_ O quê?
_ Não se deixe
levar por qualquer um. Sei que você é um menino sério porque confio na educação
que te dei. Ame muito e com intensidade. Não seja promiscuo. Cuide-se.
O clima tenso
tinha se tornado no clima íntimo. O medo se dissolveu diante da aceitação. Não
havia mais lágrimas, apenas sorrisos e cumplicidade.
_ Obrigado!
O tempo tinha
voado. Não perceberam que estava anoitecendo e que já haviam conversado muito.
_ Wow! O tempo
passou rápido demais! Preciso preparar o jantar, hoje vou fazer uma sopinha,
pode ser? – disse o Thiago levantando da cama.
_ Claro! Tem
um tempinho que não tomo uma de suas sopas maravilhosas.
_
É mesmo, não é? – ele se afastou sorrindo.
_ Ele sabe que
você cozinha?
_ Sabe, mas
não sabe que sei tanto assim, também com a mestra em gastronomia, eu tenho mais
que obrigação em saber bem manusear os alimentos. Precisa de ajuda para o banho?
_ Não! Vai
fazer a sopa! – disse ela.
Depois daquela
conversa, o Thiago se sentia bem mais leve. Em sua cabeça, mil coisas se
passavam. Como sua avó não apresentara resistência, valeria a pena... E o
Daniel? Como seria se... E quando soubesse que... Sim! Era um turbilhão de
pensamentos que foram interrompidos pela campainha. Deixou os ingredientes
sobre a bancada e com o pano de prato sobre o ombro, foi atender o visitante.
Num lance de
segundos correu seu olhar de baixo pra cima e reconheceu alguém que já era de
casa.
_ Voltei!
_ Oi! – sorriu
abertamente, depois se conteve ficando com a expressão séria – É... Hum! Entra
aí!
_ Porque seu
olho está vermelho assim? Você estava chorando?
_ Oi? Sim...,
digo não, é... Cebola! – foi a primeira coisa que veio em sua cabeça.
_ Oba! Vamos
comer farofa de ovo? – Daniel sorriu alto percebendo o pano sobre o ombro do
amigo – O que você está fazendo?
_ Uma sopa...
_
Sopa de cebola? Olha só, gente! Está pronto pra casar, então!
_
Não é?
_
E dona Zita?
_
No banho.
_
Então, está bem! Eu trouxe uns filmes para assistirmos, você não ia fazer nada
demais hoje, não é?
_
Claro que não!
_
E se tivesse a prioridade é dos amigos, sempre. Não se esqueça do pacto com
catchup.
_
Nossa! Você lembra-se disso? Tem tanto tempo...
_
Pois é não me esqueço de contratos que valem a vida toda.
Daniel
saiu para a sala e pegou a mochila que estava sobre o sofá e levou até um
quarto que tinha as paredes brancas e sobre o chão se estendia um tapete
felpudo com muitas almofadas. Num canto, um computador e aparelhos de som,
alguns cabos discretos subiam até o teto e ligados a caixas de som e a um
projetor voltado para a parede.
Depositou
sobre a mesa vários discos. Não demorou muito e a sopa estava pronta e o aroma
tinha tomado conta do ambiente.
_
Nossa! Thiaguinho, você arrasou desta vez! Que delícia!
_
Obrigado vó! Que bom que a senhora gostou.
_
Você já tomou sopa?
_
Ainda não, preciso tomar um banho. O Daniel está na cozinha tomando sopa,
qualquer coisa pode chamá-lo está bem?
_Ok!
Passando
pela cozinha, avisou a Daniel que tomaria um banho e depois que assistiriam ao
filme.
_
Ei! O que é isso?
_
Isso o quê?
_
“Véi!” Essa sopa foi a melhor coisa que tomei, acho que nem minha mãe faz uma
igual a essa... Está muita boa. Nossa!
_ Obrigado! Fico feliz que você gostou “brow”. De
vez enquando me arrisco na cozinha. Um dia tenho que me virar sozinho e não
poderei depender dos outros.
_
Não sabia que você cozinhava tão bem, muito bom mesmo! Parabéns! – disse Daniel
limpando a boca com um guardanapo.
_
É... Tem muita coisa mesmo que você não sabe!
Depois
do banho, Thiago passou no quarto da avó para lembrá-la de tomar mais um
remédio, amaciou os travesseiros e algumas almofadas e mudou o canal da tv,
dona Zita não perdia a novela. A Tv já ficava programada para desligar no fim
do jornal, mas a avó do Thiago sempre dormia antes.
Ao
entrar no Cine Clube, como eles apelidaram a sala, encontrou o Daniel deitado
no tapete assistindo alguns trailers que anteriormente havia escolhido na
internet.
_
Ei! Esse filme é muito top. – disse Thiago passando por cima das pernas de
Daniel e indo olhar os discos – A versão em 3D é muito boa e os gráficos são de
excelência.
_
Pois é! Eu estava reparando nisso mesmo! Vou ver se consigo comprar o Blu-ray
para assistirmos aqui, beleza?
_
Claro! Assim que pegar me avise. – escolheu um dos discos, deles eles não
tinham assistido nenhum – vamos assistir este aqui.
_
Vamos! É sobre o quê? – Daniel perguntou curioso
_
Não sei! Não assisti nenhum desses. Acho que é suspense.
_
Bom. Vamos lá!
Não
eram raros esses encontros. A paixão pelos filmes sempre foi um ponto em comum
entre Daniel e Thiago. Aquela sala foi projetada e feita por eles. Investiram
alguns meses de trabalho ter um lugar onde pudessem ver o que queriam e
discutir esses assuntos. Assistiram a três filmes. Pareciam estudiosos quando
começavam a debater sobre as cenas, figurinos, cenários, entre outras
composições.
Durante
o quarto filme, o Thiago não resistiu. Assistiam a um drama quando adormeceu.
Havia trabalhado o dia todo em casa. Dona Zita não dava tanto trabalho, mas a
casa era grande e aquele foi um dia de muita limpeza. Quem não o conhecia,
pensava que se tratava de um playboyzinho, filho de papai e mamãe, que desfazia
de todo mundo.
De
fato, Thiago era um rapaz que sabia o que vestir. Era reconhecido pelo estilo e
gostava disso. Lia sobre moda, saúde, teatro e televisão era um rapaz que
parecia fútil, mas possuía muita inteligência. Por isso, era comum que as
pessoas se espantassem e se surpreendessem com ele quando tinham um contato
mais próximo. Encantava as garotas que viam seu sorriso fácil, seu cabelo
castanho escuro formava um moicano riscado com fios mais claros, e uma barba
cobria seu rosto quadrado.
Sempre
levava um livro para qualquer lugar, mesmo que não o lesse. Daniel sempre
perguntava:
_
Me diz uma coisa: para que trazer um livro para academia? - rindo
Ele
não sabia o que responder, mas um dia se saiu bem:
_
Eu prefiro a prosa do livro.
O
céu estava azul contagiante, o sol irradiava uma luz que não agredia, estava um
tempo fresco, era incrível como o vento passeava sobre a grama verde fazendo-a
deitar. Thiago se encontrava em meio aquilo tudo, com uma camisa de botões azul
claro e bermuda branca e onde mais ali em diante podia ver algumas árvores e
flores do campo que nunca tinha visto antes.
_
Ei! – disse Daniel
_
Oi! Pensei que eu estava sozinho aqui! – nem percebeu Daniel se aproximar
_
Esqueceu do que te prometi?
Thiago
sorriu e se viu diante do amigo que estava descalço de bermuda e camisa branca,
e um cordão de ouro envolto no pescoço.
_Não
esqueci não! – disse em voz alta
Daniel
se virou e percebeu que o amigo havia caído no sono e falava durante o mesmo.
_
Olha aí gente. Nem agüentou ver o filme e agora falando enquanto dorme. Você me
assusta, menino! – disse baixo para não acordar o amigo
Thiago
olhava para o rosto de Daniel que sorria e que de repente o abraçou e disse no
ouvido:
_
Não parece, mas eu te amo!
Thiago,
surpreso pela declaração do amigo aceitou a ilusão do sonho com facilidade, e
sem pensar respondeu feliz:
_
Eu te amo Daniel! Sempre te amei. Te amo de verdade, Brow!
A
cena se desfez numa mistura de cores e sentimentos, Thiago não sentia mais a
brisa e percebeu seu corpo deitado no conhecido tapete felpudo. Ouvia que o
filme ainda passava, mas num volume mais baixo do que deixara. Abriu os olhos.
Viu
Daniel sentado em sua frente, olhando para ele com um olhar terrivelmente
estranho. Coçou os olhos. E sentou.
_
Desculpa, cai no sono. Foi um dia difícil.
_ Que
história é essa que você me ama de verdade?
Continua...
©
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