quarta-feira, 14 de novembro de 2012

50| O início.

                    Flávia estava assistindo tv na sala quando ouviu um barulho em seu quarto. Não deu muita importância, mas o barulho voltou. Ela se levantou e foi ver o que estava acontecendo, a janela do seu quarto estava fechada, mas parecia que a luz entrava de qualquer jeito. Não havia nada.
                    Seguiu em direção ao banheiro e nada, quando voltou ao quarto uma sensação estranha a tomou. Um pavor e um medo repentino fizeram seus pêlos arrepiarem, na cama um jovem estava sentado, trajava roupas largadas e um boné de aba reta, sua cabeça estava baixa com se quisesse esconder o rosto.
                    “Como esse cara entrou aqui?” – se perguntou.
                    _ Eu não vou enquanto não resolver isso. – ele disse. Sua voz era estranha parecia que reverberava num outro ambiente, menos naquele quarto, era muito audível.
                    _ Quem é você e o que faz no meu quarto? – apesar do medo, a voz de Flávia saiu firme.
                    _ Ele não morreu. Eu fiz minha parte do jeito que pediu e o que ganhei? – em tom lastimoso.
                    Flávia não entendia nada, mas sabia que aquele rapaz estava com raiva e parecia arrependido.
                    _ O que você fez? – tentava descobrir.
                    Flávia olhava fixamente para o rapaz tentando ver quem era, o que via de seu rosto era a brancura sepulcral que não era natural. Ele, sem levantar muito a cabeça, olhava de um lado para o outro e não parava de tentar limpar algo que escorria do nariz.
                    _ Meu quarto... Meu quarto é uma bagunça. Meu quarto não é assim.
                    _ Quem é você? – ela insistiu.
                    Parecia que ele não a notava, ela pensou em se aproximar, mas suas pernas não se moviam.
                    _ O que faz aqui? O que faz aqui? – ela foi mais incisiva.
                    Ele para de olhar para os lados, e levantou a cabeça para encará-la.
                    _ Neo! – constatou arregalando os olhos.
                    O rapaz tinha os lábios e as pontas dos dedos azulados, seu olhar estava profundo, não era o mesmo. Do seu nariz escorria um líquido espesso que Flávia considerou sangue, e em seus pulsos marcas de cordas.
                    _ Vim resolver uma coisa. – ele disse.
                    _ O quê? - disse assustada.
                    _ Era só um susto. E foi. Vim parar aqui por nada. Caí numa cilada? Ele está vivo. E eu?
                    _ Quem está vivo?
                    _ Quero justiça.  Só fiz porque achei que ela fosse gostar e assim me amaria.
                    _ Ela quem?
                    Ele limpou o líquido do nariz e voltou a olhar para o quarto.
                    _ Meu quarto não é assim. Ele é todo bagunçado, mas o vídeo está lá. Se ela soubesse o que fiz...
                    _ Vídeo? Que vídeo?
                    _ Me enganou direitinho... – começou a chorar – Mas vou arrumar isso. Mas preciso começar pelo meu quarto. Meu quarto...
                    Acordou suada.
                    Alguns dias depois, o clima em Pedra Branca estava ameno, o céu estava claro sem muitas nuvens e o sol passeava entre elas. Flávia voltava de uma reunião que participara de uma ONG, com ela voltava a Ana, uma colega que trabalhava com ela na ONG, e Mariah.
                    _ Gostei da reunião hoje!
                    _ Menos daquele idiota do Frederico, que nunca concorda com o que digo, que estúpido. – disse Mariah.
                    _ Sei! Estúpido é? Como se a gente não conhecesse essa história, não é Ana?
                    _ Nada a ver. Ele é um idiota. – disse Mariah.
                    _ Um idiota muito gatinho. Ai se eu tivesse um idiota daquele para mim... – disse Ana.
                    _ Ei!
                    _ Está vendo Aninha, achou ruim. - Flávia disse rindo.
                    _ Vem aqui em casa hoje, mais tarde? – disse Mariah parando, pois sua casa era a primeira.
                    _ Fazer? – perguntou Flávia.
                    _ Nada, não é amiga, só conversar.
                    _ Ah, infelizmente, não posso. Tenho um compromisso.
                    _ Ah! E você Flavinha?
                    _ Não sei, vou ver e assim que der te falo.
                    _ Está bem, mas avisa para eu fazer umas coisas.
                    _ Ok. Beijos!
                     Mariah seguiu para casa, enquanto as outras continuavam o caminho. Estavam sem assunto quando o sonho veio a cabeça de Flávia.
                    _ Esses dias, você acredita que eu sonhei com o... Como é o nome?
                    _ O quê?
                    _ O nome do rapaz que foi encontrado morto lá...
                    _ Ah! O Neo...
                    _ Sim! Sonhei com ele, sentado em minha cama, foi assustador... Ele estava todo angustiado e... Foi horrível. Até comentei com a Roberta, mas ela pensou que posso ter ficado impressionada.
                    _ A mãe do Neo precisa de ajuda. – disse a colega do nada.
                    _ Como assim?
                    _ Ela vai se mudar da cidade. Pensa que pode estar sendo perseguida. Coisa de família. Eu ajudá-la na mudança.
                    _ Quero ajudar, posso? – perguntou Flávia.
                    _ Claro! Você os conhece? – perguntou Ana.
                    _ Sim! A mãe dele passava sempre lá em casa vendendo verdura.
                    _ Está bem, hoje à tarde, vamos lá.
                    _ Ok. Nos encontramos na porta dele.
                    Mais tarde se encontraram no local combinado. A fachada da casa de Neo era simples, nada demais poderia se esperar de uma casa muito deteriorada, e sem muitos cuidados.
                    _ Dona Lindinalva, nós chegamos! – disse Ana batendo na porta.
                    Um barulho de dentro da casa se aproximou da porta que abriu. Uma senhora, que tinha no rosto as marcas do tempo, olhou as garotas e as deixou entrar. A sala estava cheia de caixas, mas ainda tinha muita coisa para ser guardada, Flávia não sabia que numa casa daquela caberia tanta coisa.
                    _ Obrigada por terem vindo me ajudar. O pessoal já foi para outra cidade, mas fiquei porque não queria deixar nada para trás. – disse como uma voz rouca de tantos anos gritar na rua as verduras e legumes que vendia.
                    _ Esta é a...
                    _ Flávia, - cortando a apresentação de Ana - filha do Ronald e Francisca, os conheço. Tudo bem?
                    _ Sim! A Ana disse que viria ajudá-la arrumar as coisas, então me dispus a vir. Se não incomodá-la, é claro?
                    _ Não, não! Você não me incomoda em nada.
                    _ Então vou começar pela cozinha. – disse Ana.
                    _ Tem uma coisa que não sei mexer, são aquelas coisas de computador... – a velha parou um instante, lembrou-se do filho – só ele mexia lá.
                    _ A Flávia pode desmontar para senhora, você sabe não é Flávia? – disse Ana.
                    _ Sim, claro! Posso sim! Onde está? – disse Flávia.
                    _ No quarto. No quarto dele. – disse a senhora.
                    Flávia tremeu porque lembrou do sonho.
                    _ Vou lá então.
                    Flávia entrou no quarto escuro, viu uma abertura na parede. Andando com dificuldade, conseguiu chegar até a janela e a abriu.
                    Era um quarto lotado. Uma computador de última geração no canto do quarto, revistas de jogos espalhadas pelo chão, era muita bagunça, as roupas estavam fora do lugar, algumas meias sujas. Havia caixas de tênis empilhadas num canto da parede e pôsteres de bandas.
                    _ Já vi que vou ter muito trabalho. – disse Flávia.
                    A arrumação foi bem penosa, muitos objetos que Flávia nem imaginara que aquele rapaz pudesse ter, coisas caras e aos montes. “Como conseguira aquilo tudo?” – ela pensava.
                    As perguntas sempre vinham acompanhadas de respostas que ela mesma supunha.
                    “Claro que são resultado de seus trabalhos sujos que todo mundo sabia que ele fazia”. – pensava quando viu um pen drive com uma etiqueta “Clientes”.
                    _ Uau! – sussurrou mirando o objeto.
                    _ Flávia? – a voz de Ana vinha chegando, quando rapidamente colocou o pen drive no bolso. A colega apareceu na porta. – E aí?
                    _ Estou impressionada com tanta coisa que esse garoto tinha. – disfarçou.
                    _ E nem parecia não é? – Ana falou baixo. – Quer ajuda?
                    _ Não! Não precisa. Eu dou conta. Vou começar a desmontar o computador e aí se ficar alguma roupa aqui você pode pegar, porque provavelmente não dará tempo disso tudo. – se deu conta de que se contradisse – ah! Você entendeu.
                    _ Sim! – saiu rindo a amiga.
                    Flávia a observou entrar na cozinha e ligou o computador enquanto fingia desmontá-lo, pegou o pen drive e o conectou. As pastas se abriram, e uma lista de nomes conhecidos e desconhecidos apareceu. Flávia leu alguns nomes, mas um lhe chamou a atenção.
                    _ Mula manca? O que ela faz aqui? – olhou para fora do quarto para se certificar que não vinha ninguém, abriu a pasta “Patrícia_s2” – Meu Deus do céu!
                    Dentro da pasta, havia alguns arquivos de fotos e mais outros com os nomes “Daniel Dead”, “Roberta” “Thiago” “Flávia”.
                    _ Ana! – Flávia a chamou no quarto depois de ter desligado e desmontado tudo rapidamente. – Infelizmente vou ter que ir. Minha mãe me ligou dizendo que precisa urgente de mim.
                    _ Tudo bem Flavinha. Você já fez muito.
                    Saiu sem se despedir da velha.
                    No supermercado, Ricardo e Roberta faziam compras.
                    _ Quero te falar uma coisa.
                    _ Fala querida.
                    _ Eu vou visitar o Daniel.
                    _ O quê?
                    _ Eu estava na hora do acidente, e devo isso a ele.
                    _ Nada a ver! Você não precisa fazer e muito menos deve nada a ninguém. Pelo contrário, ele quem te deve.
                    _ Deixa de idiotice, é só uma visita.
                    _ Idiotice? Você acha que sou um idiota por não querer ver minha namorada visitando seu ex.
                    Roberta respirou fundo como se puxasse paciência.
                    _ Ricardo, eu acho que você só está sendo um pouco imaturo para encarar que um acidente aconteceu, eu estava presente e que independente dele ser ou não meu ex eu deveria visitá-lo.
                    _ Agora sou eu o imaturo. Quando aquele idiota armou contra a gente, foi eu que tomei a decisão imatura de desistir de quem amava sem primeiro conversar ou nem sequer ouvi-lo. – aumentou o tom de voz, ligeiramente irritado. Algumas pessoas no corredor olharam e despistaram.
                    _ Você disse que havia me perdoado por isso... – ela disse magoada.
                    _ Eu perdoei, mas não esqueci.
                    Ela o olhou ainda mais magoada ainda.
                    _ Vai ficar jogando na minha cara uma escolha errada que eu fiz?
                    _ Não. Você não merece isso.
                    _ Por que você está assim agora?
                    _ Você não para de falar desse idiota?
        _ Ricardo, ele é só meu amigo, não tem nada a ver.
_ Amigo? Amigo? Era para ele ter...
                    _ Como assim? O que você quer dizer com isso?
                    _ Nada...
                    _ Ricardo, foi você que... Não acredito! – disse Roberta.
                    _ Não! Claro que não! Você está louca! Jamais faria isso.
                    Daniel acabava de entrar no supermercado. A garota o viu de relance se aproximar deles sem que os reconhecesse.
                    _ Eu quero muito te explicar uma coisa, mas você tem que acreditar em mim. – disse ela olhando nos olhos dele e olhando para Daniel que se aproximava - Confia em mim, pelo amor de Deus.
                    _ Explicar o quê? Do que é que você está falando? – perguntou sem entender.
                    Quando Daniel chegou mais perto a viu e a cumprimentou discretamente, pois viu o namorado. Ela fez o mesmo para que Ricardo percebesse, mas se insinuou demais.
                    O rapaz loiro olhou para trás e viu o oponente ainda rindo com a mão levantada acenando, a qual baixou ligeiramente, pois sabia do ciúme dele para com Roberta.
                    Ricardo, diante da acusação de Roberta sobre sua imaturidade, procurou manter-se calmo.
                    _ Vamos! – disse ele.
                    _ Espera. Vou ali falar com o Dani.
                    _ “Dani”?
                    Quando ela passou por ele em direção ao Daniel, Ricardo a segurou com força pelo braço.
                    _ O que é isso? – o sorriso dela passou de simpatia para reprovação.
                    _ Eu quem pergunto: O que é isso? Acha que sou idiota? – perguntou sério.
                    _ Me solta , você está me machucando. – disse com cara de assustada.
                    Quando ela percebeu que ele ia soltá-la, puxou o braço.
                    _ Me solta. – falou mais alto.
                    Daniel se aproximou.
                    _ Roberta, tudo bem aí?
                    _ Ninguém te chamou na conversa. – Ricardo perdendo o controle.
                    _ Perdão, não falei com você. – desviou a atenção para a moça.
                    _  Mais ou menos. – ela disse.
                    _ Você sempre aqui para atrapalhar minha vida. Por que isso Daniel? Por quê?
                    _ Ricardo, não tem nada a ver. – disse Roberta.
                    _ Você estava quase agredindo a moça! – Daniel a abraçou e Ricardo não se conteve mais. Empurrou Roberta para um lado e socou o rosto de Daniel.
                    _ Para! Para Ricardo. – Roberta tentou separá-los, mas Daniel se jogou em cima de Ricardo e bateu no ouvido dele. Os seguranças do supermercado chegaram e os afastaram.
                    _ Se afasta de minha namorada.
                    _ Cala a boca! – gritou Roberta. – Sai daqui. Vai para casa. Vai! Vai!
                    _ Você vai ficar com ele? É com ele que você vai ficar? – ele esbravejava e o supermercado estava assistindo a cena.
                    _ Vai para casa Ricardo. – dizia ela.
                    _ Vocês se merecem, não sei como pude acreditar em você. – as lágrimas desceram pelo rosto do loiro e desapareciam na barba. – Você ama escolhas erradas. Acho que sou um idiota sim!
                    Saiu correndo e chorando.
                    _ Obrigado seguranças. – virou –se para Daniel – Você está bem?
                    _ O que ele tem? – perguntou Daniel com a boca sagrando.
                    _ Acho que ele ficou nervoso porque acabei de terminar com ele.
                    Daniel esqueceu do sangue que escorria da boca.
                    _ Sério?
                    _ É... – fingindo não ver a empolgação do rapaz, começou a limpar-lhe a boca com um lenço. – Você está bem?
                    _ Estou.
                    _ Eu agora tenho que voltar para casa agora, depois eu passo em sua casa. Até mais. – levantou-se, puxou o carrinho e saiu.
                    Daniel sorriu e procurou o que tinha que comprar no supermercado. O telefone tocou e ele atendeu uma ligação.
                    _ Alô!
                    _ Sr. Daniel, quem fala é o Alfredo, advogado que você contratou para aquele caso.
                    Daniel não fazia ideia do quem era e do que estava falando, mas fingiu entender.
                    _ Sim! Como estão as coisas?
                    _ Boas notícias. Os criminosos foram encontrados, reconhecidos e presos.
                    _ Sim! E?
        O advogado esperava um agradecimento pelo esforço, mas prosseguiu.
        _ Tenho um relatório completo do caso.
                    _ Me mande por email com os honorários.
                    _ Ok!
                    _ Do que é que ele está falando? – Daniel não entendeu nada.
                    Depois que comprou o que precisava, uma sms do mesmo número que havia ligado dizia que o email já havia sido encaminhado.
                    Daniel entrou no quarto e sentou-se em frente ao computador para ver o e-mail do tal advogado, mas o celular tocou novamente.
                    _ Nossa! Você não pára! – olhou e viu o nome de Roberta. – Oi!
                    _ Olá! É... Eu estou ligando para pedir desculpas pelo comportamento do Ricardo, ele é muito imaturo.
                    _ Esqueça-o. Você está bem?
                    _ Sim! Eu fico pensando o que deu em mim para namorar um cara tão imaturo.
                    _ A falta de alguém melhor.
                    _ Foi isso que pensei.
                    _ Talvez agora isso não seja mais problema.
                    _ Você lê meus pensamentos.
                    _ Quer sair comigo?
                    _ Ah! Não sei... Acabei de terminar, não sei se pega bem.
                    _ Como amigos, claro!
                    _ Ah! Assim tudo bem!
                    _ Te pego hoje à noite!
                    _ Ok! Estou esperando.
                    Ele deitou-se na cama sorrindo como se estivesse no céu. Ela mudara muito. Talvez nunca o esquecera e usava o Ricardo apenas para tentar tirá-lo da cabeça. Agora seria dele de novo.
                    “O amor sempre vence!” – ele pensou.
                    Parecia que o resto do dia havia se arrastado e enfim a noite chegou. Daniel passou de carro na casa de Roberta, observou que as luzes da casa do Ricardo estavam acesas, então se aproximou devagar.
                    _ Que bom que veio. – Roberta disse ao sair rapidamente de casa.
                    O carro arrancou e uma sombra na casa da frente entrou.
                    No restaurante que tinham o costume de almoçar quando namoravam se olhavam sem parar, Daniel criou coragem e pegou na mão da Roberta que não resistiu.
                    _ O Thiago me contou o que fiz com você. – ele queria mesmo sem memória colocar tudo em pratos limpos.
                    _ Dani, não é necessário lembrar disso. O passado não importa mais. – dizia calma.
                    _ Não! O que fiz foi realmente inescrupuloso e sem coração, não me importei com o que você sentia e não sei como pagar pelo sofrimento que te causei.
                    _ Não quero falar sobre isso. – já se sentia afetada e tinha medo de desistir do que pretendia então o beijou repentinamente tirando o fôlego. Ele ficou sem resposta.
                    _ Uau. Está do mesmo jeito. – ela disse.
                    _ Quero mais. – ele disse beijando-a com desejo. – Namora comigo?
                    _ Não sei. Você pode me deixar de novo.
                    _ Jamais. Fui louco em te deixar.
                    _ Promete?
                    _ Prometo!
                    _ Então é sim!
                    Roberta estava feliz.
                       
Continua...
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