_ Fala! – Thiago repetiu em
voz alta, as pessoas começaram a olhar para eles.
_ Calma Thiago! Espera!
Calma! – disse Júlia, tentava contê-lo, pois estava exasperado – Guillermo
conta o que foi que te falaram.
_ É... Quando estávamos no
hospital, eu liguei quando fui ao banheiro, quem atendeu foi uma tal de... Flávia,
eu acho! E disse que ele havia sofrido um acidente na madrugada. Ele capotou o
carro e teve que passar por alguns procedimentos cirúrgicos, e que ficaria bem,
mas pelo jeito ele deve ter piorado.
_ E porque você não me
contou? Por quê? – perguntou Thiago que já tinha soltado o colarinho do amigo e
estava sentado para frente imaginando mil coisas.
_ Você estava no hospital em
recuperação. Não queria vê-lo dar outro ataque do coração na mesma hora, o
médico recomendou que evitasse notícias ruins. E ainda mais porque a primeira
pessoa por quem você chamou foi o Daniel.
_ Quem é Daniel? – Júlia
perguntou, sem se lembrar de que já haviam comentado sobre ele.
_ Você não tinha o direito
de esconder isso de mim. Afinal foi para isso que te pedi para ligar para ele.
– continuou Thiago como se não tivesse escutado.
_ Sou eu quem te pergunto
agora. – Guillermo levantou moderadamente seu tom – Você queria morrer? Me
responde. Queria? Por que de uma hora para outra você no apartamento com uma
puta dor no coração, chama pelo amigo de infância – olhou para Júlia dando-lhe
a resposta – e queria descobrir que na mesma hora ele tinha sofrido um acidente
grave. O que você acha que iria acontecer?
Eles esqueceram que estavam
sendo olhados por todos no saguão, menos pelos que usavam fones de ouvido.
_ E por que você não me
disse quando estávamos vindo para cá? Queria que eu fizesse o trabalho e só.
Talvez nem me contaria a verdade.
_ Thiago, o trabalho é para
um cliente importante da agência e...
_ Que se dane! Eu me
preocupo com os meus. Com quem amo primeiro e trabalho depois.
Thiago se levantou e começou
a andar de um lado para o outro, impaciente, queria chegar logo em São Paulo.
Guillermo ia dizer algo quando foi impedido por um sinal da Júlia.
_ Você não podia ter feito
isso comigo... – dizia Thiago quando viu as pessoas olhando para ele – O que
foi? Perderam algo aqui?
Júlia se dirigiu até ele.
_ Thiago, eu sei que você
deve estar mais do que preocupado agora, mas não pode ajudar em nada. E todo
esse estresse te fará mal. Calma! Respira. Assim que chegar a São Paulo poderá
visitar seu amigo e prestar a ajuda que tanto precisa, agora se acalme para não
passar mal.
_ Meu amigo está em coma.
Meu Deus! E se ele morrer? – as lágrimas rolavam grossas dos olhos.
_ Senta aqui. – sentaram-se
um pouco afastados do Guillermo que sabia que tinha feito o correto, mas estava
triste pelo amigo – Calma, vai dar tudo certo!
Uma voz feminina fez a
primeira chamada.
Os dias literalmente se
arrastaram no hospital onde Daniel estava internado, tinha ido transferido para
a UTI de um grande hospital de São Paulo. Seu coma ainda era induzido, pois
precisava de tratamentos específicos. Sofrera um trauma muito grande. Seu rosto
estava pálido com alguns hematomas e lesões. Um curativo cobria o corte que
havia na sombrancelha e sua cabeça estava enfaixada.
Tereza ficava a maior parte
de dia no hospital, esperava que a qualquer momento o médico viesse com uma boa
notícia. Estava angustiada e não conseguia comer direito. Quando entrava no
horário de visitas, conversava com o filho, dizia o quanto fazia falta. João
Pedro, o pai de Daniel, aparecia quando podia porque estava trabalhando, mas
havia deixado a irmã com a esposa para que a pudesse ajudar.
_ Dona Tereza. – disse o médico.
_ Pois não, doutor alguma
novidade?
_ Sim! O filho da senhora
vai sair da UTI hoje, já irá para o quarto.
_ Que bom doutor! Isso me
alegra muito. – disse depois de abraçar o médico.
_ Ele está desacordado, nós
realizamos os exames, estamos apenas esperando as respostas, mas queremos
acompanhar sua melhora no quarto para avaliarmos algumas coisas. Tudo ocorrerá
bem.
A viagem foi tensa. Thiago
sentou mais afastado, estava com raiva de Guillermo e não via a hora de pousar
em São Paulo e ir visitar o amigo.
O avião posou no aeroporto
com alguns minutos de antecedência, foi uma tortura para Thiago esperar os
amigos acharem as malas. Por fim, conseguiram encontrá-las e arrumaram um táxi.
Júlia se despediu com um beijo do modelo:
_ Tem certeza que não quer
que eu vá com você? Se quiser posso ir sem problemas.
_ Não precisa! Quero que
você descanse. Não se preocupe comigo! Vai ficar tudo bem!
_ Não fique com raiva do
Guillermo, ele fez pensando no seu bem e o médico recomendou.
_ Não estou com raiva.
Pensei durante o vôo e entendi o lado dele, mas quero que ele sofra um pouco,
acho que merece. – sorriu forçadamente.
_ Você me liga?
_ Sim! Com certeza!
Se despediram com um beijo e
partiram cada um para seu caminho. No táxi, Guillermo evitava falar, não queria
que o amigo explodisse em cima dele.
Thiago esperava que ele se
manifestasse. Nada aconteceu, então resolveu falar.
_ Obrigado! – disse em voz
baixa.
_ Está me agradecendo por
ter te privado de um direito? – Guillermo disse olhando pela janela.
_ Não, mas por ter se
colocado em meu lugar. – Guillermo o olhou – Acho que não seria agradável ter
um novo ataque do coração.
_ Não, não seria! – virou-se
novamente para a janela.
Thiago esperou mais uma vez.
_ Você me perdoa?
_ Por quê?
_ Pelo escândalo que dei no
aeroporto. Exagerei. Você não merecia.
Virou-se para Thiago.
_ Não há o que perdoar. Te
compreendo.
_ Posso te fazer uma
pergunta? – disse tímido.
_ Quer pegar o número de
protocolo também? Para que essa formalidade comigo? – falava sério.
_ Você está mancando mesmo
porque... Lá... É... – gaguejou – O moço lá...
Guillermo não pode contar o
riso.
_ Hum? O quê?
_ Ah, você sabe...
_ Você é um besta mesmo!
_ Claro que não! Escorreguei
no banheiro mesmo. – riu.
_ Sério?
_ Foi! Cai sentado. Várias
vezes.
_ Só você mesmo, viu!
Chegaram ao apartamento,
Thiago deixou as malas no quarto, tomou um banho rápido e se arrumou para ir ao
hospital. Ligou para a mãe de Daniel, ela passou as instruções de onde estavam
e disse que o médico os liberou para o quarto, então estariam no apartamento.
Thiago se despediu de
Guillermo e partiu chegando rapidamente ao hospital.
Tereza o recebeu na recepção
com um abraço.
_ Me perdoe minha tia, eu
acabei de chegar de uma viagem que fiz a trabalho, infelizmente só fiquei
sabendo na volta.
_ Que saudade de você!
Quanto tempo, hein? Não tem problema meu filho, eu que te peço perdão por ter
te mandado uma sms e não ter ligado para falar mais claramente.
_ Como ele está? Parece que
é só a gente se afastar para ele aprontar, meu Deus!
_ Pois é, quando você estava
lá ele não aprontava tanto. Não estava lá quando aconteceu, mas a Roberta disse
que ele foi se desviar dela no meio da rua quando ele virou a direção e por
causa da velocidade o carro capotou.
_ E o freio do carro? –
perguntou Thiago.
_ Não funcionou, e o mais
engraçado, para não dizer o contrário, é que o carro tinha acabado de sair da
revisão.
_ Isso é estranho, mas vamos
deixar isso para lá, quero vê-lo. Ele está no quarto, não é?
_ Você pode entrar, mas ele
ainda não acordou...
_ Não tem problema, apenas
quero vê-lo.
_ Vamos lá...
Entraram no quarto que
estava iluminado por uma luz suave, havia uma tv de LED na parede, e sobre uma
bancada abaixo, alguns porta-retratos que Thelma havia trazido de casa para
quando o filho acordasse se sentisse mais à vontade. Um jarro com flores estava
próximo a janela que tinha uma cortina branca semi-transparente, mas os olhos
de Thiago não repararam em tudo isso, assim que pisou dentro do quarto, seus
olhos se fixaram num único objeto.
_ Dan! – sussurrou com os
olhos se enchendo de lágrimas.
Tereza pôs a mão sobre o
ombro dele, conformada.
_ Não se preocupe! Está tudo
bem. Estava pior antes com aparelhos e aquele som irritante em nosso ouvido.
Agora sabemos que está bem.
Thiago olhou o amigo de cima
a baixo e limpou as lágrimas que teimavam descer.
_ Vou deixá-los sós. – disse
Tereza – Preciso comer algo.
_ Obrigado!
A mãe do rapaz saiu do
quarto, então Thiago se sentiu à vontade para pegar na mão dele. A única reação
do paciente era o levantar suave no abdômen advindo da respiração.
_ O que você estava fazendo
rapaz? Não consegue viver sem entrar em encrenca? – seu polegar alisava o dorso
da mão do amigo que parecia dormir um sono profundo. – Engraçado como de uns
tempos para cá tanta coisa aconteceu em nossa vida não é? Tudo se desenrolou
quando fomos ao Festival, aquilo tudo que nem gosto de lembrar...
Chorou a ponto de molhar a
mão que segurava.
_ Às vezes me pego pensando
se nossas escolhas tivessem sido outras, como estaríamos, creio que em qualquer
lugar menos aqui. Só que aprendi que o “se” não nos leva a lugar algum, nunca
mais saberemos o que teria acontecido. Não tentamos, não é mesmo?
Afagou os cabelos que
escapavam pela faixa, descendo a mão pelo rosto machucado, apesar de estar
assim continuava lindo, e percebeu que sentia falta dos olhos dele, daquele
brilho que lhe puxava o ar.
_ Acorda! – disse segurando
ainda mais sua mão – Vai Daniel, acorda.
Olhou para a porta,
abaixou-se até o ouvido, queria sussurra-lhe algo.
_ Fica comigo! Não vai
embora não! - riu baixinho – É minha vez de pedir.
O corpo de Daniel estremeceu
levemente como se algo tivesse acontecido dentro dele. Thiago se endireitou
assustado, observando o que aconteceria.
Nada aconteceu.
_ Estou aqui como você me
pediu.
Thiago abaixou a cabeça e
saiu do quarto. Thelma estava sentada nas cadeiras que ficavam ao lado da
porta, sentou-se ao seu lado.
_ É terrível vê-lo assim.
_ É sim! - Ela concordou –
Mas ele vai sair dessa.
_ Sim, vai! – demorou-se um
pouco para falar – Posso ficar mais um pouco aqui com ele?
_Thiago, você não precisa
pedir isso. Você é da família. Claro que pode.
_ A senhora pode aproveitar
e fazer alguma coisa que não deu pra fazer sozinha aqui.
_ Sim! Se acontecer qualquer
coisa, há um botãozinho ao lado da cama, é só apertá-lo e a enfermeira vem
vê-lo. Está bem?
Ele afirmou com a cabeça.
_ Como está sua vida aqui?
Está gostando de ser modelo?
Thiago a contou algumas
coisas que passou, as viagens e cursos que teve que fazer e que estava
aperfeiçoando o inglês e aprenderia italiano e francês.
_ E precisa falar tantas
línguas assim?
_ Não. Hoje o inglês é
básico, mas sempre quis falar mais línguas. Só falo inglês e espanhol fluentes,
mas quero falar o francês e italiano.
Tereza disse que Pedra
Branca continua a mesma, não cresceu ou teve tantas coisas notáveis desde que
Thiago a deixou, mas que João Pedro a contara de um crime que aconteceu há
alguns dias que a chocou.
_ Não sei se você lembra do
Nelson...
_ Nelson? – fazendo força
para lembrar – Acho que não conheço.
_ Conhece sim! Era lá da
escola que vocês freqüentavam...
_ Nel... Neo! O que
aconteceu? Ele matou alguém? – perguntou espantado.
_ Não. Foi encontrado morto
num drive in da cidade – acompanhou a expressão assustada – Foi envenenado e
quando o encontraram estava nu algemado com essas coisas de sexshop. Ninguém
sabe quem foi. Dizem que foi uma mulher, mas como já corre o boato que ele foi
visto entrando com alguém de peruca lilás, pode até ter sido um travesti, não
é?
_ Gente, a família dele deve
estar arrasada.
_ Pois é... Isso é
inconseqüência. A maioria desses jovens não sabe com quem sai hoje.
_ A senhora está sozinha
mesmo?
_ Não. Minha cunhada está
comigo, mas como o quadro do Dani se estabilizou eu pedi para ela ir para casa
descansar um pouco.
_ Ela mora aqui?
_ Sim! Temos revesado, mas
como eu a disse também que você viria fiquei aqui dois dias seguidos porque
queria te esperar e te ver. Hoje você veio bem a calhar. Vamos explorá-lo.
_ Claro! Estou aqui para
ajudá-los no que for preciso.
_ Então, vou precisar ir à
casa dela, tomar um banho e trocar de roupa, ela viria , mas como você já está
aqui.
_ Fique à vontade para fazer
o que a senhora precisar estou de folga três dias. Se quiser posso dormir aqui
e então a senhora pode descansar e vim amanhã. Qualquer coisa eu ligo.
_ Sério que você faria isso?
_ Isso a senhora nem precisa
perguntar.
Conversaram mais um pouco e
então Tereza saiu dizendo que alguém voltaria de manhã cedo.
Thiago voltou para o quarto,
olhou o amigo mais uma vez e sentou-se à beira da cama. Pegou o celular, olhou
a hora, já eram dez horas da noite. Selecionou na tecla menu a opção de mídias
e entrou na pasta de canções favoritas e escolheu uma. A canção que ele nunca
esqueceria, como muitas outras que marcaram a vida dele em determinados
momentos.
Começava chover na cidade e
pela chuva que caía em breve ouviriam que muitas ruas foram alagadas e alguns
acidentes, coisas normais.
_ Parece que essa música
atrai chuva. – lembrou.
“Quando
a chuva está soprando no seu rosto,
e
o mundo todo depende de você,
Eu
poderia te oferecer um abraço caloroso
Para
fazer você sentir o meu amor...”.
_ Você poderia acordar, não
é? – conversava esperançoso.
“Quando as sombras da noite e as
estrelas aparecerem,
E
então não tiver ninguém lá para secar suas lágrimas,
Eu
poderia segurar você por um milhão de anos,
Para
fazer você sentir o meu amor...”.
Thiago beijou levemente os
lábios estáticos de Daniel. Levantou-se e foi até a janela olhar a chuva.
Lembrava da noite na fazenda, acontecera tudo tão inusitadamente. Riu-se por
lembrar do seqüestro. Se perguntou se o Daniel saberia no que daria aquilo
tudo. A chuva caia pesadamente sobre tudo, enquanto Thiago viajava no passado
com o olhar perdido para fora.
“Eu sei que você não se decidiu ainda,
Mas
eu nunca te faria nada de errado,
Eu
já sei que desde o momento que nos conhecemos,
Não
há dúvida na minha mente
De
onde você pertence...”.
Daniel levantou a sombrancelha como se reconhecesse mentalmente a
música, estava voltando. Seu rosto demonstrava certo incômodo, ajeitou-se
silenciosamente sobre a cama. Seus olhos se abriram revelando a vida que
pulsava neles, porém diferente de certa forma. Era uma cor viva, porém vazia.
Mexeu o pescoço de um lado para o outro. Viu o celular tocando em sua perna,
observou o quarto e viu que não estava só.
Um
rapaz alto de calça e jaqueta jeans desbotados e estava olhando para fora.
Observava a chuva. Seu cabelo estava aparado, de costas era um belo exemplar.
Ia falar alguma coisa, mas antes resolveu se consertar mais uma vez, não
conseguia achar uma posição que o agradasse.
“Eu poderia fazer você feliz,
Fazer
os seus sonhos se tornarem reais,
Nada
que eu não faria,
Vou
ao fim da Terra por você
Para
fazer você sentir o meu amor...”.
_ Ai! – Daniel exclamou doloridamente.
Thiago
virou-se imediatamente e o viu acordado. Sorriu, mas não conseguia falar.
Chegou-se próximo a cama.
_
Que bom que você acordou, meu amigo? Que bom! Você não sabe o tamanho de minha
alegria em te ver. Que bom que você acordou! Todo mundo estava esperando isso.
No
rosto de Daniel, além das faixas e curativos havia uma expressão diferente, a
mesma que caracterizava o vazio dos olhos. A mesma expressão que se faz quando
vai a uma festa onde não se conhece ninguém, ou quando se está à mesa com
estranhos. Thiago sorria feliz da vida, quando segurou a mão do amigo.
_
Você se sente bem, meu querido?
Daniel
não sorria, não tinha motivo para isso.
_
Quem é você? – puxou a mão – Nunca te vi.
Agora
era Thiago quem não ria mais.
Continua...
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