segunda-feira, 8 de outubro de 2012

42| Bahia.



                   Segunda-feira. São Paulo amanheceu e a neblina se dissipava a cada raio de sol. O dia seria esplêndido. As ruas que nunca param, viam o número de pessoas crescerem assustadoramente, passando de um lado para o outro, os carros parados buzinavam mostrando a impaciência dos motoristas. Tudo muito típico de um início de semana no maior centro econômico da América Latina.
                    _ Você está bem?
                    _ Sim, estou. Não se preocupe por nada.
                    _ Se achar melhor podemos cancelar, temos tempo. E o cliente exigiu que fosse você.
                    Thiago sorriu. Se sentia melhor por isso.
                    _ Podemos ir sim!
                    No aeroporto, ficaram esperando algumas horas para o embarque. Os dois estavam ansiosos porque seria o primeiro trabalho que fariam profissionalmente.
                    _ Vai dar tudo certo! – disse Guillermo, olhando o relógio.
                    _ Sim! Com certeza! Somos feras no que fazemos! – disse sorrindo para tranquilizar o amigo.
                    _ Hello! – o cumprimento os fez virar para a direita.
                    _ Nossa! Até que enfim chegou, pensei que não viria mais. – Guillermo se levantou para abraçar a recém-chegada.
                    _ Oi! – disse a Thiago.
                    _ Olá! – ele sorriu, feliz em vê-la. – Vem conosco?
                    _ Com certeza! Você acha que eu deixaria uma viagem à Bahia passar assim? Amo aquele lugar! - disse Júlia - E para você que não sabe faço parte da equipe da X Models Agency.
                    _ É verdade! – riu Guillermo.
                    Ouviram a chamada para o vôo e embarcaram. Durante a viagem, comentaram sobre os trabalhos e tudo que poderiam fazer.
                    _ Lembrando que para você, Thiago, é super importante, pois é seu primeiro trabalho. Ele te abrirá muitas portas. E ano que vem tem Fashion Rio, a semana de moda em São Paulo, enfim uma infinidade de oportunidades para você desfilar e trabalhar muito.
                    Ele sabia disso e estava disposto a fazer o seu melhor. Queria muito chegar ao topo, sem esquecer-se de onde veio.
                    _ Vamos para Salvador?
                    _ Não! Desceremos primeiro na terra do descobrimento.
                    Porto Seguro é uma cidade que fica no litoral baiano, há mais de meio milênio os portugueses chegaram nesta região encontrando grande riqueza e, obviamente, nativos os quais chamaram de índios, por pensarem estar nas Índias.
                    _ Que linda cidade! – disse Thiago.
                    _ Sim! – concordo Júlia – E tem muito mais.
                    _ Isso veremos amanhã porque agora temos que ir para o hotel e andar para olhar as locações. – Guillermo disse sob olhares decepcionados dos outros dois.
                    Foi um dia muito cansativo. Andaram muito e escolheram mais alguns lugares. Já no hotel, à tarde, resolveram sair para jantar. Um restaurante à beira–mar era a melhor opção, onde escolheram frutos do mar, os pratos quentes e saborosíssimos foram acompanhados por coquetéis e água de coco.
                    _ Nossa! Que saudade disso, meu Deus! – Júlia parecia estar no céu.
                    _ É realmente muito bom aqui. – disse Thiago maravilhado.
                    _ Você nunca veio aqui? – perguntou Guillermo.
                    _ Não! É minha primeira vez na Bahia.
                    Júlia o olhou discretamente, ele percebeu quando ela piscou. Ele sorriu.
                    _ Estou empanturrado! Não aguento mais nada. – disse Guillermo alisando a barriga que tinha um pequeno volume – Olha como estou barrigudo, gente! Minha nossa senhora! Imagine como vou ficar quando chegar em Salvador!
                    Riram. Foram saindo devagar do restaurante. O vento era fresco e no céu, a lua reinava solitária. Ao chegarem no hotel, Guillermo decidiu subir, sentia-se sobrando, e tinha outras coisas para fazer. Num espaço aberto havia algumas redes onde os hóspedes podiam relaxar e aproveitar a paisagem do mar a perder de vista.
                    Thiago sentou-se numa delas e convidou Júlia para acompanhá-lo. A rede balançava lentamente os corpos e ele afagava-lhe os cabelos.
                    _ Sabe o que é bom? – ele perguntou.
                    _ O que? – ela que estava deitada sobre seu peito o olhou.
                    _ Estar aqui com você!
                    Ela sorriu.
                    _ O que foi? – perguntou curioso.
                    _ Você é sempre assim? – perguntou rindo. Romântico?
                    _ Você não gosta?  Minha avó me criou para tratar bem uma mulher.
                    _ Você. Romântico em tudo.
                    _ Uau! Não esperava por essa. – disse surpreso.
                    _ Não! – tentou se explicar – Eu gosto.
                    _ Se te incomodar pode me dizer serei bem menos.
                    _ Não! Gosto de ser mimada. – falou rindo – Não posso negar que com você sinto algo diferente desde a primeira vez na boate.
                    _ Eu também.
                    Silêncio. Para ela a única coisa que se podia ouvir era o coração acelerado que batia a toda força.
                    _ Seu coração está quase saltando pela boca. – ela observou.
                    _ É porque você está muito próxima de mim, e eu não consigo segurar meu nervosismo.
                    Ela pegou a mão dele e pôs acima do seio. Ele sentiu o pulsar do coração dela. Estava suave, compassado.
                    _ Está calmo! Totalmente diferente do meu.
                    _ É que me sinto segura com você!
                    Sentir o calor um do outro era agradável. Estavam felizes.
                    _ Sabe... O dia que nos vimos pela primeira vez na boate, mesmo sabendo que trabalhávamos no mesmo lugar, pensei que não nos veríamos mais.
                    _ Não conseguimos nos falar, não e mesmo?
                    _ É, mas ainda bem que o destino nos uniu novamente.
                    Se beijaram. Ela encostou novamente o rosto sobre o peito dele. Conversaram sobre suas vidas, Thiago falou da avó que morava em Pedra Branca, Júlia falou que foi a São Paulo estudar moda e acabou ficando.
                    Depois de se beijarem mais, Thiago a olhou nos olhos.
                    _ Não faz isso.
                    _ O quê? – se afastou temerosa.
                    _ Não me deixe apaixonar por você.
                    Ela sorriu do jeito que ele mais gostava, mas ela não sabia disso.
                    _ Foi você quem começou...
                    _ Eu? – indagou surpreso – Agora você me culpa por não conseguir resistir aos seus olhos? “Quando a luz dos olhos meus e a luz dos olhos teus resolvem se encontrar...”.
                    _ Nunca pensei que isso aconteceria comigo.
                    Riram.
                    Ficaram mais algumas horas sob o olhar majestoso da lua que iluminava o céu. Namorando.
                    Os dias na Bahia foram maravilhosos. Os primeiros ensaios aconteceram numa caravela ancorada na costa baiana. Guillermo aproveitou o ambiente naval para trabalhar com o tema da descoberta, as roupas traziam um conceito português e Thiago se divertiu muito com as poses que Guillermo experimentava.
                    No segundo dia de ensaio, Thiago posou com duas modelos, agora nas cidades históricas, as roupas eram mais clássicas e traziam um a ideia da corte brasileira que chegara alguns anos depois. Por nunca ter visto esse tipo de estrutura, Thiago se impressionou com as casas antigas e todos os detalhes que havia na arquitetura. Ficava pensando no tanto de história que deve ter passado por ali.
                    _ Guillermo, como tudo isso é lindo! Que tanto de história essas casas carregam. – disse num intervalo que tiveram.
                    _ São lindas não é? Lembram-me a Europa, mas de forma diferente.
                    _ Sei como é...
                    Em todos os intervalos que tinha fotografava os casarões e as pessoas, as paisagens. Estava encantado com tudo.
                    Depois que fotografaram em Porto Seguro, seguiram no fim da tarde para Salvador, a capital baiana.
                    O sol já havia se posto no horizonte, e as luzes da cidade já iluminavam as ruas.
                    _ A gente nem consegue namorar direito em viagens à trabalho. E isso é um saco! – disse Júlia.
                    _ Podemos dar um jeito nisso. – disse Thiago – Vamos esperar o Guillermo se empanturrar novamente no jantar.
                    O jantar foi no restaurante do hotel mesmo. Guillermo estava completamente animado, parecia que o clima da cidade havia melhorado seu estado de espírito. Levantou-se da mesa e se despediu alegremente.
                    _ Ei! – Thiago chamou atenção – Aonde você vai?
                    _ Com certeza, não é para o quarto! Ou talvez seja... – fez uma cara de safado.
                    Thiago arregalou os olhos para Júlia e virou-se para o amigo.
                    _ Se cuida! Pelo amor de Deus!
                    Sem esforços, os dois ficaram sós.
                    _ Pensei que seria mais difícil... – ela disse.
                    _ Vamos dar um passeio pela praia?
                    _ Só se for agora...
                    Saíram do hotel e atravessaram a avenida que dava para o calçadão. A noite estava linda. O mar ia e vinha sobre a faixa de areia como um persistente conquistador. Thiago estava de bermuda branca e camisa de botão, ela, um vestido de renda que havia comprado à tarde numa loja do Pelourinho. A areia estava fria.
                    _ A primeira capital do Brasil.
                    _ É... Aqui também tem muita história. – disse ele.
                    _ Acho que se você não desse certo como modelo, iria ser professor de história ou artes.
                    _ Ah, com certeza! Amo demais essas coisas. Me sinto atraído por história e de como o homem faz para registrá-la.
                    O passeio foi quase uma aula. Ele se empolgava falando de assunto tipo colonização do Brasil, como isso refletia hoje, como essa história foi retratada em diversos aspectos e como os estrangeiros viam tudo isso.
                    _ Nossa! Nunca pensei que você sabia disso tudo!
                    _ Não parece? – riu.
                    _ Às vezes pensamos que modelos só sabem língua estrangeira para comunicação e nada mais. Apesar de que, uns nem língua estrangeira tem.
                    Ela gostava disso nele. Valorizava a companhia de alguém que tinha conteúdo e alguma coisa para conversar sem ser a vida dos outros, mas coisas que enriquecessem sua bagagem cultural e seu vocabulário.
                    _ Você é mais interessante do que eu imaginava. – disse quando viu que a orla seguia paralela a uma vegetação nativa que fora preservada, mas se via que o homem fizera modificações.
                    Thiago sorriu com a declaração. Eles pararam e ficaram se olhando.
                    _ Andamos muito. Em praia nunca percebemos o quanto andamos, se não olharmos para trás. Acho aqui um ótimo lugar para namorar. – disse ele.
                    _ Também acho!
                    Foi a deixa para que ele a levasse pela mão até mais próximo da vegetação, onde se sentaram e namoraram.
                    _ Já falei que você é linda?
                    _ Não me lembro... – disse fazendo charme.
                    _ Linda demais, viu, mainha!
                    Ela gargalhou. Ele não esperou ela terminar para beijá-la e por cima fazê-la deitar sobre a vegetação seca. Suas mãos a acariciavam o pescoço e o rosto dela. Os beijos tornavam-se mais intensos. Ele começava a avançar e ela não resistia. Eles se sentaram novamente, ela abriu a camisa dele com violência a ponto dos botões soltarem e se perderem no escuro.
                    Na escuridão, os corpos se misturavam em um. A luz da lua e a maré testemunhavam mais uma vez o que já haviam visto muitas vezes ali. Dois amantes se entregando um ao outro.
                    Um celular estava tocando em algum lugar... De olhos fechados, Thiago tateava em busca do objeto que estava sobre sua camisa.
                    _ Alô! – disse com voz arrastada.
                    _ Aonde é que você está? – uma voz histérica gritou do outro lado fazendo Thiago saltar e perceber que a luz que via não era a que entrava pela cortina do quarto do hotel.
                    _ Ai, meu Deus!
                    _ O que foi? – Júlia disse de olhos fechados sobre as roupas.
                    _ Amanhecemos na praia!
                    Júlia deu um salto e se sentou na areia com os olhos arregalados.
                    _ O Guillermo deve estar uma fera!
                    _ Eu já desci e estou na praia! Vim respirar.
                    _ Sério? Vai mentir para o papa! Vem logo para o quarto! – Guillermo gritou e desligou.
                    _ Ouvi daqui! Vamos correr.
                    Pegaram um táxi. E em dez minutos estavam no hotel, Júlia partiu para o quarto dela e ele foi para o quarto com Guillermo olhando-o furiosamente sob óculos escuros.
                    _ Você está pensando o quê? Está ficando doido? Está pensando que está de férias?
                    _ Calma Guillermo! Estou aqui já!
                    _ Claro que está! Se olha no espelho agora? Vai, olha! Thiago, não vou trabalhar com gente irresponsável. Somos amigos, mas quero deixar claro que assim não vai funcionar, como dizem aqui na Bahia: a banda não toca desse jeito!
                    _ Desculpa, foi um deslize.
                    _ Não vou desconsiderar o próximo! Estamos entendidos?
                    _ Sim! – Thiago ficou chateado, achou que não precisava ser tão intolerante. – Não acontecerá mais.
                    _ É o que espero! Como já previa isso, você pode pegar uns saquinhos de chá de camomila e colocar nessas bolsas gigantes aí em baixo de seus olhos. Que olheiras horrorosas.
                    _ Porque é que você está falando comigo de óculos dentro do quarto? – Thiago suspeitou que o amigo também não dormira.
                    _ Porque não é de sua conta.
                    _ Vou trazer para você uns saquinhos de chá também, porque né... – jogou, sabia que Guillermo não resistiria ao comentário.
                    Ficou quieto por um instante.
                    _ Está aparecendo mesmo? – perguntou o produtor preocupado.
                    _ Tira os óculos! – foi atendido – Quer dizer que o senhor também não dormiu, não é mesmo safado!
                    Guillermo percebeu a armadilha, e ficou furioso.
                    _ Filho da...
                    _ Olha! Cuidado!
                    _ Sou eu quem vai fotografar? Não! Então, você ainda está mais errado, mas traz lá a camomila!
                    _ Você ficou com quem, hein?
                    _ Você vai ver. – saiu meio orgulhoso.
                    _ O que foi? – perguntou Thiago preocupado.
                    _ Nada! - saindo com dificuldade.
                    No corredor encontraram a Júlia que nem parecia haver dormido fora. Thiago se perguntou como ela conseguiu fazer tal proeza de estar tão linda.
                    “O Guillermo falou tanto no meu ouvido que deve ter dado tempo de sobra... – pensou”.
                    _ Bom dia, garotos! – os cumprimentou com um grande sorriso.
                    _ Bom dia! – disse Thiago perplexo.
                    _ Bom dia minha linda!
                    _ Por que você está andando assim, Guillermo?
                    _ Escorreguei no banheiro.
                    No salão do hotel estavam várias mesas com muitas guloseimas e comidas para desjejum. De biscoitos simples aos mais elaborados, de chás, sucos cafés, todo tipo de bebida. Depois de pegarem o que queriam, os três sentaram numa mesma mesa. E começaram a falar sobre os trabalhos do dia. Uns quinze minutos depois, Júlia para como se estivesse vendo algo incrível.
                    _ Minha nossa senhora! – disse discretamente. – Olha isso! Digo, não olhe agora não! Está vindo para cá.
                    Thiago percebeu que Júlia falava de um rapaz negro muito bonito passou por eles e sentou a três mesas de distância, bem vestido e seu porte físico era de três Thiagos. O rapaz sentou-se virado para eles, mas Júlia ficou de costas, em certo momento sem saber que estava sendo visto, o negro piscou e sorriu para Guillermo que não disfarçou o sorriso de volta.
                    Thiago o chutou por baixo da mesa.
                    _ Onde você machucou para andar mancando assim, Guillermo? – ironizou Thiago.
                    _ Cai da escada! Você sabe que sou tão desastrado que vivo caindo...
                    _ Ué! Não tinha sido no banheiro?
                    Thiago prendeu o riso quando viu o amigo perder a pose.
                    _ Nosso quarto o banheiro tem escadinha. – Thiago salvou o amigo que o agradeceu apertando levemente sua perna num “muito obrigado!”.
                    Depois do café, partiram para o trabalho. A escadaria do Senhor do Bonfim, o Pelourinho, O farol da Barra, Mercado Modelo foram alguns dos pontos onde fotografaram, sem contar as praias paradisíacas. Ficaram em Salvador mais do que o esperado, pois durante as fotos entregavam cartões e algumas lojas locais se interessaram em fazer negócio. O pessoal da agência entrou em contato com eles e os trabalhos se estenderam por mais dias. E ainda foram ao interior para atender e captar mais clientes.
                    No aeroporto perceberam que estavam voltando com mais coisas do que haviam chegado.
                    _ Quem sabe quando voltaremos na Bahia? – disse Guillermo.
                    _ Ficamos metade do mês aqui! Eu já estava me sentindo baiano. Estou até levando uma rede.
                    _ Nós brasileiros somos todos baianos! Afinal nascemos aqui! – disse Júlia que tinha um anel decorado na mão direita, dado por Thiago.
                    No saguão de embarque, o celular de Thiago toca. Uma sms.
                                                                      
                                                                       “Thiago, a situação do Daniel piorou,
                                                                       ele ainda está em coma. Desde que o
                            acidente aconteceu ainda não o vimos
de olhos abertos, isso não aflige    demais. Esta sms é pra dizer que tivemos que trazê-lo para São Paulo. Os hospitais aqui são melhores. Talvez sua presença ajude na recuperação dele, já que são amigos desde pequenos. Abraços, Tereza”.

        Thiago ficou paralisado. O coração apertou como se uma mão de ferro o esmagasse. Sentiu-se traído e enganado.
                    _ O que você fez, Guillermo? – disse chorando de repente.
                    _ Como assim? O que foi? – disse preocupado o produtor.
                    _ O que foi Thiago? – Júlia o viu chorando e não entendeu.
                    _ Por que você mentiu para mim? O que te fiz? – começou a perder o controle e falar mais alto, não podia controlar-se.
                    _ Fale baixo! Estamos no saguão. – Guillermo alertou.
                    _ Baixo? – ainda sentado, agarrou-o pelo colarinho e deixou Júlia espremida no meio - Então me diga, baixo, a verdade.
                    _ Que verdade, gente? – Júlia não entendia nada.
                    _ Conta, droga! Conta como é que está o Daniel? Conta a verdade!
                    Guillermo não podia negar, seu rosto denunciara a omissão.
                    _ Fala! – esbravejou Thiago.

Continua...
© Copyright Mailan Silveira 2011.Todos os direitos reservados.

Nenhum comentário: