Segunda-feira. São Paulo
amanheceu e a neblina se dissipava a cada raio de sol. O dia seria esplêndido.
As ruas que nunca param, viam o número de pessoas crescerem assustadoramente,
passando de um lado para o outro, os carros parados buzinavam mostrando a
impaciência dos motoristas. Tudo muito típico de um início de semana no maior
centro econômico da América Latina.
_ Você está bem?
_ Sim, estou. Não se
preocupe por nada.
_ Se achar melhor podemos
cancelar, temos tempo. E o cliente exigiu que fosse você.
Thiago sorriu. Se sentia
melhor por isso.
_ Podemos ir sim!
No aeroporto, ficaram
esperando algumas horas para o embarque. Os dois estavam ansiosos porque seria
o primeiro trabalho que fariam profissionalmente.
_ Vai dar tudo certo! –
disse Guillermo, olhando o relógio.
_ Sim! Com certeza! Somos feras
no que fazemos! – disse sorrindo para tranquilizar o amigo.
_ Hello! – o cumprimento os
fez virar para a direita.
_ Nossa! Até que enfim
chegou, pensei que não viria mais. – Guillermo se levantou para abraçar a
recém-chegada.
_ Oi! – disse a Thiago.
_ Olá! – ele sorriu, feliz
em vê-la. – Vem conosco?
_ Com certeza! Você acha que
eu deixaria uma viagem à Bahia passar assim? Amo aquele lugar! - disse Júlia -
E para você que não sabe faço parte da equipe da X Models Agency.
_ É verdade! – riu Guillermo.
Ouviram a chamada para o vôo
e embarcaram. Durante a viagem, comentaram sobre os trabalhos e tudo que
poderiam fazer.
_ Lembrando que para você,
Thiago, é super importante, pois é seu primeiro trabalho. Ele te abrirá muitas
portas. E ano que vem tem Fashion Rio, a semana de moda em São Paulo, enfim uma
infinidade de oportunidades para você desfilar e trabalhar muito.
Ele sabia disso e estava
disposto a fazer o seu melhor. Queria muito chegar ao topo, sem esquecer-se de
onde veio.
_ Vamos para Salvador?
_ Não! Desceremos primeiro
na terra do descobrimento.
Porto Seguro é uma cidade
que fica no litoral baiano, há mais de meio milênio os portugueses chegaram
nesta região encontrando grande riqueza e, obviamente, nativos os quais
chamaram de índios, por pensarem estar nas Índias.
_ Que linda cidade! – disse
Thiago.
_ Sim! – concordo Júlia – E
tem muito mais.
_ Isso veremos amanhã porque
agora temos que ir para o hotel e andar para olhar as locações. – Guillermo
disse sob olhares decepcionados dos outros dois.
Foi um dia muito cansativo.
Andaram muito e escolheram mais alguns lugares. Já no hotel, à tarde,
resolveram sair para jantar. Um restaurante à beira–mar era a melhor opção,
onde escolheram frutos do mar, os pratos quentes e saborosíssimos foram
acompanhados por coquetéis e água de coco.
_ Nossa! Que saudade disso,
meu Deus! – Júlia parecia estar no céu.
_ É realmente muito bom
aqui. – disse Thiago maravilhado.
_ Você nunca veio aqui? –
perguntou Guillermo.
_ Não! É minha primeira vez
na Bahia.
Júlia o olhou discretamente,
ele percebeu quando ela piscou. Ele sorriu.
_ Estou empanturrado! Não
aguento mais nada. – disse Guillermo alisando a barriga que tinha um pequeno
volume – Olha como estou barrigudo, gente! Minha nossa senhora! Imagine como
vou ficar quando chegar em Salvador!
Riram. Foram saindo devagar
do restaurante. O vento era fresco e no céu, a lua reinava solitária. Ao
chegarem no hotel, Guillermo decidiu subir, sentia-se sobrando, e tinha outras
coisas para fazer. Num espaço aberto havia algumas redes onde os hóspedes
podiam relaxar e aproveitar a paisagem do mar a perder de vista.
Thiago sentou-se numa delas
e convidou Júlia para acompanhá-lo. A rede balançava lentamente os corpos e ele
afagava-lhe os cabelos.
_ Sabe o que é bom? – ele
perguntou.
_ O que? – ela que estava
deitada sobre seu peito o olhou.
_ Estar aqui com você!
Ela sorriu.
_ O que foi? – perguntou
curioso.
_ Você é sempre assim? –
perguntou rindo. Romântico?
_ Você não gosta? Minha avó me criou para tratar bem uma mulher.
_ Você. Romântico em tudo.
_ Uau! Não esperava por
essa. – disse surpreso.
_ Não! – tentou se explicar
– Eu gosto.
_ Se te incomodar pode me
dizer serei bem menos.
_ Não! Gosto de ser mimada.
– falou rindo – Não posso negar que com você sinto algo diferente desde a
primeira vez na boate.
_ Eu também.
Silêncio. Para ela a única
coisa que se podia ouvir era o coração acelerado que batia a toda força.
_ Seu coração está quase
saltando pela boca. – ela observou.
_ É porque você está muito
próxima de mim, e eu não consigo segurar meu nervosismo.
Ela pegou a mão dele e pôs
acima do seio. Ele sentiu o pulsar do coração dela. Estava suave, compassado.
_ Está calmo! Totalmente
diferente do meu.
_ É que me sinto segura com
você!
Sentir o calor um do outro
era agradável. Estavam felizes.
_ Sabe... O dia que nos
vimos pela primeira vez na boate, mesmo sabendo que trabalhávamos no mesmo
lugar, pensei que não nos veríamos mais.
_ Não conseguimos nos falar,
não e mesmo?
_ É, mas ainda bem que o
destino nos uniu novamente.
Se beijaram. Ela encostou
novamente o rosto sobre o peito dele. Conversaram sobre suas vidas, Thiago
falou da avó que morava em Pedra Branca, Júlia falou que foi a São Paulo
estudar moda e acabou ficando.
Depois de se beijarem mais,
Thiago a olhou nos olhos.
_ Não faz isso.
_ O quê? – se afastou
temerosa.
_ Não me deixe apaixonar por
você.
Ela sorriu do jeito que ele
mais gostava, mas ela não sabia disso.
_ Foi você quem começou...
_ Eu? – indagou surpreso –
Agora você me culpa por não conseguir resistir aos seus olhos? “Quando a luz
dos olhos meus e a luz dos olhos teus resolvem se encontrar...”.
_ Nunca pensei que isso
aconteceria comigo.
Riram.
Ficaram mais algumas horas
sob o olhar majestoso da lua que iluminava o céu. Namorando.
Os dias na Bahia foram
maravilhosos. Os primeiros ensaios aconteceram numa caravela ancorada na costa
baiana. Guillermo aproveitou o ambiente naval para trabalhar com o tema da
descoberta, as roupas traziam um conceito português e Thiago se divertiu muito
com as poses que Guillermo experimentava.
No segundo dia de ensaio,
Thiago posou com duas modelos, agora nas cidades históricas, as roupas eram
mais clássicas e traziam um a ideia da corte brasileira que chegara alguns anos
depois. Por nunca ter visto esse tipo de estrutura, Thiago se impressionou com
as casas antigas e todos os detalhes que havia na arquitetura. Ficava pensando
no tanto de história que deve ter passado por ali.
_ Guillermo, como tudo isso
é lindo! Que tanto de história essas casas carregam. – disse num intervalo que
tiveram.
_ São lindas não é?
Lembram-me a Europa, mas de forma diferente.
_ Sei como é...
Em todos os intervalos que
tinha fotografava os casarões e as pessoas, as paisagens. Estava encantado com
tudo.
Depois que fotografaram em
Porto Seguro, seguiram no fim da tarde para Salvador, a capital baiana.
O sol já havia se posto no
horizonte, e as luzes da cidade já iluminavam as ruas.
_ A gente nem consegue
namorar direito em viagens à trabalho. E isso é um saco! – disse Júlia.
_ Podemos dar um jeito
nisso. – disse Thiago – Vamos esperar o Guillermo se empanturrar novamente no
jantar.
O jantar foi no restaurante
do hotel mesmo. Guillermo estava completamente animado, parecia que o clima da
cidade havia melhorado seu estado de espírito. Levantou-se da mesa e se
despediu alegremente.
_ Ei! – Thiago chamou
atenção – Aonde você vai?
_ Com certeza, não é para o
quarto! Ou talvez seja... – fez uma cara de safado.
Thiago arregalou os olhos
para Júlia e virou-se para o amigo.
_ Se cuida! Pelo amor de
Deus!
Sem esforços, os dois
ficaram sós.
_ Pensei que seria mais
difícil... – ela disse.
_ Vamos dar um passeio pela
praia?
_ Só se for agora...
Saíram do hotel e
atravessaram a avenida que dava para o calçadão. A noite estava linda. O mar ia
e vinha sobre a faixa de areia como um persistente conquistador. Thiago estava
de bermuda branca e camisa de botão, ela, um vestido de renda que havia
comprado à tarde numa loja do Pelourinho. A areia estava fria.
_ A primeira capital do
Brasil.
_ É... Aqui também tem muita
história. – disse ele.
_ Acho que se você não desse
certo como modelo, iria ser professor de história ou artes.
_ Ah, com certeza! Amo
demais essas coisas. Me sinto atraído por história e de como o homem faz para
registrá-la.
O passeio foi quase uma
aula. Ele se empolgava falando de assunto tipo colonização do Brasil, como isso
refletia hoje, como essa história foi retratada em diversos aspectos e como os
estrangeiros viam tudo isso.
_ Nossa! Nunca pensei que
você sabia disso tudo!
_ Não parece? – riu.
_ Às vezes pensamos que
modelos só sabem língua estrangeira para comunicação e nada mais. Apesar de
que, uns nem língua estrangeira tem.
Ela gostava disso nele.
Valorizava a companhia de alguém que tinha conteúdo e alguma coisa para
conversar sem ser a vida dos outros, mas coisas que enriquecessem sua bagagem
cultural e seu vocabulário.
_ Você é mais interessante
do que eu imaginava. – disse quando viu que a orla seguia paralela a uma
vegetação nativa que fora preservada, mas se via que o homem fizera
modificações.
Thiago sorriu com a
declaração. Eles pararam e ficaram se olhando.
_ Andamos muito. Em praia
nunca percebemos o quanto andamos, se não olharmos para trás. Acho aqui um
ótimo lugar para namorar. – disse ele.
_ Também acho!
Foi a deixa para que ele a
levasse pela mão até mais próximo da vegetação, onde se sentaram e namoraram.
_ Já falei que você é linda?
_ Não me lembro... – disse
fazendo charme.
_ Linda demais, viu, mainha!
Ela gargalhou. Ele não
esperou ela terminar para beijá-la e por cima fazê-la deitar sobre a vegetação
seca. Suas mãos a acariciavam o pescoço e o rosto dela. Os beijos tornavam-se
mais intensos. Ele começava a avançar e ela não resistia. Eles se sentaram
novamente, ela abriu a camisa dele com violência a ponto dos botões soltarem e
se perderem no escuro.
Na escuridão, os corpos se
misturavam em um. A luz da lua e a maré testemunhavam mais uma vez o que já
haviam visto muitas vezes ali. Dois amantes se entregando um ao outro.
Um celular estava tocando em
algum lugar... De olhos fechados, Thiago tateava em busca do objeto que estava
sobre sua camisa.
_ Alô! – disse com voz
arrastada.
_ Aonde é que você está? –
uma voz histérica gritou do outro lado fazendo Thiago saltar e perceber que a
luz que via não era a que entrava pela cortina do quarto do hotel.
_ Ai, meu Deus!
_ O que foi? – Júlia disse
de olhos fechados sobre as roupas.
_ Amanhecemos na praia!
Júlia deu um salto e se
sentou na areia com os olhos arregalados.
_ O Guillermo deve estar uma
fera!
_ Eu já desci e estou na
praia! Vim respirar.
_ Sério? Vai mentir para o
papa! Vem logo para o quarto! – Guillermo gritou e desligou.
_ Ouvi daqui! Vamos correr.
Pegaram um táxi. E em dez
minutos estavam no hotel, Júlia partiu para o quarto dela e ele foi para o
quarto com Guillermo olhando-o furiosamente sob óculos escuros.
_ Você está pensando o quê?
Está ficando doido? Está pensando que está de férias?
_ Calma Guillermo! Estou
aqui já!
_ Claro que está! Se olha no
espelho agora? Vai, olha! Thiago, não vou trabalhar com gente irresponsável.
Somos amigos, mas quero deixar claro que assim não vai funcionar, como dizem
aqui na Bahia: a banda não toca desse jeito!
_ Desculpa, foi um deslize.
_ Não vou desconsiderar o
próximo! Estamos entendidos?
_ Sim! – Thiago ficou
chateado, achou que não precisava ser tão intolerante. – Não acontecerá mais.
_ É o que espero! Como já
previa isso, você pode pegar uns saquinhos de chá de camomila e colocar nessas
bolsas gigantes aí em baixo de seus olhos. Que olheiras horrorosas.
_ Porque é que você está
falando comigo de óculos dentro do quarto? – Thiago suspeitou que o amigo
também não dormira.
_ Porque não é de sua conta.
_ Vou trazer para você uns
saquinhos de chá também, porque né... – jogou, sabia que Guillermo não
resistiria ao comentário.
Ficou quieto por um
instante.
_ Está aparecendo mesmo? –
perguntou o produtor preocupado.
_ Tira os óculos! – foi
atendido – Quer dizer que o senhor também não dormiu, não é mesmo safado!
Guillermo percebeu a
armadilha, e ficou furioso.
_ Filho da...
_ Olha! Cuidado!
_ Sou eu quem vai
fotografar? Não! Então, você ainda está mais errado, mas traz lá a camomila!
_ Você ficou com quem, hein?
_ Você vai ver. – saiu meio
orgulhoso.
_ O que foi? – perguntou
Thiago preocupado.
_ Nada! - saindo com
dificuldade.
No corredor encontraram a
Júlia que nem parecia haver dormido fora. Thiago se perguntou como ela
conseguiu fazer tal proeza de estar tão linda.
“O Guillermo falou tanto no
meu ouvido que deve ter dado tempo de sobra... – pensou”.
_ Bom dia, garotos! – os
cumprimentou com um grande sorriso.
_ Bom dia! – disse Thiago
perplexo.
_ Bom dia minha linda!
_ Por que você está andando
assim, Guillermo?
_ Escorreguei no banheiro.
No salão do hotel estavam
várias mesas com muitas guloseimas e comidas para desjejum. De biscoitos
simples aos mais elaborados, de chás, sucos cafés, todo tipo de bebida. Depois
de pegarem o que queriam, os três sentaram numa mesma mesa. E começaram a falar
sobre os trabalhos do dia. Uns quinze minutos depois, Júlia para como se
estivesse vendo algo incrível.
_ Minha nossa senhora! –
disse discretamente. – Olha isso! Digo, não olhe agora não! Está vindo para cá.
Thiago percebeu que Júlia
falava de um rapaz negro muito bonito passou por eles e sentou a três mesas de
distância, bem vestido e seu porte físico era de três Thiagos. O rapaz
sentou-se virado para eles, mas Júlia ficou de costas, em certo momento sem
saber que estava sendo visto, o negro piscou e sorriu para Guillermo que não
disfarçou o sorriso de volta.
Thiago o chutou por baixo da
mesa.
_ Onde você machucou para
andar mancando assim, Guillermo? – ironizou Thiago.
_ Cai da escada! Você sabe
que sou tão desastrado que vivo caindo...
_ Ué! Não tinha sido no
banheiro?
Thiago prendeu o riso quando
viu o amigo perder a pose.
_ Nosso quarto o banheiro
tem escadinha. – Thiago salvou o amigo que o agradeceu apertando levemente sua
perna num “muito obrigado!”.
Depois do café, partiram
para o trabalho. A escadaria do Senhor do Bonfim, o Pelourinho, O farol da
Barra, Mercado Modelo foram alguns dos pontos onde fotografaram, sem contar as
praias paradisíacas. Ficaram em Salvador mais do que o esperado, pois durante
as fotos entregavam cartões e algumas lojas locais se interessaram em fazer
negócio. O pessoal da agência entrou em contato com eles e os trabalhos se
estenderam por mais dias. E ainda foram ao interior para atender e captar mais
clientes.
No aeroporto perceberam que
estavam voltando com mais coisas do que haviam chegado.
_ Quem sabe quando
voltaremos na Bahia? – disse Guillermo.
_ Ficamos metade do mês
aqui! Eu já estava me sentindo baiano. Estou até levando uma rede.
_ Nós brasileiros somos
todos baianos! Afinal nascemos aqui! – disse Júlia que tinha um anel decorado
na mão direita, dado por Thiago.
No saguão de embarque, o
celular de Thiago toca. Uma sms.
“Thiago, a situação do Daniel piorou,
ele ainda está em coma. Desde que o
acidente
aconteceu ainda não o vimos
de olhos
abertos, isso não aflige demais. Esta
sms é pra dizer que tivemos que trazê-lo para São Paulo. Os hospitais aqui são
melhores. Talvez sua presença ajude na recuperação dele, já que são amigos
desde pequenos. Abraços, Tereza”.
Thiago ficou paralisado. O coração
apertou como se uma mão de ferro o esmagasse. Sentiu-se traído e enganado.
_ O que você fez, Guillermo?
– disse chorando de repente.
_ Como assim? O que foi? –
disse preocupado o produtor.
_ O que foi Thiago? – Júlia
o viu chorando e não entendeu.
_ Por que você mentiu para
mim? O que te fiz? – começou a perder o controle e falar mais alto, não podia
controlar-se.
_ Fale baixo! Estamos no
saguão. – Guillermo alertou.
_ Baixo? – ainda sentado,
agarrou-o pelo colarinho e deixou Júlia espremida no meio - Então me diga,
baixo, a verdade.
_ Que verdade, gente? –
Júlia não entendia nada.
_ Conta, droga! Conta como é
que está o Daniel? Conta a verdade!
Guillermo não podia negar,
seu rosto denunciara a omissão.
_ Fala! – esbravejou Thiago.
Continua...
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