segunda-feira, 19 de novembro de 2012

51| Relatórios e cortes.


                    Flávia estava esperando a oportunidade de ficar sozinha, sem que ninguém a incomodasse no quarto. No bolso um pen drive de “clientes”, agora veria o que realmente tinha nele.
                    Depois do jantar disse que faria algumas atividades no quarto, então se trancou e colocou o dispositivo no computador. A curiosidade era grande, mas ela tinha medo por algum motivo.
                    As pastas “Daniel Dead”, “Roberta”, “Thiago”, “Flávia” estavam dentro de uma outra que tinha o nome da Patrícia.
                    _ Gente... “Daniel Dead”, ele ia matar mesmo o garoto? Matar... – falava espantada – Isso era o que a Patrícia queria? Ela gostava dele, não?
                    Tentava encaixar as coisas sem ter visto tudo. Todas as pastas tinham arquivos de texto, com o nome de “relatórios”, ela percebeu que para um menino que tinha um quarto tão bagunçado e vivia de roupas folgadas, era bem minucioso e organizado quando se tratava dos clientes. A primeira pasta que abriu foi a do Daniel, e clicou no relatório.

                    Relatório Operação Daniel Dead – Etapas
                   
  1. Contratação: por Patrícia Vieira
  2. Objetivo: Assustar o garoto.
  3. Observação: Viagem para São Paulo fim de semana. (ela conseguiu essa info).
  4. Ação: Tirar freio do carro. (só? Rsrs não!).
  5. Resultado: Acidente bem sucedido.
  6. Pagamento: Em breve.

                    _ Só isso? Apesar de ser terrível, mas eu pensei que... Sei lá... Isso, até eu faço no computador. Quer dizer que a mula manca queria dar um susto no Daniel. Por quê? Do jeito que ele era bruto com ela, até eu daria uns três tapas, mas fazer isso tudo...  Ser mal educado não é motivo suficiente para fazer umas coisas dessas. Isso é tentativa de homicídio. E o menino perdeu a memória. – viu um vídeo, mas não o assistiu.

                    Relatório Operação Roberta – Etapas.

  1. Contratação: por Patrícia Vieira
  2. Objetivo: Criar pânico na dondoca.
  3. Observação: Namorado nunca sai da casa dela. Aff.
  4. Ação: separá-los e assustá-la até ficar doida. (Ela já rasgou as roupas rasgadas da menina, ela é boa nisso!)
  5. Resultado: em processo.
  6. Pagamento: na entrega do serviço.

                    _ Nossa! Foi ela que rasgou as roupas da Roberta no dia do festival! Que safada! Eu sabia! Sabia! Estou ficando assombrada com isso, mas esse menino, ele morreu, então ela deve contratar outro?

                    Relatório Operação Flávia – Etapas.

  1. Contratação: por Patrícia Vieira
  2. Objetivo: Assustar a garota. (Ela odeia de morte essa aqui.).
  3. Observação: Não sei, ainda não tive tempo, mas ajuda num ong.
  4. Ação: sei lá. Humilhá-la de algum jeito
  5. Resultado: Não fiz, estou sem tempo.
  6. Pagamento: Depois da tosa.

                    _ Filha da mãe! Até eu? – disse colocando as mãos nas madeixas loiras e longas – Coitada dela se mexer comigo.

                    Relatório Operação Thiago – Etapas.

  1. Contratação: por Patrícia Vieira.
  2. Objetivo: Afastá-lo do Daniel de qualquer jeito.
  3. Observação: Foi para São Paulo por ele mesmo! (obs.: O Daniel vai vê-lo em SP, acho que esses dois tem coisa).
  4. Ação: Pensando.
  5. Resultado: -
  6. Pagamento: Depois de serviço

                    _ Ela planejou muita coisa contra a gente! E agora que esse menino morreu? Como vai fazer isso? – se perguntava sem resposta.
                    Voltou para a pasta de Daniel e abriu o vídeo. O garoto de roupas folgadas estava sentado numa cadeira, percebia-se que grava sozinho o vídeo.

                    “Acho que está gravando... Hum! Hum! É... esse vídeo é para ser tipo um diário de bordo das operações que faço e claro, uma prova contra esses idiotas que pensam quem me usam ou vão me ter nas mãos qualquer dia desses. É sempre muito óbvio quando eles me chamam para conversar, afinal quem quer andar comigo porque gosta de mim? Só querem mesmo favores. Então, eu cobro mesmo. Já fiz favores para muita gente que não queria viver com o irmão, se sentia insegura com o namorado, o cara pensava que a mina o traía, enfim foram muitos trabalhos, não para trazer o amor em três dias (Risos), mas para mostrar quem realmente mandava na relação. Esses dias, uma pessoa que... eu gosto muito me chamou para conversar, pensei que pela fossa que ela estava ia querer algo comigo, mas ela não fugiu à regra. Não sei de onde ela tirou que eu gostava dela, mas de um jeito ou de outro a vagabunda soube e usou isso para me pedir. Disse que me daria o que eu quisesse se eu desse um susto num carinha que eu andei observando ultimamente, o Daniel que era namorado dela. Nada me tira da cabeça que esse carinha todo cheio de pose de macho é gay. Ele é todo dado para o lado do Thiago que é amigo dele, e agora ainda mais que esse foi para São Paulo. Eu coloquei umas escutas no telefone dele e de dez ligações, oito são para o amigo que nunca atende, mas ele atendeu uma vez dizendo que sentia falta e blá, blá, blá, que era para um dia marcarem e o Daniel ir visitá-lo. Então descobri que o veado deixou o carro na oficina aqui perto e um dia eu cheguei lá e dei um jeito de arrumar o carro dele, liberei o freio e fiz outras arrumações que me certificaria um belo susto. (risos) O susto foi tão bem dado que o veado ficou de coma e perdeu a memória. Quase matei o brabo! Ainda não recebi o pagamento, mas já liguei para patroa e vamos marcar uma coisinha bem especial para comemorar isso, hoje ela ligou meio fria comigo, deve estar nervosa, será que queria que eu o matasse? Se for, agora não será tão difícil”.

            Flávia estava paralisada. Descobriu que a Patrícia havia mandado o Neo fazer tudo aquilo e ainda o havia matado.
                   _ Meu pai do céu. A mula manca é assassina! – disse com os olhos arregalados.
                    O carro de Daniel estava na frente da casa da Roberta, eles estavam namorando do lado de fora, próximos a porta.
                    _ Está ficando tarde, devo ir. – disse entre os beijos – Mas não quero!
                    _ Vai! Vai! Se não ficará muito tarde!
                    _ Está bem! – beijou a namorada. E partiu.
                    Muitas casas estavam com as luzes ligadas, a do lado, e a da frente também. Roberta viu a sombra que a observava da casa da frente e acenou, a sombra entrou.
                    Entrou em casa, estava cansada e sua mãe já havia chegado, pois sua bolsa estava sobre o sofá. Foi à cozinha, conferiu as portas fechadas e subiu para o quarto passando pelo corredor de cima, certificou que a mãe já estava dormindo, desligou a luz e entrou em seu quarto. A janela estava aberta e o vento esvoaçava as leves cortinas.
                    _ Eu não lembro ter deixado as janelas abertas, mas do jeito que dona Antônia é... Deve ter entrado aqui e viu o quarto abafado...
                    Sobre sua cama as opções descartadas da noite, colocou todas novamente no guarda-roupa, foi ao banheiro tirou a maquiagem, colocou um pijama e deitou. No criado-mudo havia um copo com água.
                    _ Nossa! Que mãe cuidadosa eu tenho! Que lindo! Isso me evita muita coisa! – pensou que não precisaria mais descer para buscar água, então tomou um bom gole e dormiu em seguida.
                    As horas passaram, o vento esfriou, e aos poucos todas as luzes da rua se apagaram, em poucas casas se via a luz da tv refletida nas janelas, mas a luz branca de um quarto ligou e iluminou grande parte de uma arvore que dividia o território de duas casas, e como um gato um vulto cruzou o espaço entre elas.
                    _ Boi... Boi... Boi... Boi da cara preta pega essa menina que tem medo de careta... – a visitante noturna cantarolava a canção sussurrando.
                    Seus movimentos eram sutis e cuidadosos. Acendeu a luz do quarto e olhou com pena a presa que dormia profundamente.
                    _ Dorme Cinderela! Dorme que meia-noite sua carruagem se torna uma abóbora!
                    O quarto já conhecia um ensaio frio e cortante que se seguiu.
                    _ Sua safada ordinária! Voltou com meu homem! Se prepare para sofrer.
                    A tesoura partiu em direção aos cabelos da Roberta, e os fios longos e sedosos voavam com o vento, e sem piedade eram cortados e espalhados pelo quarto. Os cabelos castanhos estavam sendo cortados sem que percebesse e ela era virada de um lado para o outro, mas o sonífero que havia tomado havia a derrubado com força total. Agora seus cabelos estavam estirados e espalhados pelo chão, em sua cabeça o que restou foram tufos de todos os tamanhos.
                    _ Antes as roupas, agora o cabelo! Sai da minha vida e da vida do Daniel. – ainda cortou um último pedaço e saiu – levo esse de lembrança.
                    O sol se levantou devagar como se não estivesse com vontade de sair e foi invadindo lentamente a rua e as casas. A janela do quarto de Roberta ainda estava aberta e o sol iluminou os tufos espalhados pelo quarto.
                    Ela se mexeu na cama e se coçou, estava com cabelo no rosto, num gesto costumeiro passou a mão puxando-o para longe do rosto quando percebeu que o cabelo que puxou não criou resistência em ir mais longe do que deveria. Sem abrir os olhos, soltou o cabelo da mão e pegou novamente na cabeça, apalpou e sentiu o cabelo se soltar. Abriu os olhos arregalando-os, viu seu travesseiro cheio de fios soltos e quando se levantou o chão do seu quarto estava repleto de seus cabelos que foram cortados sem pena.
                    Seus olhos se encheram de lágrimas em abundância quando suas mãos passeavam pelos cabelos que restaram em sua cabeça e os percebeu fora do lugar, no chão, em cima do criado-mudo, na frente do espelho que refletia a imagem de uma garota com aspecto terrível sem os longos cabelos com os quais dormira.
                    _ Nãããããããããããão! – gritou com força, acordando a garota da casa vizinha que sorriu e virou escondendo-se sob o edredom.

Continua...
© Copyright Mailan Silveira 2011.Todos os direitos reservados.

Nenhum comentário: