_ Daniel, como você não se lembra de mim, mas se lembra de uma mania minha?
_
Não sei! – seu rosto estava confuso – Juro que não sei como sei.
_
Como assim não sabe? Você não se lembra de mim, mas se lembra de uma mania
minha que nem tem importância. Como não sabe?
_
Não sei, eu já disse! – se irritou – Droga! Só sei que quando vi os livros eu
pensei nisso, então falei o que me veio na cabeça. Você acha que mentiria para
quem tem mais me ajudado?
Thiago
não quis continuar a discussão, Daniel estava chateado e confuso, mas não pôde
deixar de pensar que seu amigo estava fingindo.
_
Está bem! Desculpa! Foi a expectativa de te ver se lembrando de tudo me fez...
_
Tudo bem! Também não é para tanto, mas é sério que você leva os livros para
qualquer lugar, mesmo sabendo que não irá lê-los?
_
Sim! É um costume que você considera...
_
Uma bobagem. – disseram juntos.
_
Você está quase lembrando... – considerou Thiago.
_
Talvez, mas me deixa te perguntar.
_
Porque eu levo os livros mesmo que não vou ler?
_
É sim! Como sabe? Por acaso você lê mentes?
_
Você sempre pergunta isso? É um pouco previsível... Eu não sei só os levo. –
parou um pouco e olhou para o amigo – Olha para mim e me diz que você não está
fingindo Daniel.
_
Você não confia em mim mesmo não é? Só lamento que você não possa entrar em
minha mente e vagar pelo vazio que ficou depois do acidente. Não tenho motivos
para ficar fingindo e deixar as pessoas que mais gosto numa expectativa idiota.
_
Vamos assistir.
Os
filmes já eram meio antigos muito deles Thiago já havia assistido com o próprio
Daniel.
_
Você quer escolher? – perguntou tentando suavizar a situação.
_
Pode ser este aqui. Gosto de ação.
_
Com Ben Affleck, bem sugestivo. Esse filme fala de perda de memória. É um bom
filme, gosto dele também.
_
Já assistiu?
_
Não. – mentiu.
O
filme começou e quando chegou à metade, Thiago virou-se e viu o amigo dormindo,
algo que antigamente não acontecia.
_
Você podia se lembrar da gente, não é? – sussurrou e levantou-se para desligar
a tv, não assistiria mais, no escuro do quarto, sussurrou de novo – Não, é
melhor ficar do jeito que está. Sua nova vida será melhor sem um tanto de nós
dois.
Daniel
abriu os olhos na escuridão tentando entender o que ele dizia, mas não se
moveu. Os dois demoraram dormir, nem sabiam que estavam ambos acordados, até que
Daniel se levantou e saiu do quarto, Thiago depois de um tempo o acompanhou.
Estava na sacada da casa, a maré alta vinha até as pedras e voltava, vinha e
voltava persistente. Era uma noite agradável e não fazia frio.
Sentado
numa cadeira, mirando o céu estrelado, Thiago encontrou o amigo. Sentou-se numa
cadeira ao lado.
_
Sem sono?
_
Um pouco. Como Pedra Branca não tem mar, gosto de me levantar e vê-lo à noite
também.
_
Hum. É um espetáculo por si só.
_
O que eu queria mesmo era me lembrar de tudo. Porque isso tinha que acontecer
comigo hein?
_
Aprendi que as coisas sempre acontecem com um propósito. Talvez nem os
entendemos à principio, mas com o tempo ficaram claros.
_
Quando você vai à Pedra Branca?
_
Não sei, mas você ainda vai me ver.
_
Vou encarar isso como uma promessa.
_
E é! Volto para São Paulo hoje.
_
É... E talvez ainda não tenha me lembrado de você.
_
Não se preocupe...
Silêncio.
_
Eu já fiz alguma coisa ruim para você?
Eles
não se olhavam, só viam o mar, e apesar do escuro se encarar seria meio
constrangedor.
_
Que pergunta é essa?
_
Sei lá. Só por causa do lance do livro você quase me fez jurar que não estava
mentindo para você, então talvez em algum momento te decepcionei a ponto de
hoje não ter mais sua confiança plena.
_
Não que eu me lembre.
_
Amnésia não é contagiosa, essa desculpa não cola.
Riram.
_
É sério. Claro que você não é uma pessoa perfeita, mas não me magoou em nada, e
se um dia fez já te perdoei.
O
mar se agitava sobre as pedras como se a qualquer momento fosse invadir a casa
de maneira sutil.
_
Vamos entrar, está ficando muito tarde. Precisamos dormir.
Quando
o dia amanheceu, os garotos estavam dormindo a melhor parte do sono, quando
Tereza entra no quarto e os acorda fazendo o convite para café da manhã, foi
atendida alguns minutos depois, na sacada uma mesa cheia de comida de todo
tipo, das mais leves às mais fortes. Era muita abundância.
_
Dona Tereza, o mar te inspira, hein? – Thiago disse.
_
Tem que aproveitar essa vista linda. A natureza sempre faz bem a gente.
Dormiram bem?
_
Sim e como! Só para constar, o Daniel perdeu a memória, mas não perdeu a mania
de babar enquanto dorme.
Daniel
o fuzilou com o olhar, e agora não o via mais como desconhecido, afinal haviam
passado o dia todo juntos conversando, mas em sua cabeça algo faltava nisso
tudo.
_
E você ainda fala. Nunca vi conversar tanto. – todos o olharam – Não! Não
lembrei, só não dormi porque não consegui, simplesmente com as conversas sem
nexo deste jovem.
_
E o que ele conversou? – perguntou curiosa Tereza.
Daniel
olhou para Thiago que entendeu que devia ter dito alguma bobagem. Acenou.
_
Nada. Ele não falou nada. Nada que eu entendesse.
_
Antes que ele entenda, voltarei hoje para São Paulo, não posso mais ficar.
_
Ah meu filho, fica mais um pouco só vamos amanhã. – disse Tereza.
_
Infelizmente não posso minha tia. Tenho que ir.
_
Ele tem que encontrar com a namorada. – disse Daniel.
Thiago
o olhou.
_
Quem é a sortuda. Olha, olha, não pode ser qualquer uma. Dona Zita não está
aqui, mas eu tenho que aprovar também.
_
Daniel está de brincadeira. – disse Thiago - não é namorada.
_
Pois parecia.
_
Daniel... – disse a mãe – Se ele não quer contar tudo bem, mas vê se faz tudo
com juízo, hein? Não quero neto por agora.
_
Pode deixar.
O
café da manhã passou e chegou a hora de Thiago voltar para São Paulo.
_
Tenho que ir mesmo.
_
Que droga! Estava tão legal. Qualquer coisa se não der para você nos visitar em
Pedra Branca, eu venho te ver. – Daniel disse fazendo Thiago estremecer com a ideia.
– Você se despediu de minha mãe?
_
Sim! – bateu as mãos nos bolsos – Deixe-me ver se tudo está aqui, acho que sim!
Então me vou.
_
Mais uma vez, obrigado por tudo, sua atitude foi realmente de um amigo.
Thiago
riu forçadamente. Não queria ir. E se perguntava naquele momento o que é que
mudava dentro dele quando se aproximava do Daniel.
_
Eu...
Ia
falar alguma coisa para não ficarem em silêncio quando foi interrompido pelo
abraço do Daniel. Um abraço grato. Abraçou-o com força, abaixando o nariz para
sentir o cheiro do amigo que demoraria a ver. Queria gravar tudo aqui. Daniel
registrou a intensidade de Thiago e compreendeu, afinal nem tinha se lembrado
dele.
Depois
se afastou rapidamente e saiu sem dizer mais nada.
Continua...
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