sexta-feira, 26 de outubro de 2012

47| Sessões.



                    _ Daniel, como você não se lembra de mim, mas se lembra de uma mania minha?
                    _ Não sei! – seu rosto estava confuso – Juro que não sei como sei.
                    _ Como assim não sabe? Você não se lembra de mim, mas se lembra de uma mania minha que nem tem importância. Como não sabe?
                    _ Não sei, eu já disse! – se irritou – Droga! Só sei que quando vi os livros eu pensei nisso, então falei o que me veio na cabeça. Você acha que mentiria para quem tem mais me ajudado?
                    Thiago não quis continuar a discussão, Daniel estava chateado e confuso, mas não pôde deixar de pensar que seu amigo estava fingindo.
                    _ Está bem! Desculpa! Foi a expectativa de te ver se lembrando de tudo me fez...
                    _ Tudo bem! Também não é para tanto, mas é sério que você leva os livros para qualquer lugar, mesmo sabendo que não irá lê-los?
                    _ Sim! É um costume que você considera...
                    _ Uma bobagem. – disseram juntos.
                    _ Você está quase lembrando... – considerou Thiago.
                    _ Talvez, mas me deixa te perguntar.
                    _ Porque eu levo os livros mesmo que não vou ler?
                    _ É sim! Como sabe? Por acaso você lê mentes?
                    _ Você sempre pergunta isso? É um pouco previsível... Eu não sei só os levo. – parou um pouco e olhou para o amigo – Olha para mim e me diz que você não está fingindo Daniel.
                    _ Você não confia em mim mesmo não é? Só lamento que você não possa entrar em minha mente e vagar pelo vazio que ficou depois do acidente. Não tenho motivos para ficar fingindo e deixar as pessoas que mais gosto numa expectativa idiota.
                    _ Vamos assistir.
                    Os filmes já eram meio antigos muito deles Thiago já havia assistido com o próprio Daniel.
                    _ Você quer escolher? – perguntou tentando suavizar a situação.
                    _ Pode ser este aqui. Gosto de ação.
                    _ Com Ben Affleck, bem sugestivo. Esse filme fala de perda de memória. É um bom filme, gosto dele também.
                    _ Já assistiu?
                    _ Não. – mentiu.
                    O filme começou e quando chegou à metade, Thiago virou-se e viu o amigo dormindo, algo que antigamente não acontecia.
                    _ Você podia se lembrar da gente, não é? – sussurrou e levantou-se para desligar a tv, não assistiria mais, no escuro do quarto, sussurrou de novo – Não, é melhor ficar do jeito que está. Sua nova vida será melhor sem um tanto de nós dois.
                    Daniel abriu os olhos na escuridão tentando entender o que ele dizia, mas não se moveu. Os dois demoraram dormir, nem sabiam que estavam ambos acordados, até que Daniel se levantou e saiu do quarto, Thiago depois de um tempo o acompanhou. Estava na sacada da casa, a maré alta vinha até as pedras e voltava, vinha e voltava persistente. Era uma noite agradável e não fazia frio.
                    Sentado numa cadeira, mirando o céu estrelado, Thiago encontrou o amigo. Sentou-se numa cadeira ao lado.
                    _ Sem sono?
                    _ Um pouco. Como Pedra Branca não tem mar, gosto de me levantar e vê-lo à noite também.
                    _ Hum. É um espetáculo por si só.
                    _ O que eu queria mesmo era me lembrar de tudo. Porque isso tinha que acontecer comigo hein?
                    _ Aprendi que as coisas sempre acontecem com um propósito. Talvez nem os entendemos à principio, mas com o tempo ficaram claros.
                    _ Quando você vai à Pedra Branca?
                    _ Não sei, mas você ainda vai me ver.
                    _ Vou encarar isso como uma promessa.
                    _ E é! Volto para São Paulo hoje.
                    _ É... E talvez ainda não tenha me lembrado de você.
                    _ Não se preocupe...
                    Silêncio.
                    _ Eu já fiz alguma coisa ruim para você?
                    Eles não se olhavam, só viam o mar, e apesar do escuro se encarar seria meio constrangedor.
                    _ Que pergunta é essa?
                    _ Sei lá. Só por causa do lance do livro você quase me fez jurar que não estava mentindo para você, então talvez em algum momento te decepcionei a ponto de hoje não ter mais sua confiança plena.
                    _ Não que eu me lembre.
                    _ Amnésia não é contagiosa, essa desculpa não cola.
                    Riram.
                    _ É sério. Claro que você não é uma pessoa perfeita, mas não me magoou em nada, e se um dia fez já te perdoei.
                    O mar se agitava sobre as pedras como se a qualquer momento fosse invadir a casa de maneira sutil.
                    _ Vamos entrar, está ficando muito tarde. Precisamos dormir.
                    Quando o dia amanheceu, os garotos estavam dormindo a melhor parte do sono, quando Tereza entra no quarto e os acorda fazendo o convite para café da manhã, foi atendida alguns minutos depois, na sacada uma mesa cheia de comida de todo tipo, das mais leves às mais fortes. Era muita abundância.
                    _ Dona Tereza, o mar te inspira, hein? – Thiago disse.
                    _ Tem que aproveitar essa vista linda. A natureza sempre faz bem a gente. Dormiram bem?
                    _ Sim e como! Só para constar, o Daniel perdeu a memória, mas não perdeu a mania de babar enquanto dorme.
                    Daniel o fuzilou com o olhar, e agora não o via mais como desconhecido, afinal haviam passado o dia todo juntos conversando, mas em sua cabeça algo faltava nisso tudo.
                    _ E você ainda fala. Nunca vi conversar tanto. – todos o olharam – Não! Não lembrei, só não dormi porque não consegui, simplesmente com as conversas sem nexo deste jovem.
                    _ E o que ele conversou? – perguntou curiosa Tereza.
                    Daniel olhou para Thiago que entendeu que devia ter dito alguma bobagem. Acenou.
                    _ Nada. Ele não falou nada. Nada que eu entendesse.
                    _ Antes que ele entenda, voltarei hoje para São Paulo, não posso mais ficar.
                    _ Ah meu filho, fica mais um pouco só vamos amanhã. – disse Tereza.
                    _ Infelizmente não posso minha tia. Tenho que ir.
                    _ Ele tem que encontrar com a namorada. – disse Daniel.
                    Thiago o olhou.
                    _ Quem é a sortuda. Olha, olha, não pode ser qualquer uma. Dona Zita não está aqui, mas eu tenho que aprovar também.
                    _ Daniel está de brincadeira. – disse Thiago - não é namorada.
                    _ Pois parecia.
                    _ Daniel... – disse a mãe – Se ele não quer contar tudo bem, mas vê se faz tudo com juízo, hein? Não quero neto por agora.
                    _ Pode deixar.
                    O café da manhã passou e chegou a hora de Thiago voltar para São Paulo.
                    _ Tenho que ir mesmo.
                    _ Que droga! Estava tão legal. Qualquer coisa se não der para você nos visitar em Pedra Branca, eu venho te ver. – Daniel disse fazendo Thiago estremecer com a ideia. – Você se despediu de minha mãe?
                    _ Sim! – bateu as mãos nos bolsos – Deixe-me ver se tudo está aqui, acho que sim! Então me vou.
                    _ Mais uma vez, obrigado por tudo, sua atitude foi realmente de um amigo.
                    Thiago riu forçadamente. Não queria ir. E se perguntava naquele momento o que é que mudava dentro dele quando se aproximava do Daniel.
                    _ Eu...
                    Ia falar alguma coisa para não ficarem em silêncio quando foi interrompido pelo abraço do Daniel. Um abraço grato. Abraçou-o com força, abaixando o nariz para sentir o cheiro do amigo que demoraria a ver. Queria gravar tudo aqui. Daniel registrou a intensidade de Thiago e compreendeu, afinal nem tinha se lembrado dele.
                    Depois se afastou rapidamente e saiu sem dizer mais nada.
Continua...
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