quarta-feira, 24 de outubro de 2012

46| Contando história.


                    _ Chega mais!
                    “Ai meu Deus, ele se lembrou de tudo! E agora?” – pensava nervoso a cada passo que dava.
                    Daniel se levantou e então um ficou de frente para o outro.
                    _ Pelo jeito se lembrou de mim...
                    Daniel riu.
                    _ Não! Na realidade, quando eu disse para minha mãe do rapaz do hospital, ela demorou um pouco para se lembrar de você. Afinal eram tantas pessoas. Eu a ouvi falar de você para o pessoal, eu estava entrando, indo à cozinha quando ela disse que você era tão meu amigo que éramos quase irmãos.
                    Thiago reparou o tempo verbal que ele usou.
                    _ É... – olhou para a areia.
                    _ Insisti com minha mãe para que você viesse porque... Talvez... Por termos sido muito amigos a ponto de sermos irmãos, pudessem me ajudar a lembrar ou apenas dizer como eram as coisas. Se você quiser, claro.
                    _ O que você ouviu falarem de mim?
                    _ O suficiente para acreditar que era isso mesmo. E acima de tudo, foi minha mãe quem disse.
                    Thiago ficou mudo, como se esperasse uma resposta mais clara. Daniel fez uma cara de impaciência.
                    _ Está bem! Disse que éramos muito ligados, estudávamos juntos, e sempre um estava na casa do outro. Um tempo antes do acidente fiquei estranho e um pouco anti-social, mas depois ela percebeu que era porque você era meu único amigo... De verdade. Ela mentiu?
                    _ Não. – respondeu recordando em num instante alguns momentos – Ela falou a mais pura verdade...
                    _ Ah... Então está explicado. – olhando para o nada como se algo fizesse totalmente sentido.
                    _ O quê? – observou que o rapaz vagava em pensamentos. – O que faz sentido?
                    _ Ahn? Nada! Nada não. Vai me ajudar, meu amigo?
                    _ Engraçado!
                    _ O quê?
                    _ Não que seja, mas me parece tão... Forçado quando você me chama de amigo. Antes não era assim.
                    _ Está muito na cara? Pensei que te chamando assim ficaria mais fácil de me ajudar.
                    _ Ficou bajulador agora?
                    _ E não era?
                    Thiago olhou para o amigo e viu uma nova chance de recomeçar a amizade.
                    _ Eu confio em você. – Daniel o surpreendeu com a declaração – Sei que me dirá a verdade. E mesmo que eu não me lembre da nossa amizade, você se lembra e para mim isso já é suficiente.
                    _ Senta aí garoto vou te contar uma história.
                    Daniel sorriu e sentou-se prontamente, seu comportamento mudara e Thiago havia percebido isso. Era o mesmo, mas estava de alguma forma diferente.
                    _ Começo por onde? – sentando-se ao lado dele.
                    _ Pode ser pelo começo. – riram.
                    Thiago havia chegado de manhã, e passou o dia inteiro contando coisas e situações, namoradas e passeios e brigas e viagens, não pararam nem na hora do almoço, e Tereza incentivava para que ninguém interrompesse a sessão nostalgia, levou o almoço até eles que conversavam animadamente. Andavam pela orla, e voltavam e sumiam nas curvas da praia.
                    _ Então fomos juntos para o Festival de Inverno que acontece lá cidade vizinha?
                    _ Sim! – Thiago olhou para o mar tentando não demonstrar nenhuma sensação – Foi muito bom! Foi a primeira vez que fomos, e foi uma festa maravilhosa.
                    _ Que bacana! As bandas e tudo que você me contou. Só desagradável foi a situação lá com a minha ex, que deselegante! – riu – E o que fizemos depois do show?
                    Respirou fundo, fingindo tentar lembrar.
                    _ Voltamos para sua casa e ficamos lá.
                    _ Fazendo? – perguntou curioso.
                    _ É... Curtindo a ressaca e assistindo filmes e séries na tv.
                    _ Só?
                    _ Sim! Claro! Já te falei sobre os filmes, nossa coleção de DVD’s e a sala que temos lá em casa em Pedra Branca.
                    _ É verdade... Havia me esquecido!
                    _ Depois tive que ir embora, mas isso não importa. Então você começou a namorar a Patrícia que é uma louca, quando você voltar não se aproxime dela e tome cuidado. Não fale com ela.
                    _ Mas porque eu namoraria uma doida como você diz?
                    _ É... Ah... Sei lá. Isso não deu tempo de você me falar, mas não demorou muito e você terminou com ela. Era muito possessiva.
                    _ Então está explicado. Odeio mulher possessiva.
                    Thiago pensou no que falar.
                    _ Quando tive que me mudar para cá você me apoiou, porque sabia que era um sonho meu, e me ajudou em todo momento. Quero até te agradecer mais uma vez pelo que você fez por mim, acho que você deve ter esquecido que eu agradeci e ainda sou muito grato.
                    _ Dá para ver que você merece tudo que conquistar! Se me esforcei antes para ajudá-lo é porque mereceu.
                    Os dois olharam para o mar. Parece que a história havia chegado ao atualmente, pois não falavam mais.
                    _ Estou pensando aqui... – Daniel levantou a sombrancelha.
                    _ O que foi?
                    _ Nós éramos como irmãos e eu só tinha você como amigo de verdade?
                    _ Sim! Por quê?
                    _ Acho que voltei um pouco mais egoísta.
                    _ Por quê?
                    _ Se fosse eu, não deixaria você ir embora. – ele agia como se houvessem dois Daniel - Poxa! Você era o único amigo que eu tinha, apesar de popular como você disse, ninguém era meu amigo de verdade. Hoje sei disso porque ninguém apareceu no hospital quando estava lá. Minha mãe não me apresentou ninguém.
                    Thiago não disse nada.
                    _ E mais: não fiz nada para não impedi-lo? Nem pedi para que ficasse?
                    _ Não, claro! Você pediu, mas conversei com você e aí você concordou. – Thiago quis mudar de assunto – Não sei se você vai se lembrar, mas para onde você estava indo quando sofreu o acidente? Porque a Avenida dos Navegantes é quase saindo da cidade.
                    _ Pois é... Não lembro! Acho que minha mãe mencionou alguma coisa, mas não me recordo agora. Tem mais alguma coisa para me contar?
                    _ Acho que não! Não que eu me lembre...
                    _ Engraçado como o destino põe duas pessoas juntas de novo não é?
                    _ De quem você fala? – Thiago olhou para ele.
                    _ De quem poderia ser? De mim e da Roberta, não é? Como tinha que ser ela que estava ali para me ajudar no momento do acidente... Apesar de estarmos separados agora, sinto que nossa história não acabou como parecia...
                    _ Sério? – riu Thiago descrente.
                    _ Claro. – deu uma pausa – Obrigado por ser sincero comigo. Você provou realmente ser meu amigo.
                    _ Só estou cumprindo o que prometi.
                    _ Só tenho uma última dúvida e não vou incomodá-lo mais.
                    _ Pode perguntar.
                    _ Eu perguntei minha mãe, mas nem ela soube me responder como aconteceu direito. Só disse que voltei para casa com o dedo assim. – levantando o dedo indicador da mão direita que tinha uma cicatriz de corte – Como estudávamos juntos, talvez tenha visto como arrumei essa cicatriz no dedo. Só reparei no hospital.
                    Thiago nunca tinha reparado que o amigo também tinha a cicatriz de uma noite de verão num acampamento da escola.
                    _ Que coincidência! – disse – Também tenho uma cicatriz dessa.
                    _ Uau! Que doido! Como conseguimos cicatrizes iguais?
                    _ Não sei!
                    _ Thiago – mirou-o com olhar desconfiado – Perdi a memória, não a inteligência! Pode contar.
                    _ É porque...
                    _ Eu quero saber... Conta. – insistiu.
                    Thiago, depois de um tempo pensando como falar talvez, levantou o dedo indicador direito e pôs sobre a cicatriz do Daniel. Sorriu. Daniel juntava as peças tentando compreender.
                    _ Por causa disso que estou aqui meu amigo. Da promessa que te fiz de nunca te deixar sozinho e compartilhar com você os bons e maus momentos.
                    _ Um pacto de amizade... – disse Daniel.
                    Thiago afirmou com a cabeça.
                    _ Você chegou falando que queria fazer um pacto de catchup, seu dedo estava pingando, mas como você estava com a embalagem na mão não levantei a suspeita, mas como eu queria que fosse verdade, eu me virei e cortei meu dedo e pus o molho em cima para você não desconfiar, você teve a mesma ideia. Então, pactuamos fingindo não ser verdadeiro, mas sabendo ambos que era um pacto de sangue entre amigos. Uma semana antes tínhamos assistido a um filme que os amigos faziam um pacto assim.        
                    _ Uau! Que legal agora realmente tudo faz mais sentido.
                    _ O que é que faz mais sentido que você fala tanto?
                    _ É que...
                    _ Eu confio em você. É meu amigo, mesmo não lembrando disso.
                    Daniel parou, como se ensaiasse mentalmente o que dizer.
                    _ Quando eu acordei, e te vi lá no quarto não te reconheci de verdade, mas tinha algo que me fazia saber que... – se enrolou nas palavras – não sei como explicar, é esquisito, porque parece que é algo que está fora do natural, sabe?
                    _ Sei sim! Às vezes coisas sobrenaturais acontecem mesmo.
                    _ Me senti bem, sabia de alguma maneira que você era amigo, mas não queria correr risco. Tudo é meio gay, não é?
                    _ Sim! Bem gay para dizer a verdade, mas crianças não podem ver nada na tv e querem fazer igual não é? – disse se distanciando.
                    O celular do Thiago tocou.
                    _ Desculpa, só um momento. – Daniel fez um sinal de “tudo bem” - Oi, Ju! Estou no litoral com o meu amigo, aquele que te falei. Então... Pois é, não sei ainda. Vou ver aqui como vai ser. Sim. Sim. Está tudo bem, eu estava conversando com ele algumas coisas que passamos juntos. É... Que nada, amor! Quando eu chegar a gente conversa também. Eu estou morrendo de saudade de você. Está bem, assim que der e eu chegar te ligo na hora, está bem? Te devo uma massa ainda. Ok! Um beijo.
                    Daniel escutou tudo.
                    _ Sua namorada?
                    _ É sim! Digo, ainda não oficialmente, mas não sei.
                    _ Como é o nome dela?
                    _ Júlia.
                    _ Lindo nome.
                    _ É sim... Bem, já está escurecendo, preciso ir para casa.
                    _ De jeito nenhum.
                    _ Como de jeito nenhum. Dorme aqui hoje, a gente pode assistir a uns filmes. Tem filmes muito bons aqui, eu acho.
                    _ Você sabe mesmo como me tentar.
                    _ Acho que disso eu não esqueci! – riram.
                    Depois de chegarem a casa, Tereza mostrou para Thiago onde ficava o banheiro e o quarto, depois de vários abraços por saber que dormiria ali.
                    O jantar foi bem divertido com Carol dando investidas no Thiago, o tio do Daniel meio bêbado por causa do vinho e Tereza querendo manter a ordem.
                    O quarto que eles dividiriam era grande e tinha uma Tv e um DVD para verem os filmes. O Thiago pegou a bolsa que havia trazido prevendo que ficaria e a virou de cabeça para baixo, algumas peças de roupa caíram e dois livros.
                    Ao ver os livros, Daniel não resistiu.
                    _ Você ainda continua com essa mania de levar livros para onde você vai independente se irá lê-los ou não?
                    _ Ah! Você sabe que tenho essa mania desde... – a ficha caiu – Espera aí. Como é que você se lembra disso?
Continua...
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