terça-feira, 2 de outubro de 2012

40| Déjà vu.



                   _ Acho que ele vai gostar de me ver. Apesar de ser surpresa, podemos fazer muitas coisas juntos e passear e ir ao shopping, nossa! Será muito legal!
                    Enquanto arrumava uma pequena bolsa com algumas peças de roupas, Daniel pensava em tudo que iria fazer quando tivesse perto de Thiago em São Paulo. Durante algumas semanas havia programado esta viagem e estava super empolgado.
                    Depois de arrumar as coisas para a viagem, sentou-se na cama e foi espontaneamente induzido a pensar em tudo que havia acontecido de alguns meses até aquele momento em sua vida. Tanta coisa diferente que nunca imaginaria acontecer. Era fato que nunca teve atração por pessoas do mesmo sexo, mas agora amava uma. Era ainda uma sensação esquisita porque se sentia culpado e ao mesmo tempo queria que o mundo explodisse, o que importava mesmo era sua felicidade.
                    Apesar disso, tinha muito medo do que seus pais poderiam pensar sobre isso. Não saberia como seria o comportamento da sua mãe, principalmente do seu pai ao saber que o único filho deles era gay.
                    “Acho que sou bissexual, porque sinto atração por meninas também mesmo sentindo por você!” – lembrou das palavras de Thiago numa conversa anterior.
                    _ É! Posso ser bissexual também. Nossa! Para mim, dizer que era bissexual era desculpa de veado, mas agora faz sentido. Apesar de que só me relacionei com Thiago, e não me vejo com outro. Isso está fora de questão. Ou é Thiago ou ninguém.
                    Pensou sobre muitas coisas enquanto tinha tempo, partiria à noite, pois o vôo seria de madrugada, queria estar em São Paulo pela manhã para não perder nada do fim de semana.
                    _ Vai mesmo? – perguntou Tereza, sua mãe, que aparecera na porta – Estou sentindo um aperto, Dani. Não gosto de São Paulo, acho tão violento lá. Porque não, Curitiba? Porto Alegre?
                    _ Mãe, vou ver o Thiago que está trabalhando lá! Estou indo para ver meu amigo!
                    _ Ele sabe que você está indo? 
                    _ Claro que sabe! – mentiu – Eu vou ficar na casa dele.
                    _ Então está bem! Como já tem um tempo que ele foi, deve conhecer tudo por lá não é mesmo?
                    _ Sim, dona Tereza! Não precisa se preocupar. E eu não sou mais criança. Sei me cuidar.
                    _ Está certo, meu homenzinho! Que horas você vai?
                    _ Saio a uma da matina. Tenho que pegar o carro que saiu da revisão, e mandei pintá-lo de azul.
                    _ Está bem, já falou com seu pai!
                    _ Claro!
                    Tereza abraçou o filho apertadamente.
                    _ Eu te amo demais, viu!
                    _ Eu também, mãe. Eu também!

***

                    Roberta estava no telefone com Mariah.
                    _ Vamos ou não? Hoje à noite! Sim! Não sabe? Como não sabe se já fomos lá tantas vezes, Mariah?
                    _ Roberta, devo estar confundindo!
                    _ É uma avenida que corta a rua do Frades. Ali tem um bar excelente. E... – ouviu um sinal no telefone. – Espera aí que tem alguém na outra linha.
                    _ Está bem!
                    _ Oi! – respondeu a outra chamada.
                    _ Fala amiga, recebi sua mensagem.
                    _ Oi Flavinha! Estou com a Mariah na outra linha, é para irmos ao bar que tem na avenida dos Navegantes.
                    _ Ai! Adoro aquele bar.
                    _ Espera aí que vou fazer conferência!
                    Mexeu em algumas teclas.
                    _ Pronto! Flávia?
                    _ Oi! – respondeu a loura.
                    _ Mariah?
                    _ Olá! – disse animada a morena.
                    _ Então garotas, vamos ou não? – perguntou Roberta.
                    _ Eu topo muito! Preciso sair. – disse Flávia com necessidade.
                    _ Só se for a noite das garotas!
                    _ Ok! Claro! – animou Roberta – Acho que merecemos um programa só nosso! Sem meninos!
                    _ Então, marcado! Hoje às 23 horas, no Barqueiro! Ok? – Mariah disse.
                    _ Ok! – responderam as outras.

***

                    Thiago estava no apartamento com Guillermo assistindo uma série de TV. No intervalo, Guillermo levantou para ir ao banheiro.
                    _ Eu simplesmente amo esta série. – disse saindo da sala.
                    _ Eu também! O figurino é bárbaro!
                    Neste aspecto, Thiago tinha ganhado alguém para substituir o Daniel, seu colega de apartamento era viciado em séries e filmes. Com a convivência havia aprendido muito um do outro. Thiago sabia que o suco preferido do amigo era de cenoura e laranja, que ele amava boinas, e se puder mais iria a França todos os anos, porque a língua não era problema, falava fluentemente francês. Guillermo por sua vez, descobriu que Thiago como ele odiava jiló, apesar de sua cor preferida ser amarelo, não tinha muita coisa desta cor e era amante de massas, então controlava o colega pois como este sabia cozinhar divinamente, agradeceu muito a Deus quando descobriu isso, qualquer motivo fazia uma massa.
                    O telefone tocou.
                    _ Guillermo, telefone! – gritou Thiago.
                    _ Quem é?
                    _ Agência.
                    _ Atende aí!
                    _ Oi!
                    _ Guillermo? – perguntou uma voz feminina. – Que voz é essa?
                    _ Aqui é o Thiago! Ele pediu para eu atender porque está um pouco ocupado!
                    _ Ah! Oi, tudo bem?
                    _ Quem é?
                    _ É a Júlia!
                    O coração de Thiago acelerou e perdeu a fala.
                    _ Thiago? Está aí?
                    _ Hum! É... Sim! Estou. É, eu estou sim!
                    Ela sorriu do outro lado.           
                    _ Você está bem?
                    _ Como não ficar bem ouvindo sua voz?
                    _ Que saudade de você, nunca mais nos encontramos...
                    _ É verdade! O destino está sendo cruel comigo, mas podemos resolver isso. Me passa seu telefone pessoal. Quero jantar com você!
                    _ Eu aceito o convite!
                    Thiago fechou a mão fazendo um gesto de vitória, Guillermo entrava na sala.
                    _ Sei! – digitava algo no celular e depois se virou para Guillermo – O Guillermo acabou de entrar aqui na sala, vou passar para ele. Está bem depois te ligo! Beijo!
                    Deu um sorriso para Guillermo.
                    _ Depois quero saber o que significa isso. – pegou o celular e o olhou – Oi Júlia! Tudo bem minha linda? Ah! Estou ótimo como sempre, quais as novas? Sei! Ahn! Está bem! Claro! Disponível, sim! Pode deixar que faremos! Amanhã estaremos lá! Ok! Obrigado por lembrar da gente! Qualquer coisa te mando sms ou email. Está bem querida, beijos!
                    _ O que ela queria? – perguntou curioso.
                    _ Eu que quero saber o que você quer, senhor Thiago?
                    _ Como assim?
                    _ Deu para ouviu que você fica muito melhor falando com ela. De onde você conhece a Júlia?       _ A vi no dia da boate. Ficamos conversando e eu não sabia que ela trabalhava na agência. Então desde esse dia não a vejo e marquei um macarrão aqui com ela.
                    _ Tudo isso por telefone assim, na segunda tacada? Nossa! O Daniel devia passar bem, hein!
                    Thiago não gostou muito da lembrança, de um tempo para cá ficava incomodado em pensar nisso. Era algo que queria evitar, Guillermo percebeu.
                    _ Desculpa, não quis ser inconveniente.
                    _ Não se preocupe. Não foi. – sorriu forçado.
                    _ Tenho novas muito boas. – tentando amenizar o clima desagradável. – O cliente importantíssimo da agência viu seu book e te escolheu para fazer a campanha da temporada!
                    _ Sério! – Thiago esqueceu tudo ao ouvir a nóticia – Meu Deus, eu não acredito!
                    _ Isso! E nós vamos para a Bahia fazer as fotos da campanha que devem sair em alguns meses, isso claro depois de escolherem as fotos e toda burocracia, enfim... você vai brilhar e ser a nova cara de uma das marcas mais famosas do Brasil!
                    _ Essa é uma ótima oportunidade!
                    _ É a oportunidade! Preparado?
                    _ Sempre! Quando vamos?
                    _ Amanhã de manhã! Me enviarão para onde iremos e onde ficaremos e o que querem que façamos e aaahhh! Estou muito animado.
                    _ E eu? Demais!
                    _ Ai que droga! – Guillermo olhou para a tv.
                    _ O que foi?
                    _ A série acabou!
                    _ Foda-se! Baixamos depois na internet. Vamos comemorar!

***

                    _ E então?
                    _ Tudo feito!
                    _ Tem certeza?
                    _ Claro que tenho, estava duvidando de mim?
                    _ Não, mas do seu trabalho!
                    _ Então, por que me chamou e não outro?       
                    _ Ai! Está bem, sua conversa me cansa! Então posso contar com tudo que planejamos?
                    _ Claro! Acontecerá conforme o combinado!
                    _ Espero que seu serviço não tenha sido um servicinho porco! Não quero complicações depois.
                    _ Não teremos! Isso é fato!
                    _ Espero não haver falhas!
                    _ Bem... se levarmos em consideração algumas coisas, as falhas ocorrerão com certeza!
                    _ Perfeito.
                    Desconectou a chamada.

***

                    Daniel estava saindo de casa atrasado do que planejara. Eram duas horas da manhã. Dormiu e perdeu a hora. Havia programado uma viagem rápida a próxima cidade onde ficava o aeroporto de onde partiria para São Paulo. De carro, seria em torno de duas horas de estrada. Sorria de tanto pensar no que aconteceria no fim de semana. Havia planejado muita coisa. Thiago com certeza ficaria feliz em vê-lo.
                    _ Ainda bem que deu tempo você chegar da oficina. Não sabia que demoravam tanto para pintar um carro e trocar o documento.– conversava com o carro – essa nova pintura ficou ótima. Eu gosto de azul.
                    Deu a partida, o motor roncou alto, era muito potente e saiu com pressa, deixando o portão fechando automaticamente para trás.
                    As meninas estavam todas animadas.
                    _ Que noite linda! – diziam brincando sobre a calçada. O álcool deixa tudo lindo.
                     O carro havia ficado a uma distancia considerável, pois quando chegaram, haviam muitos outros estacionados.
                    A avenida estava literalmente vazia. Roberta desceu para atravessar a rua.
                    _ Onde está a droga da chave? – olhava dentro da bolsa quando percebeu a luz branca do carro azul que lhe era conhecido.
                    Estava próxima a calçada, não sentia perigo, mas uma coisa a chamou a atenção.
                    _ Ricardo? Como ele sabe que estou aqui?
                    O carro azul vinha em alta velocidade, quando ela forçou a vista para tentar reconhecer o motorista.                     Roberta sem perceber se aproximou mais do meio da rua no intuito de reconhecer o piloto. Não reconheceu o perigo.
                    Aconteceu uma fração de segundos, como se tudo estivesse ensaiado.
                    _ Daniel? Esse carro é do Ricardo? Como é que...?
                    Um frio lhe percorreu a espinho quando reconheceu o motorista, um flash se acendeu em sua mente.
                    Daniel não a viu na rua, pois estava colocando um cd para tocar. Roberta sentia segurança, pois de certa forma, em algum momento de sua vida sabia que havia passado por isso.
                    As meninas que vinham mais atrás perceberam o perigo.
                    _ Roberta! Saaaai! – mas ela não se movia – Sai daí! Agora!
                    O motorista percebeu que havia alguém na rua vazia, pisou firme no freio que não respondeu. Não tinha mais tempo para pensar. Virou o volante.
                    Em São Paulo, Thiago estava comemorando o novo contrato com Guillermo, quando foi acometido por uma dor aguda no coração. Tudo ficou lento e sua visão escurecia aos poucos. Sua mão não conseguiu segurar seu copo de bebida, que caiu e se partiu em pedaços. Guillermo não entendeu quando o amigo se desequilibrou e caiu de joelhos no chão, com uma mão no coração e um rosto sofrido de dor. Correu para ajudá-lo.
                    Em casa, Tereza, que dormia se levantou rapidamente na cama.  Seu coração se apertou tirando-lhe a respiração.
                    Na Avenida dos Navegantes, o carro azul virou-se rapidamente com a manobra perdendo o controle e capotou. Quatro, cinco vezes. O cabelo de Roberta balançou com o vento frio quando o carro capotou, passando em sua frente. Ficou assombrada.
                    Flávia e Mariah não acreditavam no que viam. O carro havia passado a poucos centímetros da Roberta que estava estática na rua. Quando se aproximaram, perceberam que a amiga estava um gelo e que não tirava os olhos do carro capotado, quando viram, não puderam evitar o espanto.
                    _ Daniel! – Flávia disse surpresa.
                    Ele movia-se com grande dificuldade, estava preso ao cinto de segurança. Havia um corte em sua cabeça que sangrava pingando no teto do carro que estava cheio de vidro quebrado e o cheiro forte de algum líquido que descia da lataria toda amassada por causa da capotagem. Era uma cena terrível.
                    Daniel sentia suas forças se esvaindo pelo corpo, quando sentiu sua mão cair sobre o vidro, sentia que alguma coisa havia quebrado. A dor o impediu de ver o que se desenrolaria a seguir.
                    _ Liga para emergência agora!- disse Flávia enquanto Mariah pegava o celular e discava freneticamente os números.
                    _ Temos que tirar ele dali! Temos que tirar. - disse Roberta ao perceber um incêndio, e correu em direção ao carro sem pensar.
                    Parecia que o tempo não estava ajudando, a rua voltara a ficar cheia de gente, um homem segurou Flávia que tinha deixado Mariah no telefone ao ver sua amiga correr para a morte.
                    _ Você está louca, não pode ir para lá! – gritava tentando protegê-la.
                    _ Me solta, minha amiga está lá. Preciso ajudá-la.
                    _ O carro está pegando fogo, é muito perigoso, não vou deixar. – falava com dificuldade porque Flávia tentava de todo jeito escapar do abraço apertado.
                    _ Minha amiga vai se machucar – chorava desesperada. Tenho que ajudá-la. Ela pode morrer.
                    Flávia teve sucesso numa manobra e escapou dos braços do estranho que a segurava, estava longe do carro, quando correu um imenso estrondo aconteceu e uma massa de ar quente a impeliu para trás derrubando-a.
                    O carro capotado explodiu, produzindo uma imensa bola de fogo que subiu desabrochando como uma flor venenosa, espalhando calor e aquecendo toda rua.
                    _ Não! – gritou Flávia com os olhos encharcados de lágrimas. O calor da explosão ardeu em seus olhos, quando virou para o lado e viu um relógio digital da rua.
                    Eram 03h30min.

Continua...
© Copyright Mailan Silveira 2011.Todos os direitos reservados.

Nenhum comentário: